Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’** | Marca de água de livros que deixam marcas profundas
Luís Manuel Pereira da Silva*
O(s) autor(es) e a obra
Teresa de Melo Ribeiro, José Ribeiro e Castro e Isilda Pegado (coordenação), My body, my life: no debate sobre o aborto, Cascais, Sopa de letras, 2025.
Quando somos tomados por uma vertigem, tendemos a fechar os olhos. Quando, porém, ela é de natureza moral ou ética, é recomendável mantê-los abertos.
É de uma vertigem avassaladora que fala este livro e abrir os olhos é o que se espera de quem o ler.
Reúnem-se, aqui, vinte e sete artigos que, como referem os seus coordenadores, foram, originalmente, publicados em órgãos de comunicação social. Vinte e sete artigos: tantos quantos os anos que decorreram desde o primeiro referendo ao aborto. Os autores, quinze no total, correspondem, também, a uma significativa diversidade de profissões e funções, ainda que com maior prevalência de juristas ou profissionais do âmbito do direito (professores, um juiz, advogados, etc.). Contam-se, ainda, entre os autores, uma bióloga, três professores de outras áreas, uma escritora, um estudante de direito, o secretário-geral de uma juventude partidária, um padre e um cardeal, identificando-se alguns dos autores como sendo dirigentes de organizações diversas (Comissão Nacional ‘Justiça e Paz’, Corpo Nacional de Escutas, Comissão Diocesana da Cultura, Federação Portuguesa pela Vida).
Constata-se o papel do jornal Observador enquanto fonte privilegiada da grande maioria dos textos - vinte e dois -, sendo os restantes cinco provindos de outras quatro fontes: um blogue (‘nós os poucos’), um site (da Comissão Diocesana da Cultura|Aveiro), a Rádio Renascença e o Correio da Manhã.
O prefácio, da autoria do ex-primeiro ministro, Pedro Passos Coelho, sublinha a diversidade e a liberdade com que se construiu este livro, afirmando a originalidade da sua posição em relação à da maioria dos autores, mas evidenciando, também, o respeito por que não se encerre um assunto que, como o mesmo afirma, se escude numa atitude de ‘fraqueza [que] é ter medo de confrontar as ideias ou pretender calar ou diminuir aqueles de quem discordamos e esconder-se atrás de qualquer relativismo moral para não tomar posição’. (prefácio, p. 19)
Este livro é francamente oportuno porque uma vertigem de relativismo enevoa as leituras sobre este assunto que, como recordam os coordenadores na nota introdutória, ‘voltou a estar na ordem do dia, política e mediática’ (p. 8), seja pela discussão, em contexto de campanha eleitoral de inícios de 2024, seja pela resolução do Parlamento europeu, de 11 de abril de 2024, seja, ainda, por se terem apresentado à Assembleia da República iniciativas legislativas que pretendiam alargar os prazos da despenalização, ou, acrescentamos, pela aprovação, em França, de decisão que propõe que se reconheça, ali, o aborto como um direito a assegurar a nível correspondente ao da proteção constitucional.
Para grandes vertigens, exige-se um verdadeiro arregalar de olhos. E é isso que se propõe esta coletânea de 27 esclarecedores artigos, que começa com um argumento de peso: a capa, que fala por si. Aliás, talvez seja de dizer de outro modo: quem nela aparece fala por si. E com que eloquência!
Marcas de água
(o que fica depois de se deixar o livro)
A ideia de vertigem é especialmente plástica e esclarecedora. Num contexto vertiginoso, é natural protegermo-nos e tentarmos, a todo o custo, minorar os custos do impacto da causa que a provoca. É, por isso, que a sedução de fechar os olhos é particularmente eficaz. Fechados os olhos, como que se desvanece a realidade e tranquilizamos.
Mas quando os deixamos abertos, a realidade obriga a acolher o que ela mesma nos evidencia.
