Os sinos tocaram a rebate quando,
em abril, um estudo revelou que, entre 1999 e 2011, a percentagem de católicos
diminuiu de 86,9% para 79,5%. Estes dados devem fazer, certamente, refletir, na
medida em que possam levar a concluir que estejamos a ser responsáveis por
tornar o cristianismo irrelevante para os homens do nosso tempo. Se assim for,
poderão ser-nos pedidas contas de tal. Como pudemos contribuir para que um
tesouro que deveria ser altamente cotado possa ver o seu rating de relevância
existencial diminuído?
Contudo, um outro número mais
inquietante nos deveria prender a atenção.
É que, mesmo que o número de
católicos revele ter diminuído, continua a ser elevada a percentagem dos que se
afirmam pertencentes a esta grande família dos discípulos de Jesus Cristo.
Qualquer partido que vencesse eleições por uma tão larga margem estaria dotado
de carta branca para toda a reforma, inclusive constitucional, isto é, na
genética do Estado.
Sendo assim, invertamos os dados
e comecemos por constatar que os que se afirmam católicos rondarão os 80%, num
país em que o número dos que se situam no limiar da pobreza estará na ordem dos
22%, representando mais de 2 milhões de pessoas.
Como pode um país na sua maioria
católico permitir que baixem no rating da cotação existencial as palavras do mestre
que diz que «o que fizestes ao mais pequeno dos meus, a mim o fizeste?»?
Como pode um país em que, nas «eleições»
diárias de sentido e esperança, ganha no escrutínio a religião que diz que
mesmo o sofrimento faz sentido, permitir que venha aumentando horrivelmente o
número dos que morrem nos hospitais, na solidão das máquinas que repetem
rotineiramente números e gráficos?
Como podem estes cerca de 80% de
portugueses dormir descansados por não lhes ter, ainda, batido à sua porta a
crise, e satisfazer-se em justificar o infortúnio dos demais com o desvario de
cabeça?
O diagnóstico está feito e
refeito e há que aprender a sua lição para que não se repita, mas a hora é de
aplicar terapêutica. E a terapêutica que preconizo não é a da condenação e
segregação, aguardando que a vida condene à inanição os que viveram como
cigarras. A hora é da verdadeira caridade cristã que reconhece na dor do outro
a antecipação da nossa condição comum. O samaritano não esperou que o homem lhe
pedisse ajuda. Fez-se seu próximo. E é esse o desafio maior do cristianismo.
Porque Deus – em quem cremos – se fez nosso próximo em primeiro lugar, não
podemos ficar à espera de que o outro nos estenda a mão.
Se as crises são desafios que
interpelam, esta é a hora. Se cada família cristã adotasse outra família, não
haveria famílias em crise. A partilha da dificuldade diminuiria a dificuldade
de todos.
Se assim não for, os sinos
continuarão a tocar a rebate porque os cristãos tornaram, de facto, o
cristianismo irrelevante. Sumiram-no em palavras que já não são nem fé nem
obras.
Artigo publicado nos jornais «Terras do Vouga» e «Correio do Vouga»