quarta-feira, janeiro 30, 2019

Associação ateísta adota discurso de ódio e catolicofóbico



Portugal recebeu, no dia 27 de janeiro de 2019, a notícia de que seria o palco das jornadas mundiais da juventude, a ocorrer em 2022. Mesmo tratando-se de uma iniciativa promovida pela Igreja Católica e primeiramente dirigida a jovens católicos, a alegria com que tal notícia foi recebida, nos mais diversos quadrantes da sociedade, evidencia o reconhecimento de que é um evento que ultrapassa as ‘fronteiras’ do catolicismo, quer por se tratar de um acontecimento multitudinário, com forte impacto na relação entre povos (impacto económico, cultural, sociológico, político, etc.), quer pela natureza promotora de encontro com a diversidade que define a própria iniciativa.
Logo, porém, se ergueram vozes contrárias a uma qualquer associação do Estado à iniciativa, com críticas à presença do Chefe de Estado ou de outros políticos nas próprias Jornadas realizadas no Panamá.
Bem certo que toda a presença em qualquer evento, por parte dos representantes políticos é suscetível de escrutínio, dado que em causa pode estar a utilização de dinheiros públicos. O que está, porém, em causa nestas manifestações prontas de ofensa é a sempre repetida questão da laicidade.
A associação ateísta, a associação ‘República e Laicidade’ são, habitualmente, as vozes de uma interpretação que já era hora de se dizer que é minoritária e vencida, quer pela história, quer pela própria jurisprudência. Expliquemo-nos…
Importa, antes de mais, ser muito claro quanto a uma afirmação tantas vezes repetida que se assume como verdadeira.
Não é verdade que a nossa constituição utilize os termos ‘laico’, ‘laica’ ou ‘laicidade’ para definir a natureza da relação entre Igreja e Estado, em Portugal. Essas palavras aparecem, de facto, mas na Constituição da República Francesa, pelo que não deve importar-se para o âmbito português aquilo que é de outro âmbito.
Mais…
O artigo da constituição que define as condições da relação entre Estados e Igrejas é o 41º, cuja redação é particularmente interessante, pois coloca o acento na liberdade religiosa e não na neutralidade do Estado. Aliás, as intervenções do Tribunal Constitucional (ver os acórdãos n.os 423/87 e 174/93) evidenciam que não existe qualquer incompatibilidade entre a Constituição da República Portuguesa e a sua relação cooperante com as religiões, em geral, e com o Catolicismo, em particular.
Valerá a pena somar mais uma constatação.
Há, de facto, um princípio da relação entre Estado e religiões identificado como ‘laicidade’ que a define como uma justa separação entre ambos. Daqui, porém, decorrem duas leituras antagónicas. Uma é designada como laicidade positiva ou, simplesmente, ‘laicidade’ que muitos sustentam nascer da afirmação de Jesus Cristo de que ‘deve dar-se a César o que é de César e a Deus o que é de Deus’. Tal posição entende que, cada um na sua ordem, Estado e Religiões, são autónomos, mas cooperando um com o outro. Outra interpretação, definida como ‘laicidade negativa’ ou, simplesmente, ‘laicismo’, entende que o Estado deve fazer de conta que as religiões não existem, ter para com elas uma atitude de desconfiança, e, no limite, persegui-las. Na melhor das hipóteses, o Estado tolera a sua existência, desde que fiquem no âmbito privado. É a posição da associação ateísta e da República e Laicidade.
A História da Revolução Francesa (e o seu período do terror), os regimes coletivistas de Leste, a primeira República Portuguesa e tantos outros momentos da história, demonstram, à saciedade, que essa é uma visão errada, porque, para além de tudo, desrespeita o direito à liberdade religiosa que não é, simplesmente, um direito privado, mas um direito à manifestação pública, desde que não seja exclusivista e desrespeitadora das demais.
A história do mundo e a história da República Portuguesa evidencia que já era hora de se ter aprendido a lição de que não está no silenciamento da religião o segredo de um país e de um povo, mas no reconhecimento do seu sentir e na valorização positiva do mesmo.
Acrescente-se, ainda… A atitude da associação ateísta, contrariamente ao que quer fazer crer, representa uma visão minoritária mas muito poderosa junto da imprensa (basta reparar como os jornais I e Sol logo publicaram, como se tivessem uma só redação (terão?), uma reportagem fazendo crer que teria havido uma espécie de insurreição coletiva, quando se percebe que nem há quem fale em nome da referida associação).
E o que diz não é argumentativo ou discursivo. O que diz utiliza a estratégia dos discursos do ódio e, neste caso, um ódio dirigido, de matriz catolicofóbica, bem visível nesta frase com que se termina a referida reportagem: «O país não é um bando de beatos e não merece tal ofensa.»
Os católicos não são, eles próprios, ‘um bando de beatos’. Tal abordagem evidencia um preconceito que já deveria ter ficado nos longínquos anais do século XIX, em que ciência e religião pareciam não se entender. Hoje, Lemaître, David Jou, Polkinghorne, Macgrath, Peacoke, John Haught, Teilhard de Chardin e tantos outros evidenciam que não faz qualquer sentido uma lógica de conflitualidade.
O que continuam a pretender os que, teimosamente, recuperam tal visão passadista? E o que querem os que lhes dão o palco que não dão a quem quer demonstrar, há muito tempo, que ganharemos todos se o diálogo entre religião e ciência, entre Estado e religião for efetivo?