Sabia bem disto um reconhecido e reputado pensador e político italiano quando, na década de 80 (mais propriamente em 1981), se discutia, em Itália, a legalização do aborto. Norberto Bobbio, que se definia como ‘socialista e laico’, afirmou, com escândalo, ao Corriere della Sera, que lhe causava estupefação que os «laicos entregassem aos crentes o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar».
Destaco desta afirmação de Bobbio, três aspetos.
Em primeiro lugar, o reconhecimento de que o aborto não é matéria de natureza religiosa ou que deva ser lida à luz exclusiva dos argumentos desta natureza. Bem certo que, à luz do que o mesmo Bobbio reconhecia, os crentes ficam muito gratos que se lhes reconheça essa sensibilidade, mas, queira-se ou não, a leitura ética sobre o aborto é de um plano distinto. (Bem certo que os crentes têm um ‘plus’ de razões [a vida é, em perspetiva crente, sempre dom de Deus], mas as verdadeiras são prévias a esse ‘plus’).
E as verdadeiras concernem ao segundo aspeto que destaco. Bobbio era muito claro no seu repúdio da posição confortável e cómoda dos laicos: abortar é ‘matar’, não é outra coisa. Quem o diz não sou eu: é Bobbio! Ao denunciar, no contexto da discussão italiana que aceitar o aborto, através de leis, era ceder perante a violação do princípio de que não se deve matar, Bobbio não deixava margem para dúvidas.
Por fim, a posição de Bobbio permanece, como voz póstuma, como desafio a que se regresse, vezes sem conta, ao que está, verdadeiramente, em causa.
É esse regresso ‘ao ponto’ que se propõe este livro, que surpreenderá até os leitores mais convencidos de se ter, já, esgotado toda a argumentação. A atitude decisiva deverá ser, no final, a de se deixar despertar não se permitindo aquietar-se ou acomodar-se.
Resisto a enunciar os múltiplos argumentos que, curiosamente, não se repetem (a originalidade de cada autor evidencia-se na singularidade de cada posicionamento), sublinhando quatro linhas que desenvolvo, a partir dos argumentos reunidos neste ‘livro despertador’.
Em primeiro lugar, valerá a pena constatar-se como os argumentos de quem pretende a legalização do aborto são ‘fluídos’ e ‘gelatinosos’, indo do esvaziamento da natureza do filho ainda não nascido à sustentação (incoerente, pois teria de defender o aborto até ao fim da gravidez) de que se trata de uma parte do corpo da mulher e, por isso, parte dos seus direitos de autodeterminação (também este um argumento de difícil sustentação absoluta, pois permitiria uma total disponibilidade de si que colidiria, por exemplo, com a legitimidade de o Estado punir o não uso do cinto de segurança, a título de exemplo…). Recorre-se aos argumentos que melhor servem em cada momento sem a preocupação com a coerência, evidenciando as marcas de um ‘pensamento débil’ (Gianni Vatimo) e de um sociedade que liquidifica tudo (Zigmunt Bauman).
Em segundo lugar, valerá a pena desenvolver a ideia tantas vezes repetida de que a legalização do aborto procurou equilibrar direitos em conflito. Para além de (como é descrito por um dos autores) não se perceber como é que uma vida inocente pode ser tomada como ‘agressora’, o suposto equilíbrio é, de facto, inexistente, pois, quando há equilíbrio, nenhum dos direitos põe o outro em causa. Ora, pode sempre supor-se a possibilidade de todas as mulheres portuguesas decidirem exercer o ‘direito’ que a lei lhes facultou. Nenhum humano nasceria, pois o eufemismo ‘interrupção’ não tem respaldo na realidade e não é, de modo algum, possível começar uma gravidez às dez semanas. Todas começam à primeira semana…
Por fim, também numa lógica de desenvolvimento progressivo de argumentos, tomemos em análise a questão dos ‘direitos’ em jogo. Já vimos que os ‘direitos’ da mãe e do filho foram desequilibrados, sumindo os de um deles, em absoluto, durante o tempo da suspensão total, ao longo das primeiras dez semanas. Vejamos, agora, o impacto desta ‘suspensão’ em outro elemento da equação: o pai.
