quarta-feira, julho 13, 2022

O absurdo ‘direito’ a abortar

 (Neste artigo, seguirei uma linha de raciocínio puramente formal, lógica. Peço ao leitor que o leia sem filtros, sem preconceitos.)

Comecemos por uma constatação.

Um filho é fruto da ação, direta ou mediada (evoco, aqui, as formas de conceção natural ou medicamente assistida), de dois: um pai e uma mãe.

O facto ‘filho’ expressa, por si só, uma omnipresença de dois: os seus progenitores.

Em cada filho está, inerentemente, a ação de duas pessoas de quem emerge um novo ser.

A esta luz, o filho que nasce une, para sempre e desde o seu início, as vidas de dois indivíduos: os seus pais.

Estes factos parecem-me irrefutáveis…

O aborto interrompe esta história de união da ação de dois indivíduos, os progenitores, numa nova vida.

Ora, perante o aborto, o direito depara-se com uma dificuldade: como agir?

A decisão dos legisladores tem sido uma de duas:

- ou permanecer fiel ao entendimento de que as leis transmitem mensagens aos cidadãos e, por isso, manter a afirmação de que abortar, por consistir na eliminação de uma vida humana em desenvolvimento, é um erro punível (esta punição recai sobre todos os envolvidos no aborto e não apenas na mulher: são suscetíveis de punição os incentivadores, os praticantes do aborto, os companheiros ou familiares que forçam, etc.);

- ou, alegando motivos diversos, despenalizar o ato, a pretexto de conflito de direitos ou outros motivos.

Observa-se, porém, uma nova linha que pretende defender, já não a mera despenalização do ato, mas o seu reconhecimento como direito.

Para a análise desta via, regressemos ao início da nossa reflexão.

Constatámos (sem grande esforço) que o filho é fruto da ação de dois: os progenitores, um pai e uma mãe.

Pretender reconhecer a um dos dois o direito exclusivo a abortar introduz aqui uma novidade altamente problemática.

Senão, vejamos. Socorramo-nos de uma metáfora que, como todas as metáforas, deve ser apenas uma ajuda ao entendimento sem que nos devamos prender nos aspetos específicos desta…

Imagine-se uma sociedade empresarial em que existem dois sócios com 50% de participação cada um.

A certa altura, um dos sócios propõe a aquisição da participação do outro sócio, ficando, assim, com 100% das quotas, comportando a posse do exclusivo de direitos e, por isso, também, de deveres.

Não é difícil imaginar que, se as coisas correrem bem, o novo sócio (absoluto) recolherá todos os dividendos, mas, também, que, se as coisas correrem mal, será este a arcar com a totalidade das despesas e dos problemas. Só por generosidade e bondade da parte do sócio que cedeu a sua parte é que poderá haver a assunção de responsabilidades, face às novas condições do contrato. Sublinhe-se: só por iniciativa do segundo sócio é que haveria assunção de responsabilidades por parte deste, dado que o novo contrato atribuíra totais direitos ao primeiro.

Ora, salvaguardadas as devidas diferenças (um filho não é um mero contrato ou negócio, bem certo!), o reconhecimento de que haja um ‘direito’ da mulher a abortar é tão válido como legitimar que o primeiro sócio, que ficou com o exclusivo da sociedade, possa vir reivindicar deveres ao que deixara de ter quotas na sociedade.

Dito de outro modo.

O filho gerado é fruto de dois. Reconhecer que houvesse um direito a abortar por parte da mulher suspenderia qualquer ‘direito’ do pai’, durante o tempo de exercício desse ‘direito a abortar’, restituindo-se ao pai os seus ‘direitos’ apenas depois do tempo de exercício absoluto da mãe.

Se se reconhecer que as mulheres que pretendem abortar o fazem porque a isso têm direito, daqui decorrerá, logicamente, que as mulheres que pretendem ser mães (ter filhos!) ficarão desprotegidas, porque nenhum pai estará obrigado a assumir responsabilidades quando, em todo o processo foi, afinal, excluído. Neste quadro, seria por pura arbitrariedade que se exigiria ao pai que assumisse responsabilidades em caso de não aborto, pois, afinal, ele tinha estado privado de quaisquer direitos, no período entre a conceção e o tempo legalmente previsto para a mulher exercer o seu ‘direito’. Como podem exigir-se deveres a quem não teve quaisquer direitos?

Pois é…

O problema é que toda esta visão que entende que haja um ‘direito ao aborto’ parte de pressupostos desajustados, o primeiro dos quais o de que um filho se constitua como um direito dos pais: os pais devem cuidar; os pais devem acolher; o filho não é um direito, mas, antes, alguém protegido pelo Direito!

Posta assim a questão, é fácil entender que toda esta discussão está virada do avesso.

Não deveria estar a discutir-se o possível (e denunciado como ‘absurdo’) direito a abortar, mas sim como comprometer, cada vez mais, o pai com o filho em gestação. O filho é gerado por dois, pelo que deve ser responsabilidade dos dois e, nunca, direito de um contra outro ou, sequer, contra todos.

Dado que o filho é gerado por dois, o filho terá de ser protegido pelos dois e, como sociedade que somos, protegido contra o mal que os dois possam pretender fazer-lhe.

Esta devia ser a linha a seguir.

E só assim se poderia compreender, com espanto e compaixão, que não podemos continuar cúmplices dos mais de 22 milhões de abortos que se realizaram, só no primeiro semestre deste ano, em todo o mundo. Os números deveriam despertar-nos para o que estamos a fazer.

O aborto é a falência de uma sociedade. Reconhecê-lo como um ‘direito’ soma absurdo a esta falência.

 

Caminhada pela vida | Contra rótulos e preconceitos, os factos. Simplesmente, os factos

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