quinta-feira, janeiro 24, 2019

Legislação sobre o aborto | 172 mil abortos depois, não será chegada a hora de mudar a lei?


 Sem ideologias nem preconceitos, interroguemo-nos, com honestidade, se não será chegada a hora de reconhecer que foi um erro a lei promulgada após o referendo de 11 de fevereiro de 2007, referendo que, por não ter tido uma participação superior a 50% dos eleitores, não teve carácter vinculativo. Foi, em rigor, por decisão da Assembleia da República e não por vontade dos portugueses expressa em referendo, que se fez a alteração decidida há 12 anos.
Esse é, porém, um aspeto de ordem formal. O importante é o que está em causa.
E o que está em causa é, antes de mais, um sinal grave que a sociedade interpretou como se previa. Já então muitos foram os que alertaram para o risco de uma lei que legitimasse o abortamento voluntário contribuir para o agravamento do desprezo pela vida humana. As taxas de fecundidade como as que Portugal apresenta (em 2017, foi de 1,37 filhos por mulher em idade fértil; deveria ser, no mínimo de 2,1 para permitir reposição da população) e os saldos naturais negativos (relação entre total de mortes e de nascimentos, em cada ano) vêm comprovar a pertinência desses alertas. Portugal começa a apresentar saldos naturais negativos em 2007, antes da crise a que muitos querem atribuir a responsabilidade por Portugal ter uma crise de nascimentos. A crise tem uma data (15 de setembro de 2008, momento da falência do Lehman Brothers, cujas ondas de choque não chegam logo a Portugal). A crise demográfica é anterior a essa data, pelo que não é honesto atribuir à posterior crise económica uma causalidade preveniente. Bem certo que as mudanças na lei do aborto, em 1984, em 1997 (mudanças de prazos legais para a sua prática, dentro das condições definidas em 1984) e em 2007, terão de se somar a outros fatores, mas o seu efeito de desblindagem do reconhecimento da inviolabilidade da vida humana e na insensibilidade perante a beleza da geração de novas vidas é inquestionável.
Some-se a esta preocupação com o efeito na sensibilidade perante a importância de gerar a vida um outro efeito poucas vezes referido. Como pode esperar um combate eficaz à violência uma sociedade que aceita, pacífica e pacatamente, a violência naquela que é a relação primordial e mais simbólica de todas, a relação entre mãe e filho? Uma sociedade que se insensibiliza perante a violência de uma mãe contra o seu próprio filho ainda indefeso já está predisposta para aceitar toda e qualquer outra violência. E todos esses sinais e temores têm saído confirmados, ao longo dos doze anos que nos separam da decisão de aceitar que, até às 10 semanas de gestação, uma mãe possa impedir o seu filho de viver e desenvolver-se.
A pergunta é, seguramente, a seguinte: a pretexto de quê?
Da liberdade? Mas, pode alguém ser livre contra outro? E pode a liberdade ser entendida como mero exercício de vontade? Onde fica, na decisão livre, o discernimento e o reconhecimento da verdade daquilo que a vontade pode destruir? E se a liberdade for exercício de vontade apenas, porquê, então, não deixar à vontade de cada um todas as demais decisões da vida? Porque não há-de respeitar-se a vontade de cada um quando tal respeita a outras tantas matérias da vida em sociedade? Porque, bem certo, a liberdade não é puro exercício de vontade, como é sabido, mas sim capacidade de discernir e escolher o melhor. O resto é arbitrariedade. E é por isso que é legítimo submeter a vontade ao que a inteligência considera o melhor. É essa a opção de um Estado de direito em tantas, tantas matérias. Mas não foi assim, em relação à vida humana.
Dizem alguns: ‘Foi uma questão de respeito pelo direito da mulher a decidir, pois tal será um direito humano’.
Tal convicção caiu por terra, quando o Tribunal Europeu dos Direitos humanos deliberou, sem possibilidade de recurso, em 16 de dezembro de 2010, com 11 votos a favor e 6 contra, que o aborto não é um direito humano e, por isso, é legítimo que os Estados o penalizem. E por um motivo simples. O filho que se desenvolve no útero materno é já alguém, é uma identidade única, merecedora de proteção, pelo que atentar contra esse alguém exige explicação sobre os motivos de tal ação. Não é qualquer ideologia que o afirma; são os dados da genética que evidenciam a unicidade de cada um, desde a primeira hora. O filho em desenvolvimento não é uma ‘coisa’, como afirmaram muitos, no período que antecedeu os referendos, recuperando uma estratégia de ‘desumanização’ dos filhos humanos em gestação. Estratégia antiga tão bem conhecida. Os que queremos eliminar não podem ser um de nós; se o fossem, não os eliminaríamos!