Sabendo que não há filhos sem dois gâmetas (células sexuais), um feminino (o óvulo) e um masculino (o espermatozoide), para haver um filho humano é preciso existir, sempre, uma mulher e um homem que, a partir do momento da fecundação, mudam de condição, passando a ser uma mãe e um pai. Logo, aquele novo ser, que, antes da fecundação, não existir, passa a ser o fruto de dois. Formalmente, juridicamente, aquele ato (a fecundação) tem dois sujeitos igualmente responsáveis. Porém, o legislador decidiu que, durante dez semanas, os direitos sobre aquele filho, que foi gerado pelos dois, recairiam, de forma absoluta, sobre um só dos dois sujeitos, a mãe. A pergunta que se impõe é esta: sendo o pai destituído de direitos, de forma absoluta (não pode decidir nada sobre aquele filho), como pode ver serem-lhe exigidos deveres, dez semanas depois, quando nenhum direito teve na tomada de decisão? Se o legislador fosse coerente, teria de concluir que a lei é absolutamente injusta, pois só arbitrariamente confere deveres a quem não teve quaisquer direitos de decisão sobre um ‘bem’ de que vai ter de se responsabilizar. Defendo, por isso, que todos os pais, depois de 2007, podem recusar assumir responsabilidades sobre os filhos? Obviamente que não. Obviamente! A conclusão tem de ser outra. Não pode ser direito de alguém a decisão solitária sobre o fim de um filho que, afinal, foi gerado por dois. O carácter óbvio desta constatação deveria levar todos os legisladores a concluir a injusta (os clássicos chamavam-lhe a ‘iniquidade’…) da lei.
Por fim, um último argumento que desenvolvo…
Tendo o Estado abandonado, por determinação sua, à arbitrariedade de um só, a decisão sobre vivermos ou não, será legítimo todos os nascidos depois de 2007 concluírem que são ‘sobreviventes’ da lei 16/2007 e, eventualmente, exigirem do Estado ressarcimento pela desproteção.
Contrariamente ao que pretendem defender os que sustentam que o aborto pudesse ter enquadramento no âmbito dos ‘direitos humanos’, os tribunais dos direitos humanos deveriam, sim, concluir que em causa estão direitos humanos quando se desprotege a vida de alguém, entregando-a à arbitrariedade de um só que, afinal, deveria protegê-lo, ficando, pelo contrário, com o poder absoluto de o abandonar à morte.
Não só deverá, por isso, concluir-se que não pode, nunca, existir o reconhecimento do direito ao aborto quando, pelo contrário, o que deveria estar a fazer-se era reconhecer o direito a nascer, pois, se, como sustenta a declaração universal dos direitos humanos, estes são ‘inalienáveis’, então, ninguém pode aliená-los, nem sequer o próprio, pelo que, quando eles estão em causa, temos o dever de os proteger, a começar em nós mesmos. A vida que vivemos não é um bem de que temos posse, mas um bem que devemos cuidar, pois não nos damos a humanidade: somos dela participantes e cabe-nos, por isso, cuidar dela. A humanidade de um só que é ofendida está a ofender a humanidade de todos.
Como leitor, parti do livro e desenrolei novas linhas argumentativas. Caberá a cada leitor pegar no novelo que é este livro e puxar por novos fios. Por discretos que sejam, como os fios de uma teia, quem sabe que olhos poderão abrir-se porque nunca se tinha pensado nisto?! É que, afinal, se tudo são opiniões, como tanto se diz, há umas de que resulta vida e tanta história por contar, enquanto outras acabam em morte. Serão, por isso, todas as opiniões igualmente válidas?
Na mesma página que o autor (citações)
‘De acordo com os dados constantes do “Relatório de Análise dos Registos da Interrupção da Gravidez de 2023”, último relatório publicado pela Direcção-Geral da Saúde, foram registadas, em 2023, em Portugal, 17.124 interrupções da gravidez por todos os motivos, verificando-se um aumento de cerca de 3% relativamente a 2022 e representando o aborto por opção da mulher nas primeiras 10 semanas da gravide 96,7% dos abortos registados.’
