quarta-feira, julho 23, 2025

Alberto Ferreyra | Mystérios lusitanos [contos - texto e locução] | 14 | Mistério na fonte da Costa

 

Mystérios lusitanos | A vinte e três (23) de cada mês, habitamos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra...

(Nos ramos da escrita, repousam, vezes sem conta, as gralhas da distração, ocultas, sob múltiplos disfarces, até que alguém as enxote. Alberto Ferreyra contou com o fino olhar da sua amiga Teresa Correia, detentora do segredo da sua identidade, para afastar ou caçar o grasnar das gralhas. Está-lhe, por isso, muito grato...)

Alberto Ferreyra*




É verão.

As ramadas que cobrem o caminho da Costa criam densas sombras que aliviam, levemente, o peso do calor que torna trôpegos os passos. J. e M. descem, entre conversas, o caminho que os levará ao Souto e à fonte por que anseiam, extenuados, após uma caminhada pelos carreiros da aldeia dos avós.

É a aldeia dos sonhos a que voltam, em cada verão, desejosos dos mistérios que aquelas vielas desvendam.

Param junto a um tanque onde uns girinos sobem e descem em danças irregulares. Distraídos, conversam sobre os nadas da vida…

M. dá uma cotovelada em J.

Avistara um vulto, um pouco adiante, na curva que antecede a ligeira descida para a fonte de cujas águas são proverbiais a frescura e leveza.

Sentado, debruçado sobre o cajado de sempre, com um cântaro de barro a seu lado, um homem, de rosto enrugado, parece de olhar perdido no infinito.

Não os viu. Repousando sobre um pequeno muro que limita a terra do Souto, mastiga, compassadamente, uma erva já meio seca.

Olha para a fonte.

Meneia, a espaços, a cabeça, fechando os olhos.

Volta a abri-los, como que desperto por uma ideia que o atordoa.

Está nisto longos minutos.

M. e J. apreciam, à distância.

O cântaro está vazio, mas não seco. Tivera água, entretanto despejada.

Após longos e demorados minutos, ergueu-se e afastou-se do lugar onde o viam M. e J.

J. ainda fez um gesto de quem pretendia chamar por ele, mas M. conteve-o.

Viram aquele desconhecido desaparecer, entre as sombras lançadas pelas ramadas, em direção à estrada que ladeia o largo vale.

Acordados daquele momento de torpor, M. e J. correram em direção ao assento onde descansara.

Esquecera-se do cântaro.

Ao pegar nele, M. viu que um resto de água se conservara no fundo.

Todo o exterior do cântaro estava humedecido, ao contrário do seu interior que parecia ressequido, mantendo humidade apenas onde se conservava aquele restinho de água.

M. estranhou aquele efeito.

- Já reparaste, J.? O cântaro está todo ele molhado, por fora, mas seco, no interior.

A curiosidade de M. não mais a deixou abandonar aquela observação. Fixou o olhar no fundo do recipiente. As águas, escassas, mas suficientes para criarem um efeito especular, num primeiro momento, refletiam o rosto que as via. Mas, ao manter o olhar atento, outras imagens ali se sucediam.

M. ficou intrigada.

Chamou J. que continuava a procurar ver por onde aquele homem incógnito se encaminhara. Também ele estava atónito. Parecia ter-se perdido entre os campos. Não conseguia vislumbrá-lo entre as ramagens e os verdes. Mas, também, aquele calor não convidava a grandes pensamentos! Talvez apenas a lentidão dos seus passos não acompanhasse a rapidez do olhar…

Encolheu os ombros, como que convencido com a sua conclusão.

M. acordou, entretanto, destes devaneios.

- Vê! Vê! Consegues encontrar o teu reflexo?

J. descortinara, num primeiro momento, os seus traços, que foram sendo substituídos, lentamente, por outras imagens.

- Vejo… Vejo-me. Sim, vejo-me. Mas, estranhamente, nem sempre com a mesma idade.

- Também me dei conta disso, J.. Vemo-nos, num primeiro momento, com o rosto que agora temos, mas, ao fim de uns segundos, as águas começam a refletir-nos com outra idade.

- Mas nem sempre reconheço as cenas que aqui aparecem…

- Intrigante. Muito intrigante, mesmo.

Sem perceber o que estavam a ver, desceram o que os separava da fonte da Costa e refrescaram-se.

O silêncio tomara conta das suas vozes.

Adivinhavam o reboliço que assaltara a mente do outro.

O jantar fizera-se num silêncio que deixara atónitos os pais. Não o percebiam, mas suspeitavam de noite de sobressalto.

A noite confirmou as dúvidas do jantar.

M. e J. não puseram olho. Mal a aurora se anunciou, levantaram-se e regressaram à fonte, pela fresquinha.

Levaram, consigo, o cântaro. A água, entretanto, secara e, com ela, as bordas de todo o cântaro.

