quinta-feira, março 23, 2023

Caminhada da luz - JMJ Salreu | 21 de março de 2023 | Reflexões

 

Caminho com os símbolos da JMJ 2023

 (Reflexões escritas para a caminhada da luz, realizada na paróquia de Salreu, Estarreja, a pedido de um bom amigo.)

 

Primeira etapa da caminhada – Capela

Um símbolo reúne e agrega

 

Estamos a iniciar um caminho com os símbolos da JMJ.

Caminho… Símbolo… Jornadas Mundiais da Juventude…

Caminhamos não como quem erra, sem rumo, mas com um norte no horizonte. Esse norte expressa-se no poder dos símbolos.

Um símbolo é sempre algo que agrega, reúne, junta o que anda disperso. Em torno destes símbolos, quantas histórias, quantas esperanças, quantas lágrimas e alegrias!... Nisso está a sua força simbólica. São mais do que objetos: são sinais de vida!

As Jornadas Mundiais da Juventude são um encontro, uma reunião, um ponto de confluência, mas também um momento de partida, marcada pela renovação interior que se faz de uma alegria que se expressa no exterior.

E estas Jornadas são marcadas por um lema que vincula e projeta, recolhida do evangelista Lucas, o evangelista da misericórdia: «Maria levantou-se e partiu apressadamente»

Maria tem, agora, o nome de cada um de nós.

José, Miguel, Francisca, Marta, Joaquim… O nome de cada um de nós antecede esta mensagem: ‘Eu’ levantei-me e parti apressadamente.’

Não já como um eu solitário, mas como um ‘nós’.

Nós levantámo-nos e partimos, apressadamente.

Levantemo-nos…

Partamos…

Há pressa no ar!

 

 

Segunda etapa da caminhada –

 

Maria levantou-se…

Levantar-se é atitude nobre, digna, de quem não se acomoda.

Levantar-se significa não se aquietar e sossegar, diante dos desafios e das interpelações. Maria deixou-se incomodar.

Os nossos tempos estão marcados por tanta indiferença, insensibilidade, acomodação. Pedem-nos que nos levantemos, tomemos em mãos os sinais densos da esperança e os levemos diante de uma humanidade tantas vezes voltada para o chão, curvada e sem esperança.

Maria é modelo de uma mulher real, concreta, que, mesmo na sua fragilidade de grávida, não se centra em si, mas transcende os limites com que se confronta.

Levanta-se, impelida por uma força que a faz desassossegar-se. A força que, como um vento que agita, se faz fogo ardente no seu coração, desafiando-a a ir mais longe. É por isso que não apenas se levanta. Ela levanta-se e parte…

 

 

Terceira etapa da caminhada –

 

Maria partiu…

Não como quem anda sem rumo, mas certa de que alguém a esperava. Maria não parte para lugar nenhum. Parte para a montanha, esse lugar onde Deus tantas vezes escolheu revelar-se. O lugar que é, nesta hora, o sinal da fragilidade que precisa de cuidado, pois é o lugar onde está Isabel, a sua prima, que precisa de ajuda, por estar, também ela, grávida e em fim de tempo. Partir porque se está em fim de tempo. Maria parte porque sabe que o tempo é escasso e todo o cuidado é necessário e pouco. Maria parte porque não basta levantar-se, erguer-se de tudo o que prende os pés. É preciso andar, avançar, peregrinar, sair… partir!

E como é poderosa, hoje, a simbologia do peregrinar. O peregrino não anda errante; sabe que tem uma meta, um rumo, um horizonte. E sabe, também, que para poder fazer o caminho, só o essencial é importante.

Ah, como seria urgente redescobrirmos que a vida é uma peregrinação para nos voltarmos a centrar no que é importante, no que é fundamental, no que é essencial.

