domingo, junho 30, 2024

A liberdade que habitamos ou de que somos construtores absolutos?

Artigo originalmente publicado no boletim do Arciprestado de Seia - Gouveia, 'O Alforge' 

A nossa condição de seres racionais faz-nos altamente dependentes dos conceitos que moram na nossa mente. Do conceito que temos resulta um certo modo de vivermos a realidade de que eles falam.

Deste modo, o conceito de felicidade que habitar a nossa mente condicionará a nossa forma de nos pensarmos felizes (ou infelizes), o conceito do outro condicionará o nosso modo de nos abeirarmos dele, o conceito que tivermos de Deus, etc… Assim também em relação à liberdade.

Do conceito de liberdade que tivermos resulta uma certa forma de a vivermos e uma certa forma de nos pensarmos como livres ou não livres.

Com este pressuposto, importa, então, limar os conceitos, para que não aconteça que de quimeras que construímos na nossa mente redundem aventuras votadas à desilusão, pois nada há de mais perigoso do que uma enorme ilusão: o resultado é, certamente, a desilusão.

Pela centralidade que ocupa nas nossas sociedades modernas (aliás, muitos definem a modernidade como a afirmação da autonomia - mais um termo cujo conceito é necessário precisar, para que não se torne fonte de desilusões!), o conceito de liberdade deve ser analisado, vez após vez, para que não se transforme num ‘fantasma’ responsável pela destruição da própria sociedade.

Neste registo, ouso desafiar à constatação de que o conceito de liberdade em que muitos discursos se vêm estruturando mostra enfermar de quatro traços que podem conduzir a uma ideia de liberdade que favoreça a sua própria destruição.

Enuncio esses quatro traços: a liberdade tem sido definida num registo voluntarista, solipsista (individualista) e incondicionado.

Analisemos cada um destes traços em busca de uma definição que faça da liberdade autêntica fonte de libertação.

 

A liberdade é ato da vontade?

Uma leitura atenta do conceito de liberdade terá de, rapidamente, concluir que o conceito é específico da humanidade e só por comparação poderá atribuir-se a outros seres criados. Por este facto (de ser especificamente humano), deverá procurar-se no ser humano aquilo que o distingue e que fará da liberdade uma condição que só nos humanos poder encontrar-se. Prontamente nos teremos de encaminhar para o facto de o ser humano olhar o mundo como quem o lê. O ser humano interpreta, pensa a realidade. Ora, a liberdade deverá, por isso, participar desta forma de aceder ao mundo. Ser livre não terá, por isso, de ser definido como a possibilidade de querer (tornando-a um ato da vontade, que também os não humanos possuem), mas sim como a capacidade de ler, de iluminar a vontade e o que se sente (os afetos) com o contributo da inteligência. Ser livre é, assim, escolher, discernir, mobilizar a vontade e os afetos à luz da inteligência. A liberdade terá de concluir-se ser um ato da inteligência e não um ato da vontade. Costumo ilustrar com a experiência do toxicodependente que tudo faz seguindo o desejo, o que a vontade lhe pede. Chega ao ponto de, se a vontade lho pedir, matar para obter o que ela quer. Mas poderemos definir estes atos como sendo livres? Falta-lhes serem iluminados pela inteligência e consequentes com essa iluminação. O ato livre é o que resulta dessa iluminação e dessa mobilização dos afetos e da vontade seguindo essa iluminação.

Curiosamente, porém, as definições que pululam de liberdade fazem-na confinar-se à vontade, o que se expressa de forma mais cabal na afirmação de que ‘ser livre é fazer-se o que se quer’.

Não foi esta a visão sobre a liberdade que nos ofereceu a história do pensamento e da filosofia (que sempre a identificou como determinação da vontade e do afeto à luz da razão), mas, por influência nominalista e, mais recentemente, nietzscheana e schopenhaueriana, fomos afunilando a liberdade para o âmbito da vontade, com custos que a nossa reflexão nos ajudará a identificar.

O primeiro grande custo é o que resulta de uma característica da vontade: a vontade tudo quer; é indeterminada, móvel, volúvel; o seu objeto é o que lhe aponta o desejo… As vontades sobrepõem-se, opõem-se, estorvam-se, enquanto as inteligências se encontram, apontam para um horizonte comum – a verdade – e caminham juntas, podendo auxiliar-se umas às outras na busca do horizonte comum.

 

A liberdade é um ‘fechar-se’ ou um ‘abrir-se’ ao outro?

Fácil é constatar que, se a liberdade é ato da vontade, com estas características apontadas, então, os sujeitos que se pretendem livres são seres fechados sobre si, excluindo os outros, pois são portadores de vontades que se anulam.

É o drama do liberalismo que padece deste conceito voluntarista de liberdade. Como definia Herbert Spencer, se a liberdade é assim pensável, então, ‘a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro’.