Sobrou, então, que era uma decisão que devia ser entregue às mulheres, pois é um direito destas. Curiosamente, também a esta convicção restou pouco caminho para andar. A realidade vem demonstrando que, por causa de algumas mulheres que queriam abortar, ficaram desprotegidas todas as que querem gerar a vida. Muitas são as que vão dizendo, de forma discreta, que ocultaram dos seus patrões ou companheiros a sua gravidez, até às dez semanas, para que não se vissem coagidas a abortar. Uma lei que se defendeu a pretexto de proteger as mulheres voltou-se, afinal, contra elas próprias. Nada que não se adivinhasse, pois o erro está no ponto de partida. Como pode defender-se que as leis protegem bens e valores se, na hora mais grave em que o devem fazer, as leis os desprotegem? E, neste caso, está desprotegido o bem que é irreversível quando desrespeitado: a vida frágil e totalmente dependente de alguém.
Acrescentou-se, ainda, que era necessário fazer uma lei que repercutisse o facto de ser a mulher a gerar o filho. É por esse motivo que, durante as dez semanas, só a mulher pode decidir. O pai que contribuiu para gerar a vida nada pode fazer e não tem qualquer direito, nesse período. A pergunta que, naturalmente, deveriam fazer os juristas mais avisados só poderia ser esta: como pode exigir-se, a partir das dez semanas, que tenha deveres alguém que, durante as primeiras dez semanas, não teve quaisquer direitos? O pai não gera às dez semanas; gera no início. O Direito (jus) está suspenso, durante dez semanas?
Tal situação demonstra a incoerência da lei; não só a incoerência material, pois desprotege bens essenciais em benefício absoluto de outros bens que se quis colocar em conflito (a liberdade (?) em prejuízo da vida), mas também a formal: é uma lei que, por ser arbitrária e discricionária sobre quem escolhe para reconhecer direitos e quem exclui deles, gera condições para posteriores problemas de conflitualidade gratuita. E isso tem pouco de lógica e coerência esperadas no sistema jurídico de um Estado de direito.
Outras convicções poderíamos invocar para, perante o fracasso a que as veio a expor a realidade posterior, evidenciar que esta é uma lei que urge modificar.
Mas, acima de todos os motivos, importa olhar, com coragem, os dados que a todos nos deveriam envergonhar. Desde 2007, ano em que se realizou o segundo referendo e se operou a alteração mais grave na lei sobre o abortamento voluntário (em 1984, já tinham sido admitidas as situações de violação, malformação e perigo para a saúde física ou psíquica da mulher; a partir de 2007, passa a ser legítimo abortar até às 10 semanas sem dar quaisquer razões), já se realizaram mais de 172 mil abortos (dados até 2016; o relatório referente a 2017 ainda não foi publicado), correspondendo a mais de 15 mil em cada ano (só em 2007 é que se ficou pelos 7213, dado que a regulamentação só entrou em vigor em julho desse ano). Acresce a isto que cerca de 27% são abortos repetidos (a mesma mulher realizou mais do que um), sendo que, do total de abortos realizados em cada ano, apenas 3% a 4% são pelos motivos previstos na lei de 1984 (malformação, violação ou perigo para a saúde física ou psíquica da mulher); os restantes 96% a 97% dos casos são sem razão apresentada pela mulher. E não serve nem colhe o argumento de que se conseguiu saber, com esta lei, quantos abortos se realizam (a estatística vale mais do que a vida humana?) ou que se está a diminuir o número de abortos, ano após ano. É bem sabido como é que tal está a operar-se: basta saber como andam os números da pílula dita ‘do dia seguinte’, também ela, em muitos casos, abortiva, e que contribui, com custos sérios para a saúde da mulher, para antecipar o abortamento posterior.
Não nos merece isto uma profunda reflexão e inquietação? Vale assim tão pouco a vida de cada um de nós? Quanto vale, afinal, para nós, a dignidade da vida humana?

Caminhada pela vida | Contra rótulos e preconceitos, os factos. Simplesmente, os factos

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