domingo, maio 08, 2011

O que tem a dizer-nos a crise sobre o respeito pelos embriões humanos?

Crises económicas como aquela em que vivemos demonstram-nos que fomos demasiado longe e que deveríamos ter ouvido quem nos alertava, no tempo devido. Bem certo que Portugal viveu sempre a sombra de que alertar para caminhos a evitar soava a velho do Restelo, personagem camoniana tão pródiga de sentidos que pode ter sido responsável por nos termos tornado aventureiros sem norte, hoje desorientados e perdidos.
Mas é um facto que os tempos nos obrigam a um olhar crítico perante a ousadia de enveredar por caminhos ínvios que jamais deveríamos percorrer.
Vem esta introdução a propósito de uma intenção governativa, entretanto sumida nos desencantos da crise - mas que será, provavelmente, logo que haja oportunidade - de vir a acabar com qualquer impedimento à investigação em células estaminais embrionárias. Uma tal proposta, agora sossegada temporariamente, mas estranhamente abafada e pouco discutida, obriga a reflexão atenta e crítica.
Em primeiro lugar, importa desmontar o mito de que não haja outra solução para doenças de foro neurológico senão prosseguir por esta via. De facto, as investigações em células estaminais adultas têm obtido sucesso sem as implicações éticas que a investigação em embriões suscita.
Em segundo lugar, é necessário clarificar que a ética não é a arte de dizer «não» a todo o progresso, mas, pelo contrário, a arte de desafiar a encontrar outros caminhos menos perigosos e de consequências mais seguras. Apetece mesmo dizer que a ética é um progresso que rivaliza com o conservadorismo dos que pretendem ir pelo caminho mais imediato.
Na verdade, em terceiro lugar, discutir se deve haver limites e protocolos a seguir na investigação em embriões, da qual possa redundar a sua não viabilidade e destruição, é partir da pergunta sobre se pode ou não instrumentalizar-se um ser da espécie humana, identificado com um código genético único, distinto do dos seus progenitores, ou se ele é um mero material biológico de que pode fazer-se uso sem limites, nem qualquer dever de respeito. É o dilema que o grande filósofo do século XVIII, Immanuel Kant, resolvia com a distinção de que às coisas se atribui um preço, por serem da ordem dos meios, mas aos humanos, que são fim em si mesmos, reconhece-se uma dignidade, que é inviolável.
A interrogação a que tentamos atender não nos atira para uma resposta de foro religioso, como muitos pretenderam afirmar, na discussão que preparou os referendos de 1998 e 2007. Pelo contrário. Estamos diante de uma matéria de foro humanitário em que todos os contributos são bem-vindos, mas em que a substância em causa mais não é do que assunto lógico, como reconhecia o socialista italiano, Norberto Bobbio. Para este parlamentar italiano, a defesa da dignidade da vida não nascida não era matéria que ele quisesse entregar à exclusividade dos crentes, por nela reconhecer estar em causa o que há de mais genuinamente humano. Um embrião humano é, simplesmente, um humano na sua primeira fase, momento sem o qual não haverá etapas seguintes, contrariamente à ideia que «interrupção da gravidez» quer difundir. Por isso, não será mais do que discriminação deixar de lhe reconhecer direitos, só por motivo da sua idade.
O desafio está, assim, em descobrir outros modos de conseguir o mesmo fim que é o de poder encontrar soluções para doenças e enfermidades que desafiam a inteligência humana. Mas a história e esta crise demonstram que pode haver soluções que se tornam problemas. A ética é o despertar e o alerta antecipado perante soluções que nos conduzirão ao abismo. Enveredar pela investigação em embriões humanos sem qualquer limitação ou respeito pela sua dignidade de membro da espécie humana é fortalecer a força do poder sobre o sentido do respeito pelo que deve ser feito. Um conflito que muitos querem resolver dando sempre a precedência ao poder. Estaremos, porém, a consolidar os traços de uma sociedade insolidária, em que vence quem tem poder, enquanto quem é frágil e sem voz é preterido e esquecido.
Quantas lições podem encerrar-se numa crise que pareceria uma fatalidade!

Luís Silva
(Artigo publicado no Diário de Aveiro, na coluna «uma ideia de vida»)

Caminhada pela vida | Contra rótulos e preconceitos, os factos. Simplesmente, os factos

  Artigo originalmente publicado em https://diocese-aveiro.pt/cultura/ No dia 6 de abril, sábado, o país mobilizou-se para afirmar que a...