(Nota introdutória dos coordenadores, p. 7)
‘[…] fraqueza é ter medo de confrontar as ideias ou pretender calar ou diminuir aqueles de quem discordamos e esconder-se atrás de qualquer relativismo moral para não tomar posição’.
(Pedro Passos Coelho, prefácio, p. 19)
‘Temos de dar um passo atrás. Se continuamos a tomar decisões sobre a vida e a morte sem recorrer a critérios materiais que respeitem a dignidade de cada ser humano, temos de estar prontos para as consequências que daí advêm.
Hoje és meu filho, mas ontem não eras. E amanhã? – pergunta o filho.’
(Ana Brito Goes, p. 22)
‘O resultado de considerarmos o assunto arrumado e da falta de reflexão pessoal e comunitária sobre o aborto foi a quebra do vínculo que considerávamos indestrutível entre a gravidez e a vida humana em gestação.
[…]
Ser filho passa a ser uma condição que se adquire se a mulher desejar ser mãe. Se a mulher quer ser mãe, aquele embrião passa a ser considerado filho. Se uma mulher não quer ser mãe, o que existi já não é um filho, é uma gravidez que deve ser interrompida.
[…]
Os outros, nessas ocasiões, são todos chamados: cabe a cada um decidir se estende a mão ou se vira as costas, porque o assunto está arrumado.’
(Ana Brito Goes, p. 24)
‘Vejamos: o aborto é, e sempre será, a morte de um ser humano inocente e indefeso por vontade de outro ser humano. Qualquer legislação que valide a sua realização condena uma parte da comunidade humana à eliminação.
[…]
Para terminar, o aborto não é nem nunca será uma questão pacífica nem pacificada, a não ser que nenhuma mulher aborte. Porque, por muito que nos queiram enganar dizendo que é um bem, mesmo um direito, isso não transforma uma mentira numa verdade. Como disse Albert Camus, “Designar mal as coisas é acrescentar infelicidade ao mundo.” Não há nenhum mérito e muito menos algum futuro na promoção da infelicidade.’
(Isabel Carmo Pedro, pp. 26.27)
‘Violência contra as mulheres e Interrupção Voluntária da Gravidez.
Arrisco uma nova correlação.
Será que não estamos perante uma nova forma de violência contra as mulheres, uma violência camuflada de empoderamento, que revela o que, já não os homens, mas uma ideologia, pensa verdadeiramente sobre as mulheres?’
(Ana Brito Goes, pp. 30.31)
‘Para o mundo contemporâneo é mais fácil ignorar a questão da vida por nascer. É mais fácil dizer que a mulher tem na barriga uma coisa, que depois, num passo de magia, se transforma num bebé. Porque reconhecer que ali está um bebé significa enfrentar o horror dos milhões de vidas ceifadas anualmente pelo aborto. Reconhecer a dignidade infinita da vida por nascer significa dar-se conta da monstruosidade que a cultura do aborto introduziu no nosso tempo. E por isso é mais fácil esquecer o bebé, e reduzir o aborto a uma mera questão da intimidade da mulher.
Respeito o drama das mulheres que não desejam ter os seus filhos, das mulheres que procuram o aborto ilegal, das mulheres que estão em situações de dificuldade e estão grávidas. E defendo uma sociedade que apoia e acolha essas mulheres, assim como todas as mulheres grávidas. Mas a solução para um drama, a solução para uma injustiça não passa por ignorar que o aborto elimina uma vida. O drama do aborto é, antes de mais, o drama de uma vida que existe e que merece ser defendida.’