Tanta futilidade nos prende os pés e nos impede de partir! Tanta ambiguidade nos afasta da verdade! Tanto egoísmo nos centra no ‘eu’, ‘eu’, ‘eu’. Um ‘eu’ que não parte para lado nenhum pois está convencido de ser o ponto de chegada.

Mas Maria parte, pois ela sabe que o sentido da vida está em partirmos em direção aos outros e ao Outro que é Deus. E isso dá-nos a consciência de que partir não pode ficar para amanhã… É uma pressa. Partir deve acontecer apressadamente…

 

Quarta etapa da caminhada –

Maria partiu apressadamente.

A pressa de Maria não é a de um acelera. Um acelera deleita-se com o prazer da velocidade, mas esta não o leva para lado nenhum. Acelera porque quer sentir gozo.

A pressa de Maria não é esta.

A pressa de Maria não é a que vemos nos nossos tempos, em que os nossos encontros são encontrões; em que andamos, acelerados, pelas ruas, como corpos sem alma. A pressa de Maria é a de quem tem o fogo no coração, um fogo que se chama ‘amor’, o amor com que Deus se lhe apresenta, o amor que é um descentrar-se de si e um voltar-se, atento e cuidadoso, para o outro.

A pressa de Maria é a de quem tem muito para ouvir e muito para contar porque tem a alma cheia de amor. A pressa de Maria é a daquela que sabe que a vida é gratidão, porque recebida como dom. E é porque é gratidão que sempre a história cristã lhe deu o nome da ‘cheia de graça’, cheia de dons que a tornam grata, agradecida ao Senhor da vida.

A pressa de Maria é a do encontro entre a eternidade e o tempo. Não a de quem já não tem tempo nenhum, mas a de quem passou a ter todo o tempo do mundo para se dedicar aos outros.

 

Quinta etapa da caminhada –

Com Maria, rumamos às jornadas mundiais da juventude de Lisboa…

O convite está lançado. Todos estaremos em Lisboa, em Agosto de 2023. Uns estaremos de corpo e alma; outros estaremos de coração. Mas Lisboa será o ponto de congregação de todos os que sabem que os tempos que vivemos pedem que nos levantemos, partamos e o façamos sem demora.

Será um levantar-se, partir e apressar-se que renovará a realidade onde vivemos, em cada dia.

É que Maria era uma mulher real, concreta, que realizou este levantar-se, partir e apressar-se na Palestina de há 2000 anos, cuidando e acolhendo ali, na vida real e concreta em que Deus e humanidade se uniram de modo definitivo.

As JMJ são oportunidade única para renovar o coração de cada um e as comunidades que construímos.

Nestes tempos sem tempo para nada, em que tudo parece fútil e descartável, em que a dignidade humana parece ter-se feito lama, num chão de que teima em não erguer-se, o modelo de Maria faz-nos levantar (erguer, de novo, a dignidade que nos habita), partir (e não andar errante, sem meta nem rumo), apressadamente (e não de modo acelerado, mas com a ousadia de quem sabe para onde vai, porque uma Voz do alto chama no coração).

Há pressa no ar… Vê se já a sentes no teu interior ou se ainda dorme o coração que te preenche o peito.

domingo, março 19, 2023

18 de março, o país caminha pela vida | Caminhar por aqueles a quem a vida não corre

(Artigo originalmente publicado na Agência Ecclesia)

Não se faz um seguro para os dias em que tudo corre bem. Esperamos que nos proteja, quando algo (ou, mesmo, tudo) corre mal. De que serviria, afinal, se, na hora em que mais dele precisamos, nos deixasse a suprir, pelas nossas próprias forças, os limites que a ele incumbia proteger?

Este não é um texto de apologia ou elogio a seguradoras ou entidades similares, mas um manifesto de inquietação perante a desblindagem daquele que é o maior seguro de vida e a mais relevante apólice da nossa carteira coletiva: o reconhecimento da inviolabilidade da vida humana.