Mas não penso que este conceito de liberdade corresponda ao que somos, como humanos.

Em primeiro lugar, porque não podemos ser só uma parte de nós (a vontade) e, em segundo lugar, porque não é verdade que o que somos possa prescindir dos outros.

Pelo contrário, esta visão solipsista e individualista da liberdade (defendida pelos liberalismos) trai o reconhecimento de que nascemos de outros (nascemos de dois; não de um só… Somos seres que logo na sua origem dependem da relação e não da solidão…) e de que a consciência que temos de nós mesmos precisou de outros humanos para poder emergir.

Isso o demonstra a história dos meninos selvagens que, se abandonados na selva, por volta dos três anos, conseguiram sobreviver, mas nunca desenvolver consciência de si mesmos. São os outros (os nossos pais, os nossos cuidadores, os que nos rodeiam….) quem faz emergir a consciência de nós que está em potência, em nós, mas que, sem os outros, jamais emergirá.

Sendo assim, o solipsismo é uma traição à condição humana. Somos, contrariamente a esse solipsismo, liberdades que precisam das demais liberdades para serem livres. Por isso, há que superar o pensamento de Herbert Spencer com a convicção alternativa de que uma autêntica liberdade é a ação ou determinação pela qual as outras liberdades também podem desenvolver-se; a minha liberdade não acaba onde começa a do outro, mas sim, a minha liberdade precisa da do outro para realmente ser, existir e poder acontecer.

 

Liberdade humana ou inumana?

Superados o voluntarismo e o solipsismo, cabe constatar que é preciso ultrapassar, também, o ‘incondicionalismo’ de certas conceções de liberdade que pressupõem a possibilidade de uma liberdade não condicionada, completamente indeterminada. É a lógica dos movimentos de autodeterminação de género que pressupõem um sujeito sem qualquer ‘história’, sem qualquer condicionamento prévio. Um sujeito assim não é humano; poderia ser divino, mas não humano. Nenhum ser humano está fora de condições concretas. Toda a liberdade humana é condicionada: pela língua, pela cultura, pela condição biológica, pelas circunstâncias várias, diante das quais se constrói como ser capaz de transcender essas circunstâncias, mas sem as apagar. Tendo-as como pressupostos.

O nosso acesso ao mundo é sempre condicionado pela cultura em que nos fazemos, pela língua com que acedemos ao mundo, pelas relações que construímos.

Pressupor um sujeito humano sem estes condicionamentos é referir-se a alguém que não existe.

E percebem-se as consequências nefastas dessa ilusão de um sujeito completamente indeterminado.

Como seria se alguém decidisse prescindir de uma qualquer língua para comunicar?

Teria de instruir os demais na sua própria língua, pois ela tornar-se-ia ineficaz, na medida em que não comunicaria coisa nenhuma, por só ser compreensível pelo seu criador…

Uma autodeterminação absoluta isola numa mónada fechada cada sujeito humano, coisa absurda e inumana (ou, mesmo, desumana). Somos, intrinsecamente, seres relacionais.

E esses são os dois conceitos de liberdade em jogo: um de tipo individualista, fechado, solipsista, perante um de tipo personalista, em que todos somos pessoas, seres essencialmente definidos como seres de e para a relação.

Um humano é um ser feito do ‘húmus’, por isso, frágil, vulnerável, um indigente do outro, do ‘fora de si’, um ser aberto.

Curiosamente, poderia constatar-se que os dois conceitos de liberdade aqui em jogo evidenciam a tentação de Adão: fechar-se em si mesmo, ser autossuficiente, bastar-se a si mesmo ou reconhecer-se como ser aberto ao outro, ao mundo, ao Outro.

Estamos, vez após vez, a ser expulsos do paraíso…

domingo, junho 23, 2024

Alberto Ferreyra | Mystérios lusitanos [contos - texto e locução] | 1 | Mistério na Torre dos clérigos

 

Mystérios lusitanos | A vinte e três (23) de cada mês, habitamos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra...

(Nos ramos da escrita, repousam, vezes sem conta, as gralhas da distração, ocultas, sob múltiplos disfarces, até que alguém as enxote. Alberto Ferreyra contou com o fino olhar da sua amiga Teresa Correia, detentora do segredo da sua identidade, para afastar ou caçar o grasnar das gralhas. Está-lhe, por isso, muito grato...)