Mas a inquietação que assomara aos seus espíritos não os deixava sossegados.

Pousaram o cântaro na direção do fio de água, distraindo o seu olhar com o cenário que os envolvia. Quando lhes parecera que a quantidade seria suficiente, pegaram no cântaro que, para sua surpresa, mantinha uma pequena reserva de água, no fundo, com as características que tinham visto, na véspera: o exterior, humedecido, e o interior, seco.

Voltaram a olhar.

As imagens que refletia repetiram o que já tinham visto. Num primeiro momento, os reflexos atuais; num segundo momento, os seus rostos, mas já sem a idade que agora tinham.

M. pensava…

Subitamente, abriu os olhos com um vigor que J. logo reconheceu.

- J., J., vê bem o que está a acontecer aqui.

- Estamos os dois, no dia em que a mãe nos perguntou se queríamos acompanhá-la a casa do Tio Pedro.

- E lembras-te do que aconteceu?

- Não fomos e, nesse dia, quando estávamos em casa, tentaram a arrombá-la. Como nos apercebemos, ligámos à polícia que prendeu os assaltantes.

- Isso mesmo. Agora, olha com atenção o que mostram as águas deste cântaro.

- Vejo-te a entrar no carro.

- Sim. E que mais?

- Eu também…

- Pois… E depois?

- A casa é assaltada sem que ali estejamos…

- Percebeste?

- Ainda não!

- Este cântaro, com a água desta fonte, permite-nos ver o que aconteceria se outra tivesse sido a nossa opção.

- Isso deixa-me perturbado. – Reconheceu J. – Não somos feitos de ‘ses’. Somos feitos de decisões e são elas que constroem a nossa vida e história.

- J., concordo contigo. Não podemos deixar que este cântaro abra uma fenda na história e nos leve ao território da incondição.

- ‘Incondição’! Tens cada uma, M.. Essa é digna de uma filósofa.

A admiração de J. foi interrompida pelo súbito e penetrante som do cântaro a desfazer-se em cacos contra as pedras salpicadas pela água da fonte. J. olhou, fixamente, M., que mantinha, na mão, o que restava de uma asa de barro, humedecida de água.

- Hoje, temos convite. Vamos jantar a casa do tio Pedro? – Perguntou a mãe a J. e M.*Alberto Ferreyra diz que as suas letras habitam a mente e saem da mão de alguém nascido em terras gaulesas, ainda que afirme, em sussurro, que o seu real nascimento ocorreu nas margens do Antuã, em abril de 2024. É, por isso, um prematuro autor literário, germinado da inspiração que a realidade proporciona quando se tem a companhia, nos livros, de génios como Jorge Luis Borges, Miguel Torga, Gabriel García Marquez ou personagens como Poirot ou Padre Brown.
 
Na sua escrita, cruzam-se o real e o imaginado, o fictício e o histórico, numa embrenhada teia em que o leitor continua a ler, mesmo já depois de fechado o conto. O real continua a fecundar histórias na mente de quem lê Ferreyra. Cada conto, feito dos mistérios desvelados, aproxima o tempo e distancia o espaço, esticando-o até ao eterno e ao infinito. Ao ler Ferreyra, faz-se 'silêncio' ('mystério' alude à etimologia grega da palavra, que remete para o 'fazer silêncio', 'emudecer-se'...) para que possam ecoar as palavras, para que possa desenovelar-se o enredo sucintamente desvelado.
 
J. e M., protagonistas de cada um dos contos, acompanhados, em alguns deles, pelo seu periquito 'branquinho', fazem emergir, do real em que se enredam, histórias que, nascendo da imaginação de Ferreyra, permanecem como realidades possíveis, deixando a suspeita de terem mesmo ocorrido.
Se não foi real, Ferreyra o criará, inspirado numa cosmovisão que tanto deve àquela religião que fez do encarnado a condição fundamental do existir.
 
A vinte e três (23) de cada mês, habitaremos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra...

quarta-feira, julho 09, 2025

Temos um problema com a liberdade

 Artigo publicado em https://diocese-aveiro.pt/cultura/luis-manuel-p-silva-temos-um-problema-com-a-liberdade/

 

Na discussão sobre a liberdade cruzam-se os maiores problemas da condição humana. Ela é, de facto, um elemento de charneira, um gonzo definidor da condição antropológica, o eixo em torno do qual giram os demais assuntos humanos.

É, por isso, importante que a definamos com precisão para que, pela sua condição fontal, dela não derivem ‘nados-mortos’ ou degenerescências que não pretendíamos.

Eis uma primeira constatação…

Mas somemos, a esta primeira constatação, uma segunda: não parecem restar dúvidas de que o modo como geramos os conceitos se repercute no modo como vivemos. É uma ideia que venho vincando, repetidamente e que aqui retomo, agora.

O modo como viveremos a liberdade será deveras condicionado pelo modo como a concebermos.

