sexta-feira, dezembro 19, 2025

Aborto | Manifesto ‘para que todos os catraios possam nascer’

 

Vamos imaginar.

Imagine-se que um dos 43 milhões de abortados, neste ano, em todo o mundo (números do worldmeters.info) conseguia quebrar a ‘interrupção’ a que o entregaram e falava ao nosso ouvido. Pedir-nos-ia, certamente, que lhe devolvêssemos a vida e que lhe permitíssemos que fosse à vida, acabada a gravidez de que a sua mãe o queria, antecipadamente, fazer sair.

Se é certo que tal só é possível por um exercício de imaginação, há, porém, que reconhecer que este exercício é o que suporta a ideia de que àqueles que são portadores de dignidade humana cabe reconhecer que, mesmo quando não têm voz, é como se a tivessem e a ouvíssemos, sempre, e sem desfalecer.

Ora, no caso do aborto, os que o legalizam e o querem tornar ‘lei blindada’ querem sumir a voz dos abortados.

É, por isso, humanamente exigível que se lhes dê voz.

Regressemos à constatação óbvia.

Num aborto, um filho é impedido de se desenvolver e de vir a nascer.

Num aborto, um pai é impedido de continuar a sê-lo.

Num aborto, uma mulher que era mãe deixa de o ser.

Num aborto, há muitos interesses em jogo.

Num aborto, há, por vezes, razões que levam a achar que o filho se tornou um problema e só eliminando-o o problema deixa de existir. Colide, porém, o desejo de que deixe de ser um problema com o reconhecimento de que um ser humano, portador de dignidade humana, é alguém, um alguém a quem ainda não soubemos que nome dar, mas que já é um ser participante da natureza humana e, por isso, merecedor de que o pensemos como um ‘tu’ a olhar para nós e a pedir-nos que o acolhamos. Abortá-lo é silenciá-lo.

É inquietante que o torpor coletivo que vem tomando conta do Ocidente esteja a apagar de diante de nós a voz dos que, no silêncio do ventre das suas mães, clamam por vida, clamam pelo futuro.

Quase não há semana em que não tenhamos notícias sobre o aborto. Ora da França, ora de cá, ora da Europa, ora daqui, ora dali.

No dia 18 de dezembro de 2025, a França anunciou ter aprovado lei que reabilita mulheres condenadas pelas leis anteriores a 1973.

A estratégia é impedir de falar o filho.

Aparentemente, em todo este processo, parece só haver uma vítima: a mulher que aborta.

Sejamos, porém, honestos. Se já temos abortos repetidos em perto de 30% do casos, se 96% dos casos de aborto são praticados sem razões explícitas (só cerca de 4% são por malformação, conflito entre a vida da mãe e do filho, violação, etc.), se há toda uma estrutura mundialmente organizada de clínicas que se dedicam, exclusivamente, a este ‘negócio’, podemos afirmar, com, honestidade, que o aborto se deve sempre a razões justificáveis?

Mas ‘o aborto diz só respeito a quem o faz’, dirão alguns, verdadeiramente convencidos disso.

Se um filho é um ser distinto do pai e da mãe, o assunto ‘aborto’ já não respeita só a quem o faz. Diz respeito, principalmente, a quem o sofre, o filho, e pela proteção que todo o filho humano nos merece, então, o assunto diz respeito a todos.

E se diz respeito a todos, porque quando se mata um humano, mata-se a humanidade nele presente, então as perguntas, perante o aborto, deveriam ser outras. Não ‘como ajudar a eliminar um filho?’, mas sim ‘como podemos ajudar quem sente que o filho em gestação é um problema?’

A estratégia em curso é, porém, clara. O aborto está encapsulado no preconceito de que é um direito da mulher e, por isso, beliscar este hipotético ‘direito’ é ser contra a mulher, considerada, sempre, em situação de miséria (os números não o demonstram!), sendo, então, de concluir que quem se opõe à legalização não o faça por bons motivos, mas porque é incompassivo, sem misericórdia.

Como opositor à legalização do aborto, olho para esta conclusão como uma ofensa.