Alberto Ferreyra*



O calor dos primeiros dias de verão convidava a uma viagem de comboio pela costa. J. e M. desafiavam, muitas vezes, o pai a uma viagem suave pela linha que ligava Porto e Aveiro. Tomar aquela linha parecia seguir o traçado de uma divisória entre o ardente interior e o frescor do mar. A linha férrea era como que o interstício entre duas dimensões da realidade, como se ali mesmo se cosesse o mapa, anteriormente separado em duas partes, artificialmente unidas para que dele beneficiassem os humanos, ainda que distraídos pelo correr dos dias.
Divertiam-se a ver quem entrava e quem saía. Distraíam-se, assim, ou – talvez, afinal – assim tomavam conta da realidade, como pastores de um ser que anda tresmalhado.
Faziam aquilo com frequência, quando as férias os levavam às margens do Antuã, a casa dos avós.
J. e M. esperavam, ansiosamente, pelos dias em que corriam o litoral, sobre duas linhas sempre unidas, mas sempre separadas, como irmãos que eles mesmos eram: unidos, mas, muitas vezes, às turras…
- Parecemos nós! – Diziam, entre piadas sobre o que viam e observavam.
Aguardavam pelo comboio.
Hoje, dia vinte e três de junho, o destino era o Porto. Bem sabiam que os haveria de esperar uma multidão. Mas isso seria pelo entardecer. A hora que tinham escolhido ainda arrastava consigo o erguer da alvorada.
Iam pela manhã. Poderiam sair em São Bento, visitar a Sé e terminar, pelo meio-dia, com um belo concerto de órgão que, diariamente, se pode ouvir na Torre dos Clérigos. Almoçariam e voltariam, mal as multidões da folia do São João se começassem a concentrar para a noitada.
Chegaram à estação de Estarreja, eram umas oito e meia.
Com eles, um desajeitado e trôpego homem, estranhamente vestido de palhaço.
Abeiraram-se da máquina automática de bilhetes, com o ‘andante’ nas mãos. Preparavam-se para registar as suas viagens.
O homem vestido de palhaço aproximou-se deles.
Tresandava a bagaço…
- Não precisam de pagar. A CP está a oferecer os bilhetes.
Disfarçadamente, o pai de J. e M. colocou os seus braços sobre os ombros dos dois filhos. Estacou e ficou gelado de susto.
Um homem vestido de palhaço a tresandar a bebida não podia ser fonte segura de informação.
Agradeceu, porém, por educação e virou-se, com os filhos, para a linha…
Como estátuas, os três, o pai e os dois filhos, fixaram o olhar no infinito, enquanto, pelo canto do olho, acompanhavam o bamboleante andar do homem vestido de palhaço.
Sentiram-lhe os passos a descer pela longuíssima escadaria – parecia infinita! – até que o sentiram desaparecer no túnel onde o odor a bagaço se haveria de confundir com o fétido cheiro que sempre inunda os túneis das estações.
Percebendo-o longe, viraram-se de novo para a máquina e acabaram a operação de registo e obliteração dos bilhetes.
O comboio estava prestes a chegar.
Desceram, velozmente, entre o riso e o desconcerto, e passaram para o outro lado da plataforma, na senda da linha que os haveria de levar ao Porto…
O homem vestido de palhaço também parecera escolher o mesmo trajeto. Mas longe uns dos outros… Não havia que denunciar não se ter acolhido uma sugestão aparentemente bondosa.
Entraram, mas à distância de um longo olhar, só revisitado de soslaio.
A viagem iniciou-se.
M. estava que não aguentava. Queria comentar o sucedido.
Cochichava, porém… Não fosse o homem aperceber-se de que era sobre ele que falavam.
Tinham de contar à mãe, quando chegassem a casa. Um palhaço convencido de saber quando é que os comboios são gratuitos. Cada uma!
Nas costas do homem vestido de palhaço, via-se, vindo do fundo da carruagem, um homem que lhes parecia ser o revisor.
Viam-no aproximar-se das pessoas, segredar-lhes alguma coisa ao ouvido e seguir.
Chegou a vez de lhes ser revelado o que segredava.
Aproximou-se do pai de J. e M. e tartamudeou: ‘hoje, véspera de S. João, a CP oferece os bilhetes’.
O olhar do pai de J. deambulou, à velocidade da luz, em busca dos já expectantes olhos do homem vestido de palhaço. Os seus lábios arquearam-se ligeiramente, esboçando um sorriso, colado a um encolher de ombros, como que dizendo: - está na hora de mudar este perfume com cheiro a bagaço.
A viagem prosseguiu.
M. só dizia: - com que então não podemos acreditar num homem vestido de palhaço com cheiro a bagaço. Grande lição, pai! Parece que até de uma má cabeça pode vir grande sentença…
Os manuais de pedagogia tinham-se tornado repentinamente bolorentos…
O que mais lhes haveria de reservar aquela viagem?
Chegaram ao Porto. Primeiro, a Campanhã, depois, S. Bento.
O primeiro destino era a Sé.
Na entrada, havia uma placa de homenagem a um dos organistas desta catedral, recentemente falecido neste mesmo dia 23 de junho. Deixara profunda marca de homem genial, com influência musical profunda na história da cidade do Porto, mas também por terras de Aveiro, onde fundara coros, dirigira outros e fora um reconhecido professor de música. As iniciais do seu nome, A.M., deram pretexto para que M. se enchesse de vaidade, glosando com a ideia de que a sua música lhe seria dedicada.
- Convencida! – Dizia-lhe J. – Achas que o mundo gira à tua volta. Deve ter sido um genial músico, pois percebe-se a marca que aqui deixou. Uma homenagem assim só pode ser dedicada a quem muito deu de si.
- Estás um artista das palavras, J. Quem me dera a mim poder ouvi-lo executar alguma peça com a arte que estes elogios nos fazem supor.
Partiram para a Torre dos Clérigos. A proximidade do meio-dia fizera-os afligirem-se com o escasso tempo de que dispunham.
Entraram na igreja dos clérigos. Para seu espanto, não havia ninguém sentado nos bancos para ouvir o concerto. Entretanto, o relógio dos telemóveis indicava a iminência da hora do concerto. Com precisão alemã, à hora certa, o órgão começou a tocar uma peça que J. e M. prontamente reconheceram, por lhes ser familiar o estudo da música. A ‘Toccata e fuga em ré menor’ de Bach saía de todos os cantos daquela belíssima igreja cuja torre Nasoni fizera sair da sua imaginação e elevar aos céus do Porto.
Durante dez eternos minutos, J., M. e o pai sentiram que terra e céu se uniam como nos interstícios do real onde corre a linha do norte. Estavam ali, mas sentiam-se em todo o lado. A música parecia sair-lhes do mais recôndito lugar da alma.
Quando terminou, abriram os olhos, como que acordando de um delicioso sonho. Abraçaram-se!
Ao saírem, por porta distinta da que os levara ao interior, quase tropeçaram na placa que lhes parecia ser a do anúncio do concerto.
- M. vê onde pões os pés!
M. estava lívida. Na placa, um anúncio: ‘concerto cancelado por doença do organista’.
Em rodapé, duas iniciais: A.M.


 

 


*Alberto Ferreyra diz que as suas letras habitam a mente e saem da mão de alguém nascido em terras gaulesas, ainda que afirme, em sussurro, que o seu real nascimento ocorreu nas margens do Antuã, em abril de 2024. É, por isso, um prematuro autor literário, germinado da inspiração que a realidade proporciona quando se tem a companhia, nos livros, de génios como Jorge Luis Borges, Miguel Torga, Gabriel García Marquez ou personagens como Poirot ou Padre Brown.
 
Na sua escrita, cruzam-se o real e o imaginado, o fictício e o histórico, numa embrenhada teia em que o leitor continua a ler, mesmo já depois de fechado o conto. O real continua a fecundar histórias na mente de quem lê Ferreyra. Cada conto, feito dos mistérios desvelados, aproxima o tempo e distancia o espaço, esticando-o até ao eterno e ao infinito. Ao ler Ferreyra, faz-se 'silêncio' ('mystério' alude à etimologia grega da palavra, que remete para o 'fazer silêncio', 'emudecer-se'...) para que possam ecoar as palavras, para que possa desenovelar-se o enredo sucintamente desvelado.
 
J. e M., protagonistas de cada um dos contos, acompanhados, em alguns deles, pelo seu periquito 'branquinho', fazem emergir, do real em que se enredam, histórias que, nascendo da imaginação de Ferreyra, permanecem como realidades possíveis, deixando a suspeita de terem mesmo ocorrido.
Se não foi real, Ferreyra o criará, inspirado numa cosmovisão que tanto deve àquela religião que fez do encarnado a condição fundamental do existir.
 
A vinte e três (23) de cada mês, habitaremos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra.
 

Alberto Ferreyra | Mystérios lusitanos [contos] | A 23 de junho, primeiro conto inédito de Alberto Ferreyra

 

A partir de 23 de junho, nova rubrica, dedicada à publicação de contos inéditos de Alberto Ferreyra

 


A Comissão Diocesana da Cultura iniciará, no dia 23 de junho, a publicação de contos inéditos de Alberto Ferreyra.
 
Alberto Ferreyra diz que as suas letras habitam a mente e saem da mão de alguém nascido em terras gaulesas, ainda que afirme, em sussurro, que o seu real nascimento ocorreu nas margens do Antuã, em abril de 2024. É, por isso, um prematuro autor literário, germinado da inspiração que a realidade proporciona quando se tem a companhia, nos livros, de génios como Jorge Luis Borges, Miguel Torga, Gabriel García Marquez ou personagens como Poirot ou Padre Brown.
 
Na sua escrita, cruzam-se o real e o imaginado, o fictício e o histórico, numa embrenhada teia em que o leitor continua a ler, mesmo já depois de fechado o conto. O real continua a fecundar histórias na mente de quem lê Ferreyra. Cada conto, feito dos mistérios desvelados, aproxima o tempo e distancia o espaço, esticando-o até ao eterno e ao infinito. Ao ler Ferreyra, faz-se 'silêncio' ('mystério' alude à etimologia grega da palavra, que remete para o 'fazer silêncio', 'emudecer-se'...) para que possam ecoar as palavras, para que possa desenovelar-se o enredo sucintamente desvelado.
 
J. e M., protagonistas de cada um dos contos, acompanhados, em alguns deles, pelo seu periquito 'branquinho', fazem emergir, do real em que se enredam, histórias que, nascendo da imaginação de Ferreyra, permanecem como realidades possíveis, deixando a suspeita de terem mesmo ocorrido.
Se não foi real, Ferreyra o criará, inspirado numa cosmovisão que tanto deve àquela religião que fez do encarnado a condição fundamental do existir.
 
A vinte e três (23) de cada mês, habitaremos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra...
 
 

sexta-feira, junho 07, 2024

Sabes, leitor... | 6 | Marca de água do livro de Aldous Huxley, 'Admirável Mundo Novo'

 

Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’** | Marca de água de livros que deixam marcas profundas
Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura
O autor e a obra
Aldous Huxley, Admirável mundo novo, Lisboa, Edição «livros do Brasil, S/D. [Direitos de publicação reservados em 1932]

Aldous Huxley (1894-1963) é um autor de origem inglesa, que tem em ‘admirável mundo novo’ a sua obra-prima, apesar de outras obras suas terem tido reputado reconhecimento, entre as quais poderemos destacar os ensaios ‘as portas da perceção’ e ‘a filosofia perene’, e o romance ‘a ilha’, já transposto para a tela do cinema.

Pertencendo a uma família britânica de renome, tendo o seu avô, Thomas Henry Huxley (1825-1895), ficado na história pela sua defesa da teoria darwinista e pela criação do termo ‘agnóstico’, Aldous evidencia uma atitude crítica em relação a estes ascendentes, posição que se repercute nas suas obras, entre as quais ‘admirável mundo novo’ não é exceção. Nesta obra, evidenciam-se sinais de demarcação em relação a esse agnosticismo e em relação a uma qualquer ingénua receção do progresso científico como sendo intrinsecamente virtuoso. A omnipresença da ironia para com essa ingenuidade é um dos traços marcante desta obra. O autor coloca no sujeito a decisão final, mas confere-lhe todos os instrumentos para que possa ajuizar sobre o que fazer perante as inauditas aberturas que nos proporcionam a ciência e a tecnologia. Recusar aprioristicamente não será a decisão, mas também o não será a sua absoluta receção. Ser crítico é o que se pede do individuo para que não se abata sobre a sociedade humana ‘o admirável mundo novo’.

A genialidade desta obra encontra-se, não apenas na narrativa fluente que prende o leitor, desde o início, mas também no facto de se tratar de um enredo escrito ainda na década de 30, quando o mundo ainda não vivera os horrores da II Guerra Mundial, onde o totalitarismo se tornou evidente aos olhos de todos, e ainda muito poucos vislumbravam o que se escondia para lá do que viria a ser a ‘cortina de ferro’. Da revolução russa e do totalitarismo que ela criara muito poucos tinham consciência. Teríamos de esperar por 1984 para que isso se tornasse notório…

E o eugenismo, sendo prática desde que, em 1883, se criara o termo, pela pena de F. Galton, era comummente aceite, sem grande consciência crítica (exceto, como recordam André Pichot[1] e Matt Ridley[2], nos países de influência católica, onde o respeito pela dignidade humana se aplicava a todos, sem exceção dos portadores de deficiência). Teríamos de esperar pelo que nos mostraria a segunda grande guerra para despertar desse torpor. Mas ‘admirável mundo novo’ fora um aguçado alerta… E continua a sê-lo, hoje!

[1] Pichot, André, O eugenismo: geneticistas apanhados pela filantropia, Lisboa, Instituto Piaget, 1997.

[2] Ridley, Matt, Genoma: autobiografia de uma espécie em 23 capítulos, Lisboa, Gradiva, 2001


Marcas de água (o que fica depois de se deixar o livro)

‘Admirável Mundo Novo’ conta-nos a vida da sociedade na Londres de 2540 (no ano 632 DF – depois de Ford – muitos dos nomes escolhidos são alusões a nomes reais; Ford (que aparece aludindo ao trocadilho de ‘our Ford’ com ‘Our Lord’ (Nosso Senhor) poderá aludir, ainda, a uma sociedade freudiana, mais do que ‘fordiana’, ainda que possa supor-se uma intencional equivocidade..). A natureza desta narrativa, contrária à de uma visão utópica, situa-a no âmbito das chamadas «distopias», em que ‘1984’, ‘O triunfo dos porcos’ são outros ilustrativos exemplos, desta feita, da pena de George Orwell, já analisado nesta rubrica.

O autor recolhe o título da obra de uma citação de Shakespeare, ‘oh, admirável mundo novo’, começando, logo aí, a ironia desdenhosa que caracteriza toda a narrativa.

As personagens desta distopia esquivam-se a toda a emoção, são programadas e socialmente categorizadas (por letras do alfabeto grego: os ‘alfas’, os ‘betas’, os ‘épsilões’, etc.) de acordo com o que geneticamente está previsto e devidamente controlado. Só o ‘selvagem’ parece esquivar-se a essa programação, ou outras vagas memórias que tudo no sistema pede que se apague. Há salas de predestinação social, e um ‘soma’ que os habitantes desta distopia tomam para combater a infelicidade, pois esta é uma sociedade onde sofrer não pode ter lugar. Ficar infeliz é proibido, sendo, por isso, inevitável combater tudo o que o possa gerar, como, por, exemplo, vincular-se aos outros.

Nesta sociedade, não há infelicidade, mas também todas as emoções são controladas para que tudo seja devidamente controlado e mantido dentro de uma ordem previamente definida. O leitor como que sente o cheiro à ‘desinfeção’ das emoções, pois tudo é assético.

Sentimo-nos perante uma sociedade feita de seres que continuam a ter a designação de ‘humanos’, mas que não o são, por estarem impedidos (ainda que sem consciência disso – foi intencionalmente apagada) de se relacionarem comprometidamente.

Uma leitura crítica de tal sociedade permite-nos constatar que estamos perante ‘indivíduos’ que pensam agir em liberdade, mas que não são, em verdade, ‘pessoas’ (apesar de o termo ser utilizado, não representa o que diz…) que lutam e ambicionam algo maior do que o que já são; ambicionar é algo que lhes está vedado… ‘As pessoas são felizes, conseguem o que querem e nunca querem aquilo que não podem obter. Sentem-se bem, estão em segurança, nunca estão doentes, não receiam a morte, vivem numa serena ignorância da paixão e da velhice, não são sobrecarregadas com pais e mães, não têm mulheres, nem filhos, nem amantes, pelos quais poderiam sofrer emoções violentas, estão de tal modo condicionados que, praticamente, não podem deixar de se portar como devem. E se por acaso alguma coisa corre mal, há o soma, que o senhor atira friamente pela janela em nome da liberdade […].’ (p. 230)

A leitura desta obra gera em quem a lê algo semelhante ao que nos faz o despertador, pela manhã. Quando Huxley a pensou, o descomprometimento era, ainda, um cenário que surpreendia. O próprio autor, no prefácio escrito em 1946 e recolhido na edição que aqui seguimos, mostra ficar surpreendido por ‘a promiscuidade sexual do Admirável Mundo Novo [não lhe parecer] estar muito afastada’, sendo que ‘à medida que a liberdade económica e política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação’ (p. 17). Esta ‘previsão’ é elucidativa de quanto se transformou a sociedade, no sentido do que narrava o ‘admirável mundo novo’ como uma distopia.

Estará o mundo distópico?

 

Na mesma página que o autor (citações)

(Do prefácio de 1946) ‘Existem já certas cidades americanas onde o número de divórcios é igual ao número de casamentos. Dentro de alguns anos, sem dúvida, passar-se-ão licenças de casamento como se passam licenças de cães, válidas para um período de doze meses, sem nenhum regulamento que proíba a troca do cão ou a posse de mais de um animal de cada vez. À medida que a liberdade económica e política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação. E o ditador (a não ser que tenha necessidade de carne para canhão e de famílias para colonizar os territórios desabitados ou conquistados) fará bem em encorajar esta liberdade. Juntamente com a liberdade de sonhar em pleno dia sob a influência de drogas, do cinema e da rádio, ela contribuirá para reconciliar os seus súbditos com a servidão que lhes estará destinada.’ (p. 17)

‘Vendo bem, parece que a Utopia está mais próxima de nós do que se poderia imaginar há apenas quinze anos. Nessa época coloquei-a à distância futura de seiscentos anos. Hoje parece praticamente possível que esse horror se abata sobre nós dentro de um século. Isto se nos abstivermos, até lá, de nos fazermos explodir em bocadinhos. Na verdade, a menos que nos decidamos a descentralizar e a utilizar a ciência aplicada não com o fim de reduzir os seres humanos a simples instrumentos, mas como meio de produzir uma raça de indivíduos libres, apenas podemos escolher entre duas soluções: ou um certo número de totalitarismos nacionais, militarizados, tendo como base o terror da bomba atómica e como consequência a destruição da civilização (ou, se a guerra for limitada, a perpetuação do militarismo), ou um único totalitarismo internacional, suscitado pelo caos social resultante do rápido progresso técnico em geral e da revolução atómica em particular, desenvolvendo-se, sob a pressão da eficiência e da estabilidade, no sentido da tirania-providência da Utopia. É pagar e escolher.’ (pp. 17-18)

‘Não nos contentamos unicamente em incubar os embriões: isso qualquer vaca é capaz de fazer. Também os predestinamos e condicionamos. Decantamos os nossos bebés sob a forma de seres vivos socializados, sob a forma de Alfas, ou de Épsilões, de futuros varredores ou de futuros…’ (p. 29)

‘- Não sente o desejo de ser livre, Lenina?