Sustentar que a vida humana é inviolável de pouco nos servirá se tal significar que só não se lhe pode tocar quando tudo corre bem. Decisivo será permanecer fiel ao princípio quando ‘nem tudo corre’, pois é para essa hora que, afinal, celebrámos, coletivamente, o contrato firmado em apólice com o nome de Constituição.

Com este pressuposto, tenho defendido, desde o referendo de 2007, que, se bem vistas as coisas, após a liberalização do abortamento voluntário até às dez semanas, todos os nascidos posteriormente a essa data são, efetivamente, sobreviventes. Sobreviventes de uma lei que deixou à decisão das vontades individuais a determinação de se uma vida é ou não inviolável.

Sê-lo-emos (continuamos a acreditar que o tempo verbal certo será ‘sê-lo-íamos’), também, se for (fosse) legalizada a eutanásia… Todos os que vierem (viessem) a morrer de morte natural serão (seriam) sobreviventes a uma tal lei.

Não se inverteu, portanto, o paradigma de referência ao deixar de considerar que é perante a vida que devem acomodar-se as vontades (por ela ser inviolável), para se entender, pelo contrário, que é esta que deve acomodar-se às vontades?

É que, com efeito, as vontades são volúveis, variam, mudam, alteram-se, podem desejar e deixar de desejar, enquanto a vida não tem ondulações nem gradações: está ou não está! E é por a sua rejeição ser irreversível que a sua inviolabilidade deve ser – lá está! – mesmo inviolável.

E é especialmente quando a vida é mais frágil, quando a vida não corre, que a sua apólice de seguro deve ser acionada, para que as vontades não a façam sucumbir à sua força.

A história do reconhecimento da inviolabilidade da vida mostra que o percurso foi lento, de cerca de 2000 anos, mas sustentado. Nas últimas décadas, porém, por um processo que faz lembrar o retrato descrito por George Orwell, no ‘triunfo dos porcos’ e em ‘1984’, em que as verdades da primeira hora vão sendo alteradas e moldadas de modo a já pouco significarem do inicialmente defendido, temos vindo a assistir a um desblindar dessa apólice de seguro de vida. Temos vindo a ser arrastados por um processo de insensibilização paulatina, encaminhando-nos num sentido que não é de progresso, contrariamente ao que pretendem dizer-nos, mas de evidente retrocesso, com a agravante de se pretender acantonar, na trincheira dos radicais, quem ousa dizer que o rei vai nu. Consciente dessa estratégia, o Papa Francisco recordou, logo na exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’ que “muitas vezes, para ridicularizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano.” (EG 213), acrescentando, mais adiante: “A propósito, quero ser completamente honesto. Este não é um assunto sujeito a supostas reformas ou «modernizações».” (EG 214)

É por isso que o país vem, pouco a pouco, despertando para esta evidência de que a vida é anterior às vontades que a devem, sim, acolher. Despertando deste torpor que a todos pretende insensibilizar, os portugueses têm-se mobilizado, dando respostas, organizando-se, acolhendo, cuidando e, também, caminhando… caminhando por aqueles (e, afinal, por todos nós, algum dia…) a quem a vida não corre.

Neste ano, em 18 de março, dez cidades do país realizarão caminhadas por aqueles (por todos nós…) a quem a vida ‘não corre’, caminhadas pela vida. A sua causa é a mais decisiva de todas; nasce do reconhecimento de que a vida antecede as vontades, pede para ser acolhida, pois se tal não acontece, nada é o que lhe sobra, o futuro acaba ali. A sua é a voz daqueles a quem nunca a concederam ou pretendem vir a tirar. Como não ver isto? Como permanecer-lhe indiferente?

Caminhada pela vida | Contra rótulos e preconceitos, os factos. Simplesmente, os factos

  Artigo originalmente publicado em https://diocese-aveiro.pt/cultura/ No dia 6 de abril, sábado, o país mobilizou-se para afirmar que a...