Oponho-me, à legalização do aborto e ao seu reconhecimento como um direito, por causa da mãe; oponho-me por causa do filho; oponho-me por causa do pai; oponho-me porque recuso uma sociedade individualista em que cada um fica com o seu problema e os outros oferecem a morte porque, após ela, fica o silêncio que já não incomoda.

Oponho-me por sincera compaixão para com as mulheres que querem os seus filhos, mas que, por pressão social, são arrastadas para o aborto legalizado (quando era ilegal, jamais o fariam!); oponho-me porque a dignidade humana não pode ser um chavão que se utiliza quando dá votos, mas é, de facto, o fundamento da inviolabilidade de toda a vida humana, em particular quando, sendo frágil, ela mais incomoda e apetece rejeitá-la; oponho-me porque um filho não é gerado por um só e, por isso, é ilógico que um só possa decidir por um bem que é gerado por dois; oponho-me porque a vida humana não é um bem disponível; oponho-me porque não é apenas o ato da mulher que aborta que é legalizado: é todo o negócio e todos os interesses envolvidos; oponho-me porque a vida é de baixa probabilidade e, quando ela consegue contornar as improbabilidades, temos de lhe dar oportunidade de se abrir ao futuro; oponho-me porque não é dividindo a mãe contra o filho, o filho contra a mãe, a mãe contra o pai, o pai contra a mãe e todos contra todos que se constrói uma sociedade livre.

Como podemos admirar-nos com a violência que grassa nas nossas sociedades ocidentais quando o ato de violência da mãe sobre o seu filho em si protegido é reconhecida como um direito? O fim legitimado da gravidez parece nascer da ideia de que a gravidez é um peso lançado sobre a mulher. Como homem, e com uma inconfessável inveja, grito que a gravidez é um privilégio. Como podem perverter este reconhecimento os movimentos que estão paulatinamente a minar as consciências e a gerar a convicção de que o aborto seja um direito?

Bem sei que os interesses em jogo, que abanam as bandeiras dos ‘direitos conquistados’ ou da ‘compaixão para com quem é «atirado» para o aborto clandestino’, detêm condições de manipulação mediática e (outras) que só me permitem sonhar com uma outra sociedade para tempos não imediatos.

Mas a história mostra-nos que não devemos perder a esperança.

Recupero a história do eugenismo de que venho falando, em diversos estudos já publicados.

Entre 1883 e a Segunda Guerra Mundial, o mundo viveu uma vertigem semelhante à abortista que vem tomando conta do Ocidente, desde a década de 60, mas em particular, desde 1973 (caso Roe vs Wade).

A vertigem eugenística começou por suportar-se na ideia de que era preciso aproveitar as conquistas da ciência para limitar o nascimento dos que eram débeis, replicando, na sociedade, o que Darwin observara na natureza (por uma seleção artificial que replicava a seleção natural). O fascínio pela ideia foi-se avolumando. Criaram-se sociedades eugenísticas um pouco por todo o mundo. Legalizou-se o casamento eugénico, limitou-se o acesso ao casamento das comunidades tidas como ‘debilitadas’, etc. O torpor coletivo foi sendo cada vez mais avassalador.

Só uns raros países, de influência católica continuaram a resistir, em nome do reconhecimento de que a dignidade humana exigia o reconhecimento de que todos mereciam viver.

O que acordou deste torpor foi a II Guerra Mundial e a ‘superlativização’ do eugenismo por parte de Hitler.

O mundo despertou do longo sono.

Estou convencido de que o mundo acordará para o sono em que está.

A erosão do direito, grande responsável por esta onda abortista (pois, se o direito continuasse a travar a sua aceitação, a sua prática diminuiria e a vida sairia respeitada e protegida…), está a permitir que a onda continue a agigantar-se. O medo dos que se opõem a esta prática e a estas leis de serem tomados por incompassivos, por insensíveis, tem favorecido que, como a água de um tsunami, as lógicas abortistas, individualistas, tomem conta de tudo.

Mas permaneço confiante.

A dignidade humana vencerá, como venceu, após outras vertigens.

Atónitos, diremos, então: ‘como nos permitimos chegar aqui?’

Até lá, porém, é o tempo de escutar os silenciosos…

Deixemos os catraios nascer!

Aborto | Manifesto ‘para que todos os catraios possam nascer’

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