(José Maria Duque, pp. 34.35)
‘Na sua decisão [que considerou não haver inconstitucionalidade no referendo ao aborto], a maioria do Tribunal Constitucional cometeu dois erros graves. O primeiro erro foi o de dar por descontado que o alegado conflito de direitos fundamentais entre a mãe e o filho é um conflito entre duas ofensas de direitos. Ora, tal não é verdade. A liberdade da mulher-mãe de organizar a sua vida não é ofendida com o seu sacrifício total e definitivo pela vida do filho; ela continua a poder organizar a sua vida ainda que em circunstâncias diferentes. Mas, na posição inversa, pretende-se que a liberdade da mulher a organizar a sua vida possa exigir o sacrifício total e definitivo da vida (inviolável) do filho. Por outras palavras: a garantia da vida do filho não impede completamente o exercício do direito da mãe, que pode sempre continuar a organizar a sua vida, embora em termos diferentes. Mas a garantia da liberdade da mãe é entendida como impedindo total e definitivamente que o filho possa continuar a viver, ainda que em termos diferentes.
[…]
O segundo erro cometido pelo Tribunal Constitucional foi o de afirmar que o método que inventou para o ajustamento no gozo dos dois direitos, o direito da mãe e o direito do filho, é método equilibrado. Trata-se do chamado método dos prazos, que praticamente (e isto é o que importa) se traduz em dar à mulher um prazo para decidir, em seu completo e incontrolado arbítrio, se quer ou não sacrificar completa e definitivamente o direito à vida do filho, em favor do seu direito a organizar a sua vida sem qualquer ajustamento ao direito da vida do filho. Como é evidente, este «método dos prazos» é um falso equilíbrio, porque a liberdade da mãe é sempre vencedora e a vida do filho resulta sempre dependente do exercício da liberdade da mãe. A vida do filho nunca sacrifica a liberdade da mãe, porque essa liberdade só é sacrificada se a mãe quiser. De facto, o alegado equilíbrio que se obtém para o gozo destes dois direitos fundamentais de liberdade pelo «método dos prazos é um perfeito sofisma.’
(Mário Pinto, pp. 39.40)
’[…] como admitir um Direito Fundamental ao Aborto quando o Aborto é em todos os Países e na Europa um crime (vide art.º 142.º do C. Penal onde apenas é descriminalizado em certas circunstâncias)? Sendo Direito Fundamental, será possível até aos 9 meses?’
(Isilda Pegado, p. 44)
‘Também se invoca, para justificar o direito ao aborto como direito fundamental, a autodeterminação reprodutiva da mulher. O argumento será válido quando se trate de evitar a conceção, antes da reprodução se dar, não quando já se deu a conceção e a reprodução, quando (como sucede com o aborto) se trata de suprimir a vida de um ser já concebido e em gestação.’
(Pedro Vaz Patto, p. 49)
‘Este poder de eliminar Vidas Humanas dado a uns, no tempo, há de gerar novas formas de alguns poderem decidir da vida de outros. Vertigem a que só o Estado se pode e deve opor. É necessário sentido de Estado.’
(Isilda Pegado, p. 56)
(Descrição sensível e perturbadora)
‘A notícia da NPR, que eu já enviara ao Polígrafo, aborda esta questão: “Também conhecida como «dilatação e extração», ou D&X, e «D&E intacta» [dilatação e extração intacta], envolve a remoção do feto intacto através da dilatação do colo do útero da mulher grávida, puxando depois todo o corpo para fora através do canal de parto.”
Dilatação e extração é o que se faz num parto, com a diferença de que, aqui, a dilatação é inteiramente provocada e o filho tem de ser morto antes de sair totalmente. Daí, a técnica ter sido designada socialmente de “aborto por nascimento parcial” (PBA), como o documento dos bispos (que o Polígrafo também recebeu, mas escondes) descreve: “O médico pare parte substancial da criança viva para fora do corpo da mãe – toda a cabeça num parto com a cabeça para baixo ou o tronco para além do umbigo num parto com os pés para cima – e depois mata a criança esmagando-lhe o crânio ou retirando-lhe o cérebro por sucção.”’
(José Ribeiro e Castro, pp. 60-61)
‘Uma coisa não pode ser um direito fundamental e um crime ao mesmo tempo.’
(José Maria Duque, p. 68)
‘Limitar o exercício do direito à objeção de consciência por parte dos médicos (e outros profissionais de saúde), para além de ser inconstitucional, é ética e deontologicamente inadmissível.’