Mas poderá continuar a não ser claro o alcance deste axioma.

‘Não pensamos todos o mesmo sobre o que é liberdade? Não é a liberdade a condição de quem é livre?’

Parece óbvio, mas é-o tanto como uma petição de princípio. ‘Ser livre é a condição de quem participa da liberdade como a liberdade é a condição de quem é livre.’

E não saímos daqui.

A análise tem de ser mais fina.

A conceção de liberdade parece fazê-la derivar da ideia de aleatoriedade.

Nesta abordagem, a liberdade é a condição de um ser imprevisível.

Parece ser suficiente.

Rapidamente, porém, esbarrará com uma insuficiência: uma pedra que rola pela montanha é de rumo imprevisível mas não se ousaria designá-la como livre.

A aleatoriedade continua, por isso, a não ser suficiente.

Um olhar ainda mais fino constatará que a sua (da liberdade) atribuição deverá sê-lo, apenas, do ser humano e, apenas por analogia, aplicada a outros seres, mas com a consciência dos limites da opção.

Esta observação mais fina já nos auxilia na busca do que deveremos considerar como sendo ‘liberdade’. Será uma condição de que, em rigor, na história, só os humanos participam.

Aos animais e demais seres animados ou, ainda menos, aos seres não vivos, só por comparação poderá dizer-se ‘serem livres’.

Mas sabemos algo faltar para que a atribuição seja precisa.

Concentrados nos humanos, caberá, então, perceber de que falamos ao referir-nos à liberdade.

A etimologia poderá ajudar-nos.

É curioso que a palavra latina ‘liber’, com que se refere ‘homem livre’, sirva, simultaneamente, para ‘livro’, mas também para ideia de ‘homem honrado’, ‘homem nobre’. E, não menos interessante, a palavra ‘liberi’ refere-se a ‘filhos’. De qualquer modo, a palavra remete para ‘libra’, uma balança de dois braços.

O cruzamento destes dados etimológicos permite-nos constatar que a aleatoriedade não era, de modo algum, o elemento definidor da ideia de liberdade, para os latinos.

Também para os gregos, a ‘liberdade’, dita com a palavra ‘eleuthería’ remetia para a ideia de nobreza, generosidade.

O termo, numa e noutra culturas, remetia para a ideia de uma capacidade de se elevar, de se projetar para além de si mesmo (ideia que faço decorrer de ‘liberi’, ‘filhos’ – aqueles que nos repercutem no futuro…). A liberdade remetia, bem certo, para a ideia de independência, mas uma independência por se ser capaz de ‘equilibrar’ a ‘libra’, a balança. O homem nobre, o homem generoso é aquele que sabe, por si mesmo, equilibrar a balança, buscar determinar-se pela lei e não, simplesmente, ser o criador aleatório da mesma lei.

Aqui está o busílis da questão.

Uma certa modernidade (não toda a modernidade; defendo, aliás, que preservemos a modernidade evitando aquela que estou a denunciar e salvaguardando a autêntica modernidade…) confundiu ‘liberdade’ com ‘aleatoriedade’. E fez a pedra rolar, monte abaixo…

Essa confusão nasceu de uma deslocação do conceito de liberdade do âmbito em que ele sempre estivera – ser livre é deixar-se iluminar pela luz da verdade (vinda da razão e da fé; em grego, ‘verdade’ pode dizer-se com o termo ‘alêtheia’. Designo, por isso, esta conceção como ‘aletheísta’, sustentada na importância da iluminação da verdade.) – para um outro em que o que grassa é a aleatoriedade – a vontade. De facto, a vontade é indeterminada e indeterminável. A vontade tudo quer, tudo pensa poder e tudo pretende poder. Quem a deve iluminar e orientar é a luz da verdade.

Mas a tal linha moderna recusou essa ‘submissão’ da vontade.

E, ao recusá-lo, fê-lo com um outro custo. É que, enquanto a luz da verdade une os humanos que a buscam, comummente, criando um conceito de liberdade ‘comunitarista’ (somos livres enquanto seres intrinsecamente relacionais), a aleatoriedade da vontade é intrinsecamente individualista e solipsista – só o sujeito sabe, a cada momento, o que quer a sua vontade.

Esta última linha conceptual fechou os sujeitos, isolou-os. E, por consequência, fez dos outros ‘um inferno’, um estorvo que cabe limitar. Os sujeitos humanos, nesta conceção de liberdade, limitam-se uns aos outros, fazendo desta uma condição que acaba onde começa a condição livre do outro.

Por contraposição, a visão comunitarista presume que as liberdades não se anulam nem estorvam, mas, antes, projetam-se e realizam-se nos entrecruzar de umas com as outras.

