quinta-feira, novembro 25, 2010

Novembro: pensar a vida a partir da morte… Viver a morte a partir da vida

Morremos a nossa morte na morte dos outros. E essa será uma das mais profundas causas do drama actual das sociedades ocidentais. A ausência de solidariedade na vida ressoa e repercute-se na insolidariedade na morte, que adensa o receio do esquecimento e da morte definitiva. Uma tal sociedade que tornou os demais invisíveis e transparentes, durante a vida, fez da sua morte uma realidade opaca. Ora, quando o homem se ilude e convence de que a morte já não é parte do seu horizonte e da sua marca, na história, estão reunidas as condições para que se esvazie o futuro e tudo se reduza a um presente sem destino nem sentido. Curiosamente, os que, ao longo da história, tiveram a pretensão de esgotar o homem no presente do prazer e da ausência de ética e moral, sempre procuraram negar a presença da morte. Epicuro, o grande preconizador do hedonismo - essa atitude que definia o bem como a busca constante do prazer - pretendia negar a morte, dizendo que o homem não se devia preocupar com ela, porque enquanto ele estava presente, ela não estava ainda, e quando ela se tornava presente, o homem já não estava.
Ora, é precisamente a solidariedade fundamental da humanidade, que nos faz viver a nossa morte na morte dos outros, que assegura a nossa condição comum e nos solidariza na morte, na medida em que nos solidarizámos na vida. Se o outro é um tu, a sua morte não me é indiferente. Se o outro é um estranho, podem morrer milhares ao meu redor. A sua morte nada me dirá.
É o drama de hoje. Os outros morrem-nos todos os dias, pela janela mediática, sem que o seu rosto nos interpele a solidariedade na morte, porque as suas vidas nos foram indiferentes.
Desde que o homem é homem que a sua vida foi marcada pela pergunta sobre a morte. Talvez até possamos dizer que o homem nasce com a pergunta sobre a morte e sobre o sentido da vida que a morte faz germinar. No dia em que o homem deixar de se inquietar com a morte, porque a insolidariedade na vida o iludiu em torno da convicção de nunca morrer, porque a morte dos outros não é a sua, nesse dia, o homem já terá morrido. Porque ser humano é perguntar-se sobre a vida que não pode acabar na morte. Mesmo Fernando Savater, que se crê descrente, sabe que «a cultura nasce do medo da morte».
O desafio que a morte parece querer afirmar é o de que, enfim, na sua presença, todos seremos iguais, já que, em vida, fomos tão diferentes. Uma marca que os nossos tempos querem apagar. Nem na morte nos querem iguais, porque há mortes de alguns que se tornam ausentes para os demais.
Inquieta-me, de facto, que haja, nos nossos tempos, tantas mortes solitárias, esquecidas. E se, como pretendiam os clássicos, a conquista da sabedoria está em saber preparar a própria morte, o fim de alguns a quem não foi dado saber morrer parece estar a dizer que esta é uma sociedade pouco sábia.
O repto está em nos solidarizarmos na vida, para que nos morramos com a morte dos outros, a fim de renovarmos o sentido da vida. Sem a inquietude que a morte provoca, é a vida que está em risco, porque o sentido do viver está em aprender a morrer e não em iludir a morte.

Luís Manuel Pereira da Silva
(Publicado no jornal Terras do Vouga)

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