(Teresa de Melo Ribeiro, p. 82)
‘Recordo-me do tempo em que os partidários da legalização do aborto argumentavam que esta era uma exigência da tolerância porque «ninguém é obrigado a abortar» e, por isso, também ninguém deve ser proibido de o fazer. É certo que essa argumentação esquecia que o nascituro é «obrigado a ser abortado», obviamente sem dar para tal o seu consentimento. Mas com a limitação do direito à objeção de consciência nos termos do referido projeto de lei, deixa de ser verdade que «ninguém é obrigado a abortar»: um profissional de saúde pode ser obrigado a agir contra a sua consciência e a praticar um aborto ou colaborar nessa prática quando não haja alternativas.
A liberdade de consciência está, pois, em perigo. Importa salvá-la.’
(Pedro Vaz Patto, p. 89)
‘Se os seres humanos têm valor fundamental só por causa de alguma característica que adquirem em diferentes estágios da sua vida, então, aqueles que possuem um grau maior dessa característica têm mais valor do que aqueles que têm um grau menor e a famigerada igualdade entre todos os seres humanos não passa de um mito.’
(Maria Helena Costa, p. 92)
‘Recusar a eleição de uma juíza para o Tribunal Constitucional por esta ter declarado, na linha da jurisprudência desse Tribunal, que a vida humana intrauterina goza de proteção constitucional, é uma forma inaceitável de desprezo pela Constituição e pela independência desse Tribunal. Acima do respeito pela Constituição e pela independência do Tribunal Constitucional, está uma agenda ideológica extremista a prosseguir a qualquer preço.’
(Pedro Vaz Patto, p. 97)
‘As ordens profissionais dão pareceres contra a eutanásia? Tenta-se acabar com a sua autonomia. Os médicos evocam a objecção de consciência para não praticar abortos? Acaba-se com a objecção de consciência. Os pais não educam os filhos na ideologia de género? Obriga-se as crianças a aprender na escola. Mais, os pais não aderem à ideologia de género? Então, cria-se na escola mecanismos para que estes sejam denunciados à CPCJ, como acontecia com o projecto de lei que aplicava a Lei da Autodeterminação de Género às escolas. As pessoas dizem coisas nas redes sociais que a esquerda não gosta? Regule-se as redes sociais. As pessoas afirmam coisas que a esquerda não gosta? Criminalize-se o discurso afirmando que tudo o que discordamos é discurso de ódio.’
(José Maria Duque, p. 100)
‘[…] a vida humana é sagrada, a violação da vida humana por meio do assassinato é imoral, o embrião é um ser humano, a lei pretende tutelar os bens, entre eles e como magno a vida humana, e o aborto é a prática que leva à morte do feto. Logo, a lei deve proteger o bem vida humana do feto (pequeno humano) face à ameaça do aborto.’
(Francisco Ascensão, p. 107)
‘[…] o que há a fazer com urgência e determinação não é impedir que nasçam crianças (a maior das riquezas, como disse o Papa Francisco em Timor-Leste) promovendo o aborto, é remover os obstáculos que hoje tanto dificultam a maternidade e a paternidade.’
(Pedro Vaz Patto, p. 113)
‘Quais foram os movimentos filosóficos, sociais e políticos que nos conduziram até aqui? Que processos ideológicos criaram condições para que, a pouco e pouco, se fosse perdendo o conceito de Bem objetivo? Que correntes de pensamento foram dissolvendo o conceito de Consciência, e foram cultivando a ideia de que a razão subjetiva da pessoa que decide se deve sobrepor ao valor da vida?
[…] só uma concepção materialista da vida, hiper legalista (se está na lei então pode-se fazer), só uma visão meramente funcional e utilitária da existência poderia decretar que é a vontade popular que determina se o aborto é um direito ou um crime, e que confia à maioria a determinação do bem e do mal.’
(Pedro Saraiva Ferreira, pp. 122.123)
‘Veja-se a legislação que, em vários países, pretende proibir qualquer manifestação de oposição ao aborto (mesmo que de forma pacífica e não ofensiva, mesmo que de uma oração em silêncio se trate) em zonas próximas dos locais onde ele se pratica. Onde está agora a tolerância?’