Os sinais estão aí…

A eleuterologia de tipo voluntarista está a fechar-nos numa solidão em que apenas somos casualmente contemporâneos uns dos outros. Ninguém sabe quem é o outro e só o conhece se ele lhe permitir a entrada. Haveremos de chegar a não nos reconhecermos se tal não nos permitir cada ‘outro’.

A eleuterologia de tipo ‘aletheísta’ reconhece-nos intrinsecamente relacionais, geneticamente abertos aos outros e em condição inerentemente ‘indigente’ – nada somos sem o outro.

De que futuro falam as nossas escolhas de hoje?

Que humano resistirá à escolha que estamos a fazer de entre estas duas matrizes?

Levar-nos-á, monte abaixo, a pedra que fizeram rolar?

segunda-feira, julho 07, 2025

Sabes, leitor... | 19 | Marca de água do livro de Grégor Puppinck, 'Objeção de consciência e direitos humanos'

Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’** | Marca de água de livros que deixam marcas profundas
Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura

Luís Manuel Pereira da Silva*

O autor e a obra
Grégor Puppinck, Objeção de consciência e direitos humanos, Cascais, Princípia Editora, 2021.

Cheguei a Grégor Puppinck pela mão de Gabriele Kuby que o cita a partir de ‘Os direitos do homem desnaturado’, livro que será uma das minhas próximas leituras. ‘Desnaturado’ não tem, aqui, o sentido com que o utilizamos, coloquialmente, mas entendido como ‘desvinculado da sua natureza’, aludindo à ideia de um progressivo afastamento das leis em relação ao ‘direito natural’ e ao vínculo que as referências da natureza humana objetivamente nos apontam.

Gabriele Kuby refere-o no seu livro ‘a geração abandonada’, em que encontro uma mesma matriz que neste: são ambos livros corajosos e construídos com enorme coerência e lógica. Características que escasseiam, nestes tempos propensos a discursos de ‘enguia’, ambíguos e sem argumentação sólida e coerentemente sustentada. Não é assim nestes dois livros.

Com efeito, Grégor Puppinck, jurista e diretor do European Center fo Law and Justice (ECLJ), mostra-se um jurista corajoso, na senda do que vem sendo a sua atitude perante o rumo que o direito vem tomando, pela mão de legisladores que parecem ir fazendo declinar a sua função de manter a lei sob a tensão da busca do bem, deixando-o, antes, sucumbir à pressão de um individualismo que vai tornando a sociedade um espaço de convivência de mónadas. (Esta frase é minha, mas penso retratar, fielmente, a ideia de Puppinck).

Para isso vem alertando este eminente doutor em Direito, cujo reconhecimento tem superado fronteiras, sendo solicitado o seu contributo para a redação de pareceres a pedido de Estados ou organizações internacionais. A título de exemplo, recordo que este é o autor de parte da resolução assumida pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre a ‘Salvaguarda dos direitos humanos em relação com a religião e as convicções, e proteção das comunidades religiosas da violência’, aprovada em 24 de abril de 2013 (tal é referido na nota 111 da página 66). Aliás, em nota publicada no ECLJ [https://eclj.org/writers/gregor-puppinck], é recordado que, ‘em 2016, foi nomeado membro do Painel de Peritos sobre Liberdade de Religião ou Crença da OSCE/ODIHR, cuja função é dar suporte aos Estados participantes da OSCE na implementação de seus compromissos sobre o direito à liberdade de religião ou crença’, e que recebeu diversos prémios, merecendo destaque o prémio ‘Humanisme Chrétien’, em 2016, pelo livro "A família, os direitos do Homem e a vida eterna’, também publicado na Princípia Editora, e o prémio ‘Anton Neuwirth’, em 2014, prémio que homenageia um destacado médico eslovaco (que viveu entre 1921 e 2004), que se insurgiu contra o totalitarismo comunista, tendo estado envolvido na célebre ‘revolução de veludo’ que conduziu à democracia a ‘Checoslováquia’ que veio a dividir-se em dois Estados: República Checa e Eslováquia.

São públicas e reconhecidas as suas intervenções, nos mais diversos areópagos, alertando para os riscos, para a coesão social, do progressivo relativismo que vai entranhando as legislações nacionais, a pretexto de reivindicações que, sob a capa da liberdade de pensamento, de consciência e de religião, expressam, afinal, conveniências pessoais. Mas há genuínas reivindicações de objeção de consciência e de liberdade de pensamento e religião.

É por esses e pela exigência de clarificar os conceitos que se torna incontornável a leitura destas páginas que, sucintamente, apresentaremos, de seguida.

Marcas de água 

(o que fica depois de se deixar o livro)

A impressão que logo nos é deixada pela leitura das primeiras páginas do livro aqui em análise é a de que a questão é um verdadeiro nó górdio, nas sociedades contemporâneas. Dois grupos opostos tenderão a simplificar o assunto, arrumando-o, por um lado, sob a capa de que a lei positiva tudo determina (logo, ficando reduzido de sentido falar de objeção de consciência), ao mesmo tempo que os seus opositores radicais afirmarão que sempre e em qualquer circunstância, o sujeito individual deverá ver protegidos os seus interesses e opiniões.