- Não percebo o que quer dizer. Eu sou livre. Livre para gozar à vontade, para gozar o mais possível. «Agora todos são felizes!».’

Ele riu-se.

- Sim. «Agora todos são felizes!» Começamos a impingir isso às crianças de cinco anos. Mas não sente o desejo de ser livre de outra forma, Lenina? De uma maneira pessoa, por exemplo, e não à maneira de todos.’ (p. 103)

‘[…] a civilização é a esterilização […]’ (p. 119)

‘- Velho? – repetiu ela. – Mas o Director também é velho, e há muita gente que é velha e, apesar disso, não é assim.

- Porque nós não lhes permitimos que o sejam. Preservamo-los das doenças; mantemos artificialmente as suas secreções internas ao nível do equilíbrio da juventude; não deixamos cair o seu índice de magnésio e de cálcio abaixo do que era aos trinta anos; fazemos-lhes transfusões de sangue novo; mantemos o seu metabolismo permanentemente estimulado. Assim, evidentemente, eles não têm este aspecto. Em parte – acrescentou – porque a maioria de entre eles morre muito antes de ter atingido a idade deste velho. A juventude quase intacta até aos sessenta anos. Depois, trás! O fim.’ (p. 120)

‘Parece-me frequentemente que é possível que nos tenha faltado qualquer coisa por não termos tido mãe.’ (p. 121)

‘Ela contava-lhe como toda a gente era feliz, sem nunca haver pessoas tristes ou zangadas, como cada um pertencia a todos. Falava-lhe de caixas onde se podia ver e ouvir o que se passada do outro lado do mundo, os bebés em bonitas provetas bem limpas – tudo tão limpo, sem mais cheiros, sem a menor porcaria!’ (P. 137)

‘Partindo da sala de Predestinação Social, os escalators desciam ruidosamente para o subsolo, onde, na obscuridade vermelha, aquecendo-se no seu colchão de peritónio e fartos de pseudo-sangue e de hormonas, os fetos cresciam, cresciam, ou então, envenenados, estiolavam-se no estado definhado dos Épsilões.’ (p. 157)

‘Em mil e oitocentos biberões, mil e oitocentos bebés, cuidadosamente etiquetados, mamavam simultaneamente o seu meio litro de secreção externa pasteurizada.’ (pp. 157-158)

‘Linda morria acompanhada – acompanhada e com todo o conforto moderno. O ar era constantemente vivificado por alegres melodias sintéticas. Junto de cada leito, diante do ocupante moribundo, havia um recetor de televisão. Deixava-se funcionar a televisão, como se fosse uma torneira aberta, de manhã à noite. De quarto em quarto de hora o perfume dominante na sala era automaticamente mudado.’ (P. 209)

‘- Mas porque está ele proibido? […]

[…] Porque é velho, eis a razão principal. Aqui não temos o culto das coisas velhas.

- Mesmo quando são belas?

- Sobretudo quando são belas. A beleza atrai, e nós não queremos que as pessoas sejam atraídas pelas coisas velhas. Queremos que amem as coisas novas.’ (P. 229)

‘As pessoas são felizes, conseguem o que querem e nunca querem aquilo que não podem obter. Sentem-se bem, estão em segurança, nunca estão doentes, não receiam a morte, vivem numa serena ignorância da paixão e da velhice, não são sobrecarregadas com pais e mães, não têm mulheres, nem filhos, nem amantes, pelos quais poderiam sofrer emoções violentas, estão de tal modo condicionados que, praticamente, não podem deixar de se portar como devem. E se por acaso alguma coisa corre mal, há o soma, que o senhor atira friamente pela janela em nome da liberdade […].’ (p. 230)

‘Nosso Ford fez muito para tirar à verdade e à beleza a importância que lhe concediam, transferindo essa importância para o conforto e para a felicidade.’ (P. 237)

‘[…] apesar de tudo […] é natural acreditar-se em Deus quando se está só, sozinho, à noite, quando se pensa na morte…

- Mas agora nunca se está só […].

- Procedemos de forma que as pessoas detestem a solidão e dispomos a vida de tal maneira que seja mais ou menos impossível conhecê-la.’ (P. 245)

**(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)

*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de 'Ensaios de liberdade', 'Bem-nascido... Mal-nascido... Do 'filho perfeito" ao filho humano' e de 'Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg'

quarta-feira, junho 05, 2024

Uma espécie de manifesto cívico-político | Todos nós somos humanos, gerados de um pai e uma mãe

 Artigo publicado no Correio do Vouga e no site da Comissão Diocesana da Cultura | Aveiro

Quem é gerado de um homem e uma mulher não pode ser senão um humano, um filho de humanos, participante, por isso, da condição e da dignidade humanas!

Muitos são, porém, os que se propõem duvidar deste facto insofismável, gerando suspeitas em que se pretende sustentar leis e decisões que ofendem a humanidade que em todos os humanos ‘habita’.

Diante de um humano, uma sociedade que se quer humanizada não deve perguntar-se sobre como legitimar o seu fim ou a sua eliminação, mas preocupar-se em cuidar e criar condições para cuidar.

Esta é a matriz que se consolidou na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no seu preâmbulo, é clara na afirmação da anterioridade da dignidade em relação à própria liberdade. Isso mesmo defende, ao afirmar que «o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo» (DUDH, preâmbulo).

Hoje, porém, erguem-se nuvens e sombras sobre esta certeza em que ainda assentam as legislações dos Estados de Direito, que não deixam a norma dependente da arbitrariedade e das vontades oscilantes e manipuláveis, mas as fazem alicerçar-se no reconhecimento da inalienável dignidade que as liberdades devem respeitar.

Face aos sinais preocupantes de indiferença perante o dever de cuidar dos humanos mais frágeis (seja pela sua total dependência das suas mães, na fase intrauterina, seja pela particular vulnerabilidade decorrente da doença, idade ou deficiência), urge revisitar e reafirmar a certeza de que a afirmação da dignidade humana implica a defesa de que cada ser humano é merecedor de proteção, atenção e cuidado, seja qual for a sua condição, sem exceções nem dúvidas.

Urge recordar que a morte é irreversível, enquanto as condições, tantas vezes invocadas para a legitimar, são reversíveis.

Abortar é irreversível. Os motivos que o pretendem justificar são reversíveis, cabendo, por isso, às sociedades enfrentá-los e revertê-los. Justificar o irreversível por motivos reversíveis é inverter a hierarquia de valores que estrutura as sociedades europeias.

Praticar e legitimar a eutanásia é aceitar o irreversível perante condições sempre reversíveis, que deverão ser abordadas e encaradas para que em momento algum se peça o irreversível porque se descurou o reversível.

Executar a pena de morte é irreversível, enquanto a «cura» das feridas decorrentes de um ato injusto é processo possível e sempre do âmbito do reversível.

Todas as formas de morte provocada são atos irreversíveis, legitimados por decisões emotivas e que ocultam a verdade decorrente do reconhecimento da dignidade de cada ser humano, conquista lenta, mas que pensávamos estar consolidada.

Os sinais de retrocesso, nesta matéria, estão diante de todos, quando alguns pretendem levar à carta europeia dos direitos humanos a aceitação do aborto como se fosse um direito, para mais incidindo sobre um ‘bem’ que, por ser gerado por dois, não poderia jamais ser direito de um só; quando alguns forçam a veiculação de ideias de que a eutanásia possa ser ato lícito e respeitador da dignidade que deveria, afinal, tornar-nos invioláveis; quando se vislumbram sinais de progressiva legitimação da prática da morte e da tortura em nome do bem do Estado.

É por isso que os cidadãos, num exercício de verdadeira literacia política e cívica, na iminência das eleições europeias, devem interrogar-se sobre que Europa pretendem construir. Os sinais, tantas vezes sedutores, do individualismo que isola os sujeitos nos seus problemas, deixando nas suas mãos a solitária decisão de se extinguirem, não abrem o futuro, antes o esfumam e anulam. A Europa defendida pelos pais fundadores é, antes, uma Europa da solidariedade em que os problemas de uns são desafios para todos; em que a dor de uns pode ser diminuída pelo contributo de todos; em que o desespero de uns pode ser iluminado pela esperança de todos.

Abortar, eutanasiar, executar quem se opõe reduz a dignidade humana a condição disponível às vontades movidas por circunstâncias móveis e reversíveis. Olhar o outro como um tu, como um igual, como um humano, é a matriz em que assentam as leis de uma sociedade humanizada e humanizadora. Não podem, por isso, leis particulares ofender os pressupostos que a Europa diz defender.

Perante tais desafios, as eleições europeias são oportunidade para os cidadãos eleitores reafirmarem que não somos só ‘contemporâneos sobre um território e um tempo’, mas partilhamos um destino comum, porque todos humanos, todos filhos nascidos de um pai e uma mãe.

'Os Sete Dias da Criação' |4| Luís M. P. Silva 'O primeiro dia: a luz!'

  (‘Os Sete Dias da Criação’ | Rubrica dedicada ao diálogo entre ciência e religião) Artigo originalmente publicado na revista 'Mundo Ru...