(Pedro Vaz Patto, p. 127)
‘Sendo o aborto um erro, como podemos continuar a achar que ele seja sinal de compaixão?
Compadecer-se é, sim, ajudar o outro a encontrar uma saída construtiva para um problema que se lhe afigura insuperável… E para isso aí estão as associações de defesa da vida que têm, desde 1998, criado respostas para que não fique sem ajuda mulher alguma cujo filho decidiu ouvir: em sussurro, ele pedia-lhe que o acolhesse…’
(Luís Manuel Pereira da Silva, pp. 131-132)
‘Não há temas indiscutíveis em democracia. No debate político não deve haver tabus. E, por isso, não devemos ter medo de discutir a IVG, mas quem quiser alterar a lei deve fazê-lo em absoluta lealdade ao povo português, sempre e apenas através de um novo referendo.’
(João Pedro Luís, p. 135)
‘[…] esta ofensiva política, a pretexto do aborto (outra vez), é uma arremetida de fome pelo poder e um cortejo de desonestidade intelectual, de indecência de processos, de falta de respeito pelo Direito, cavalgando mentiras habituais e querendo romper limites de exercício do poder em democracia. Merece ser vencida. Necessita de ser vencida.’
(José Ribeiro e Castro, p. 142)
‘[…] sabemos que o aborto em Portugal raramente é livre, mas é, em grande parte dos casos, fruto da pressão de patrões, companheiros, famílias ou simplesmente provocado pela pobreza. Por isso sabemos que o aborto não destrói apenas a vida por nascer, mas tantas vezes destrói também a mulher. Por isso sabemos que o alargamento dos prazos do aborto não irá ajudar nenhuma mulher, mas apenas aumentar a desresponsabilização do Estado e da sociedade diante das mulheres em dificuldade.
Impressiona-me que num país com tão poucos nascimentos, onde as grávidas encontram tantas dificuldades para ter os seus filhos, onde não existe qualquer política de apoio às grávidas em dificuldade, existam deputados que brinquem aos prazos legais do aborto sem qualquer critério que não seja a conveniência política. Pelo caminho ficam todas as mulheres que procuram ajuda para ter os seus filhos e que só encontram da parte do Estado uma resposta: o aborto.’
(José Maria Duque, p. 145)
‘Não existe matéria de maior importância, gravidade e sensibilidade do que aquela que respeita à vida ou morte de seres humanos, ainda que apenas vivam dentro de suas mães.’
(Teresa de Melo Ribeiro, p. 151)
‘Defendo a vida desde o momento da conceção até à morte natural e, concretamente nesta matéria, já tive ocasião de o dizer publicamente que não me identifico com uma sociedade que opta por viver entre uma pílula do dia seguinte e uma pílula do último dia.’
(D. Américo Aguiar, p. 153)
‘Não sei quantos portugueses estão conscientes deste silencioso genocídio, que a esmagadora maioria dos nossos políticos finge ignorar, mas é crescente a mobilização de cidadãos – cristãos, crentes de outras religiões, agnósticos e ateus – em defesa da vida humana intrauterina e da cultura humanista. Espera-se que o silêncio cúmplice da comunicação social em relação a iniciativas que promovem a dignidade humana dê lugar a uma atitude comprometida com a verdade e a justiça, assegurando a devida cobertura às manifestações em defesa da vida. Com efeito, no próximo dia 29 de março [de 2025], ocorre mais uma Caminhada pela Vida, em simultâneo em 13 cidades portuguesas: Aveiro, Beja, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Funchal, Guarda, Lamego, Lisboa, Porto, Santarém e Viseu. Pela vida dos seres humanos mais desprotegidos e necessitados e pelo respeito pela dignidade das mulheres, vale a pena, agora e sempre.’
(Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada, pp. 158-159)
**(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)
*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de 'Ensaios de liberdade', 'Bem-nascido... Mal-nascido... Do 'filho perfeito" ao filho humano' e de 'Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg'