sexta-feira, fevereiro 19, 2021

Dignidade humana é… ser-se um fim em si mesmo, nunca meio!

 

O parlamento português está tomado por uma vertigem. E, como em todas as vertigens, parece adormecido, atónito, sem capacidade para refletir, com racionalidade e presença de espírito. O Parlamento está embevecido pela sedução do poder sem limites que lhe gera a vertigem de que falamos…

As decisões de fratura sucedem-se em catadupa, unindo-as um ponto comum: o ceticismo em relação ao que seja a dignidade humana.

Mas não duvidemos… A dignidade da pessoa humana constitui cada um de nós como um fim em si mesmo, insuscetível de ser reduzido à condição de meio. Tomar alguém como meio para um fim posterior é atentar contra a dignidade inerente a todos nós, dignidade que nos faz participantes de um ‘algo’ anterior, concomitante e posterior a nós mesmos. Ser-se humano faz-nos pertencentes a um ‘sólido’ (de que deriva a ideia de ‘solidariedade’) em que o que fazemos a um afeta todos, na medida em que afeta a natureza humana presente nesse um.

Vem isto a propósito das mais recentes decisões do Parlamento em relação a matérias que concernem ao início da vida: ‘inseminação post mortem’ e ‘maternidade de substituição’ (vulgarmente designada como ‘barrigas de aluguer’).

Ambas as decisões foram alvo de pareceres éticos negativos, mas, ainda assim, o Parlamento, [que é quem detém o poder e, por isso, se considera autorizado para decidir o que entender (!)], decidiu avançar para a sua legalização, invocando tratar-se de um avanço imparável.

Tenho-o dito muitas vezes: nada há de mais progressista do que a ética. É à ética que cabe alertar para os riscos de uma atitude conservadora e simplista que nos faz ‘fazer’ tudo o que podemos fazer. A ética diz-nos que não será sensato não subjugarmos o ‘poder’ ao que ‘é lícito fazer’, ao que ‘devemos’ fazer. Quando o ‘poder’ e o ‘dever’ se pretendem coincidentes, emergem as condições para a arbitrariedade que é má conselheira.

E é disto que se trata, nas duas situações que acima invocávamos.

Em ambos os casos estamos perante um desejo de corresponder a um pedido (em si próprio, lícito e gerador de compaixão: o de possibilitar gerar vida nova, gerar filhos), mas em que a solução se revela atentatória da indisponibilidade da dignidade de cada um. Na verdade, um olhar atento e distanciado rapidamente concluirá que, em ambas as situações, o bom fim (beneficiar da paternidade e maternidade) se faz por um mau meio, um meio que se revela instrumentalizador. O centro está, não no filho, mas no desejo de se ter filhos. O filho não é um alguém que se acolhe, é um bem que se pretende.

Bento XVI alertava, na encíclica ‘Caritas in Veritate’ (CV 3), para os perigos do amor compassivo que não respeita a verdade da natureza humana. Assim acontece, neste caso.

O filho gerado por inseminação post mortem é um filho gerado na orfandade. É um órfão no próprio momento em que é concebido. E, se a orfandade nos compadece, porque haveremos de legitimar gerar filhos já órfãos no próprio momento da sua conceção? Há algo de contraditório nisto. Uma contradição que nasce de não se respeitar que o filho não é um direito. Um filho é anterior aos nossos próprios direitos: é alguém. É uma pessoa que nos cabe acolher, amar pelo que é e não por corresponder ao desejo.

Do mesmo modo, no caso da maternidade de substituição, o filho é gerado num contexto que artificializa a relação entre mãe e filho. Sabendo-se quão relevante é o tempo de gestação na criação de vínculos, privar alguém, à partida, desses vínculos, por um motivo que se prende com o desejo dos adultos a terem um filho, desvirtua a natureza das coisas e é uma violência a que não podemos fechar os olhos. O nosso silêncio seria o de uma cumplicidade indigna por abafar o motivo de indignação. Já evidenciava Aristóteles que a virtude se opõe ao vício. O que não é virtuoso é vicioso. Se esta é uma decisão que desvirtua a natureza das coisas, não poderá pretender reconhecimento de virtude… E disso deu conta, precisamente, o Tribunal Constitucional que já se pronunciou sobre esta matéria, considerando-a inconstitucional.

Mas o Parlamento não quer saber dos que se lhe opõem. É ele que tem o poder. E quanto pode contra isso a dignidade humana?

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