É porque as tendências estão a ser ‘sugadas’ por estes dois remoinhos que a leitura deste livro se afigura como um quase ‘dever de consciência’.

Grégor Puppinck revela-nos, neste seu Objeção de consciência e direitos humanos, um pensamento muito bem articulado, claro, fino e profusamente ilustrado com casos e referências que fazem deste livro um ‘lugar’ a revisitar, vezes sem conta. Muitas são as citações de decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, da Comissão Europeias dos Direitos Humanos (extinta em 1999), do Comité Europeu dos Direitos Sociais e de outras jurisdições.

Perante as diversas decisões descritas, Puppinck evidencia uma tripla preocupação: a rigorosa precisão dos conceitos (como jurista de elevado quilate, define, com clareza, os diversos conceitos em jogo, com erudição que não é, contudo, resultante de intenção de evidenciar atitude de academismo hermético, mas reveladora de uma preocupação em efetivamente clarificar o assunto em análise, antecipando questões e buscando respostas que o leitor sente emergirem em profundo respeito para consigo, como se o autor estivesse em diálogo vivo com a sua leitura), a busca da coesão interna do discurso, denunciando, quando considera necessário, incoerências nas próprias decisões internacionais e, por fim, um registo proléptico, antecipador das consequências das opções tomadas pelas instâncias internacionais nas suas decisões.

À luz deste último vetor que acabamos de enunciar, registe-se que se constata uma crítica omnipresente, neste livro, à tendência relativista, subjetivista de influência liberalizante, seguida na argumentação adotada por muita da jurisprudência internacional. Com efeito, Puppinck, à medida que vai desenvolvendo o seu pensamento, deixa transparecer que a jurisprudência internacional foi deixando cair para segundo plano uma fundamentação assente no reconhecimento de um bem objetivo, que o sujeito valora e reconhece, respeitando a sua anterioridade (do bem objetivo em relação ao próprio sujeito), tendendo a fundamentar as suas decisões no dever de garantir a convivialidade e o pluralismo, favorecendo um progressivo relativismo que comporta o risco de incorrer na arbitrariedade.

É a esta luz que, à medida que progride na sua análise, Puppinck vai evidenciando os riscos de se ir optando por uma fundamentação que se desloca do âmbito da objetividade dos bens em proteção para a subjectivização dos fundamentos, levando-o a defender que ‘a transformação cultural ocorrida na sociedade ocidental alterou o fundamento da liberdade de consciência e de religião, fazendo emergir um novo fundamento (coletivo) que tende a substituir o fundamento (pessoal) da dignidade; trata-se do ideal de sociedade democrática, pluralista e liberal. Contudo, uma vez que a conceção que cada pessoa tem da sociedade orienta a sua atitude em relação à objeção de consciência, a fonte do direito à liberdade de religião e de consciência, que é absoluta quando se fundamenta na dignidade humana, torna-se relativa e contingente quando decorre do ideal de sociedade democrática, porque este ideal não assenta numa ontologia, mas na vontade de coexistência, que é essencialmente prática.’ (p. 134)

E adivinham-se as consequências: ‘o que esta reflexão pretende, ao colocar-se entre o positivismo e o subjetivismo, é procurar a objetividade da justiça, um esforço que poderá parecer inglório numa sociedade que renunciou, pelo menos parcialmente, à convicção pública de que existe um bem objetivo; mas recusar-se a fazê-lo seria renunciar à racionalidade da justiça e resignar-se à sua arbitrariedade.’ (p. 12)

A leitura desta obra, fácil e contagiante (li-a, entre os dias 15 e 18 de abril de 2025), lança reptos e interpela o leitor. A objeção de consciência deve ser interpretada, não como um ‘favor’ que nos faz o Estado, mas, quando exercida em resposta a um dever de consciência (pelo que se impõe distingui-la da ideia de conveniência pessoal) por significativa mole de cidadãos, como um sinal de que a legitimação coletiva possa estar a incidir sobre objetos que, na sua natureza, não devam ser reconhecidos como bens em si, mas, provavelmente, como ‘males tolerados’ que deveriam ser repensados.

Em tempos em que os desejos tendem a ser identificados com direitos, mas em que, por influência de sinal contrário, os tiques totalitários também se fazem sentir, uma leitura como a desta obra ajudará a precisar os atos merecedores de objeção e o alcance de proteger esse direito fundamental a não ser impedido de seguir a sua consciência, seja positivamente (permitindo realizar [ou não] os atos que, em consciência, se sente deve fazer), seja negativamente (não sendo obrigado a realizar o que, em consciência, se reconhece como mal).

Mas, caro leitor, siga a sua consciência e aja em coerência: até no que concerne à possibilidade de não ler este livro… Ao fazê-lo, já estará a justificar a legitimidade de ele ter sido escrito.

Na mesma página que o autor (citações)

‘«Se a consciência tem direitos é porque pressupõe deveres. Nos nossos dias, porém, no espírito da maioria das pessoas, os direitos e a liberdade de consciência só servem para dispensar a consciência.»’

John Henry Newman, ‘Carta ao duque de Norfolk» (Citação em epígrafe), p. 9

‘O direito à objeção de consciência apresenta-se como um monstro jurídico cada vez mais reivindicado, em consequência do crescente pluralismo da sociedade e da desconexão entre a lei e a moral. Testemunha da amplitude do fenómeno, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é regularmente interpelado por casos de pessoas que, em nome da sua consciência, se recusam a cumprir o serviço militar, a jurar sobre a Bíblia, a celebrar uniões entre pessoas do mesmo sexo, a autorizar a caça nas suas terras, a colaborar com a prática de abortos, a vacinar os filhos ou ainda a permitir que os filhos frequentem aulas de disciplinas obrigatórias como Ética, Religião e Educação Sexual; foram ainda apresentados ao seu pretório casos que dizem respeito a recusa de transfusões de sangue, de pagamento de impostos, de assistência a atividades religiosas e ainda de acatar a proibição do uso de vestes e símbolos religiosos.’ (pp. 11-12)

‘Impõe-se, pois um esclarecimento da noção de objeção de consciência, que não visa alargar o seu domínio de aplicação ao ponto de a tornar indefensável, mas pelo contrário, defini-la melhor a fim de poder ser garantida numa dimensão justa.’ (p. 12)

‘O que esta reflexão pretende, ao colocar-se entre o positivismo e o subjetivismo, é procurar a objetividade da justiça, um esforço que poderá parecer inglório numa sociedade que renunciou, pelo menos parcialmente, à convicção pública de que existe um bem objetivo; mas recusar-se a fazê-lo seria renunciar à racionalidade da justiça e resignar-se à sua arbitrariedade.’ (p. 12)

‘Depois de clarificar alguns conceitos relativos à noção de objeção de consciência – nomeadamente, os conceitos de consciência, convicções, objeção, e foro interno e externo -, este estudo identifica casos de objeção de consciência reconhecidos pelo direito positivo, quer do ponto de vista do dever de objeção, quer do ponto de vista do direito de objeção. A partir desses casos, passa ao esclarecimento das distinções que permitem caraterizar vários tipos de objeções, bem como identificar critérios de avaliação do respeito que cada um deles merece. Finalmente, com base nestes critérios, o estudo aponta os direitos e as obrigações do Estado face aos diferentes tipos de objeções.’ (p. 13)

‘A consciência não é o conjunto das convicções pessoais de um indivíduo, mas a origem prática delas, ou seja, a fonte da qual provêm. A consciência tem uma função psicológica e moral muito específica: emitir, por meio da razão, juízos acerca da moralidade de situações concretas; tem por isso a faculdade de julgar as normas sociais e religiosas.’ (pp. 15-16)

‘Para São Tomás de Aquino, a consciência moral é «uma aplicação da ciência ao ato», isto é, um ato realizado com ciência, cum scientia. Já Immanuel Kant chama-lhe «a expressão da razão prática», ou seja, o meio pelo qual cada pessoa exerce a sua razão nas situações concretas, práticas, com vista ao bem. É possível distinguir, ainda, a posse do sentido moral, que é designada por «consciência habitual», da sua utilização em cada circunstância particular, que é designada por «consciência atual».’ (p. 17)

‘Estes princípios fundamentais da moral – fazer o bem e evitar o mal – estão presentes em todas as pessoas: são a consciência habitual, também chamada «sindérese». Para Cícero, estes princípios da moral, reconhecidos como universais, são uma lei inata, que não se pode perder; para Séneca, são «um espírito divino [que reside dentro de nós], que observa e rege os nossos atos, bons e maus». Por sua vez, tanto os gregos como os judeus falam do «coração» para designar a consciência como fonte da vida moral.’ (p. 17)

‘[…] cada pessoa é moralmente responsável não apenas perante a própria consciência, mas também pela própria consciência, garantindo-lhe uma formação adequada.’ (p. 19)

‘Mas o ignorante é responsável pela má formação da sua consciência.’ (nota 10, página 19)

‘A consciência moral não é, pois, um ato arbitrário, mas um ato de conhecimento do bem; não produz a obrigação moral, mas reconhece-a (com risco de erro), à luz da sindérese, à qual via buscar a sua autoridade.’ (p. 19)

‘Antes de serem vinculativas, as leis têm uma função pedagógica, que consiste em mostrar aos indivíduos o bem que deve ser procurado e em suscitar neles o desejo desse bem, ou seja, a sua adesão, a fim de que apliquem as normas sociais de forma consciente e voluntária, realizando assim o bem que têm em comum com a sociedade. Inversamente, uma norma que seja considerada, em consciência, contrária ao verdadeiro bem não pode ser desejada, mas deve ser rejeitada e não terá outra autoridade que não seja a força da vontade de quem a prescreveu; será então recebida como violência por aquele cuja consciência reconhece nela um mal. A verdadeira origem da nossa autonomia pessoal é a transcendência do bem percebido pela nossa consciência pessoal.’ (p. 21)

‘A lei retira a sua força da inteligência de quem obedece ou da vontade de quem manda? Normalmente, de ambas em simultâneo. Esta pergunta remete para a distinção clássica entre direito (jus) e lei (lex): o jus (direito) é conforme à justiça, enquanto a lex (lei) é promulgada pela autoridade para garantir a realização da justiça, mas pode afastar-se dela. Quando lei garante o direito, retira a sua força da inteligência daquele que reconhece o bem e lhe obedece; quando, porém, a lei não garante o direito, a sua força é apenas a da vontade de quem manda, e a lei torna-se uma violência para aquele cuja inteligência reconhece nela um mal.’ (nota 12, p. 21)

‘[…] Hitler queria «libertar o homem dessa aviltante quimera a que dão o nome de consciência ou moral», e um dos slogans do regime nazi afirmava que «a consciência dos alemães chama-se Adolf Hitler».’ (p. 22)

‘As convicções não são […] opiniões arbitrárias ou fantasistas, mas sim a expressão de um imperativo interior na pessoa. As prescrições da consciência são convicções sobre o que convém fazer ou deixar de fazer.’ (p. 23)

‘As convicções não são as únicas expressões da consciência; de facto, quando esta permanece na incerteza, limitando-se a opinar em favor deste ou daquele juízo que lhe parece ser provavelmente verdadeiro, tem uma opinião. A consciência pode ainda permanecer na dúvida; nesse caso, a pessoa suspende o seu juízo. Nem a opinião nem a dúvida são convicções. Finalmente, uma pessoa pode ainda não ter adquirido o uso da razão (é o caso das crianças), ou tê-lo perdido (por efeito das paixões ou de uma enfermidade), e, nesses casos, os seus juízos também não merecem ser classificados como convicções.’ (p. 24)

‘[…] o foro interno releva do ser da pessoa e o foro externo do seu agir’. (p. 26)

‘A objeção

«Perante uma pessoa que nos incita a [fazer] aquilo que a nossa inteligência ajuíza ser mau, a nossa consciência ergue-se, em nome da própria verdade do bem, que é o fundamento da obrigação moral», e prescreve-nos que não realizemos esse ato. A consciência individual opõe-se ao cumprimento de uma ordem que a pessoa ajuíza ser má, interpondo-se entre essa ordem e o seu cumprimento; a consciência objeta, colocando-se diante da ordem para servir como obstáculo à sua realização.’ (p. 27)

‘Para compreender a objeção de consciência, é preciso compreender claramente a diferença fundamental entre, por um lado, ser impedido de agir segundo a própria consciência e, por outro, ser forçado a agir contra a própria consciência. Esta diferença – que é muito simples – está relacionada com outra, que é fundamental, e que separa o facto de um sujeito realizar positivamente um ato que a sua consciência lhe prescreve do facto de um sujeito se abster de realizar um ato que a sua consciência lhe proscreve.’ (p. 28)

‘[…] a consciência só é objeto de direitos porque impõe deveres à pessoa. Este duplo aspeto aparece com grande nitidez no regime da objeção de consciência, objeção esta que deve ser apreendida como um dever, antes mesmo de ser eventualmente reconhecida como um «direito».’ (p. 38)

‘[…] os agentes nazis em Nuremberga […] foram condenados por terem preferido acatar as ordens das autoridades públicas a obedecer àquilo que a sua própria consciência pessoal deveria ter-lhes prescrito que fizessem.’ (p. 41)

‘Assim, antes de ser, eventualmente, um direito, a objeção de consciência é essencialmente um dever moral e jurídico, que impõe a uma pessoa ou a um grupo de pessoas a obrigação de se recusarem a executar uma ordem injusta. Contudo, a par do dever de objeção, foi progressivamente reconhecido um direito à objeção de consciência, a fim de que os objetores pudessem seguir as prescrições da respetiva consciência sem perder a vida, a liberdade ou o trabalho.’ (p. 42)

‘Uma objeção de consciência poder ser reconhecida pelo legislador ou o juiz tendo em consideração o seu objeto ou a convicção do sujeito; ou seja, pode ser classificada como objetiva ou como subjetiva.’ (p. 46)

‘É interessante notar que, de acordo com a abordagem liberal, o reconhecimento do direito à objeção de consciência nos ordenamentos nacionais não resulta de uma superior consideração pela consciência, como instrumento capaz de reconhecer o que é bom e justo – pois isso implicaria pôr em causa a ordem que é alvo da objeção -, mas da renúncia à ideia de que a consciência humana seja capaz de se pronunciar sobre a integralidade do bem. Dito de outro modo, a objeção liberal e subjetiva é uma consequência do relativismo.’ (p. 48)

‘[…] num aparente paradoxo, quando a promoção do direito à objeção de consciência se funda numa conceção subjetiva da consciência, está a participar de uma desvalorização da apreciação social da consciência pessoa; a situação inverte-se quando estamos a falar do reconhecimento da objeção objetiva e do dever de objeção, que não têm como fundamento último o respeito pela consciência, mas o bem percecionado pela consciência. Significa isto que uma pessoa que reclame o benefício da objeção de consciência deve usar de prudência quando decide colocar-se num ou noutro terreno.’ (p. 48)

‘[…] o legislador [em França] dotou a despenalização o aborto, ocorrida em 1975, de uma cláusula segundo a qual «nenhum médico é obrigado a praticar uma interrupção voluntária da gravidez»; e que afirma, na segunda alínea, que «nenhuma parteira, enfermeiro ou enfermeira, auxiliar médico ou outro é obrigado a participar numa interrupção da gravidez». À época, Simone Veil, a promotora da lei, afirmava: «É evidente que nenhum médico ou auxiliar médico será jamais obrigado a participar». Esta cláusula de consciência adquiriu posteriormente valor constitucional em França.’ (p. 61)

‘Com base na própria filosofia do conceito de objeção de consciência e na jurisprudência do TEDH, propomo-nos distinguir diversas situações, consoante:

- a recusa em agir seja apresentada por uma pessoas razoável;

- a objeção tenha origem em simples conveniências pessoais ou num imperativo de consciência;

- a objeção de consciência obedeça a imperativos de natureza moral ou religiosa;

- a proximidade entre o ato ao qual se objeta e o conteúdo da convicção.’ (p. 86)

‘Note-se que a tarefa de julgar se uma objeção é verdadeiramente justa e moral se torna muito problemática numa sociedade que, em nome do relativismo e do subjetivismo, renunciou, pelo menos em parte, à convicção de que existe um bem objetivo; contudo, a recusa em fazer este esforço equivaleria a renunciar à racionalidade da justiça e a resignar-se à arbitrariedade.’ (p. 104)

‘No que diz respeito ao aborto e à eutanásia, é relativamente fácil demonstrar a inexistência de um verdadeiro direito fundamental, porque uma pessoa não pode abortar ou praticar a eutanásia livremente, isto é, cm a mesma liberdade com que pode exprimir as suas opiniões ou andar de um lado para o outro. A existência do feto opõe-se a isso. A resolução adotar em França pelos membros do Parlamento no 40.º aniversário da Lei Veil é, aliás, reveladora: embora apresente o aborto como um direito universal no primeiro artigo, recomenda a sua prevenção no segundo artigo; ora, se o aborto fosse efetivamente um direito fundamental, seria absurdo e injusto tentar evitar que fosse praticado. É precisamente porque é tolerada como um mal menor que esta prática deve ser alvo de uma política eficaz de prevenção.’ (p. 117)

‘[…] de acordo com a abordagem à liberdade de consciência fundada na dignidade humana, o direito ao respeito por esta liberdade não é concedido pelo Estado, mas apenas enquadrado por ele, já que o mesmo direito tem origem fora da vida social, é um direito que cada pessoa possui por natureza.’ (p. 125)

‘A transformação cultural ocorrida na sociedade ocidental alterou o fundamento da liberdade de consciência e de religião, fazendo emergir um novo fundamento (coletivo) que tende a substituir o fundamento (pessoal) da dignidade; trata-se do ideal de sociedade democrática, pluralista e liberal. Contudo, uma vez que a conceção que cada pessoa tem da sociedade orienta a sua atitude em relação à objeção de consciência, a fonte do direito à liberdade de religião e de consciência, que é absoluta quando se fundamenta na dignidade humana, torna-se relativa e contingente quando decorre do ideal de sociedade democrática, porque este ideal não assenta numa ontologia, mas na vontade de coexistência, que é essencialmente prática.’ (p. 126)

‘Convém […] ter presente que a objeção de consciência não é apenas uma modalidade do exercício da liberdade de consciência – é, também, e antes de mais, um testemunho pessoal e um sinal de alerta para o conjunto da sociedade. Quando muitas pessoas se recusam a praticar determinado ato, as autoridades públicas não devem procurar coagi-las, mas interrogar-se sobre as causas dessa recusa, porque último juiz e testemunha da justiça não é a lei positiva, mas a consciência pessoal.’ (p. 134)


**(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)

*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de 'Ensaios de liberdade', 'Bem-nascido... Mal-nascido... Do 'filho perfeito" ao filho humano' e de 'Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg'


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