domingo, março 23, 2025

Alberto Ferreyra | Mystérios lusitanos [contos - texto e locução] | 10 | Mistério nas catacumbas da Igreja de São Francisco

 

Mystérios lusitanos | A vinte e três (23) de cada mês, habitamos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra...

Alberto Ferreyra*




- J., já olhaste com atenção para esta linha? Parece um fecho sempre corrido? Como se alguém tivesse decidido unir dois lados do nosso país sem os poder dividir!

- É uma ideia gira, M. Como se o comboio pudesse, a qualquer momento, ser dotado do poder de o abrir ou fechar e dividir, para sempre, as duas partes aqui unidas…

- E o que aconteceria a cada uma das partes? Permaneceria no lugar ou partiria para lugar incerto?

J. e M. divertiam-se a fantasiar, enquanto se aproximavam do destino daquele dia de verão: a Igreja de S. Francisco. O pai ouvia e esboçava um sorriso de satisfação; divertia-o ouvi-los e saber que resistiam à doce sedução de se fecharem no mundo digital. O olhar deles distendia-se pelo horizonte, onde, juntos, corriam e imaginavam, sem nunca saírem do lugar mas sempre dele ausentes.

Tinha-lhes prometido regressar ao Porto, mal começassem as férias de Verão. Visitar a Igreja de São Francisco era intenção já várias vezes adiada. Chegara, porém, o momento.

Fizeram a pé o caminho que os levou de S. Bento à margem do Douro que se vê do sobrevivente braço direito do transepto da Igreja.

O rio corria, lento, como que respeitando a sacralidade daquele. O Douro parecia curvar-se, naquele trecho do seu leito. A beleza do lugar apelava ao respeito. - E se os humanos o não guardam, que o preserve a natureza! - Parecia dizer o rio, para se espraiar, algumas centenas de metros abaixo.

J., M. e o pai detiveram-se, durante longos minutos, no largo passeio em que se movem em corrente contrária, as águas de rio dos homens. Observavam e deleitavam-se a viajar pela memória de que falam a pedras.

Decidiram-se a subir.

M. foi a primeira, saltando, dois a dois, os degraus dos vários lanços.

Ao virar para o último lanço, estacou.

Nos primeiros degraus desse último percurso, uma mulher de lenço à cabeça e profundos olhos verdes, tinha uma placa com um mal-amanhado ‘português’ em que dizia necessitar de ajuda. Outros turistas subiam, com M.

Indiferentes!

M. deixou-se comover.

Sabia, porém, que, como tantas vezes lhe recomendava o pai, havia que ser prudente. O dever cristão de olhar a pessoa exigia, porém, não passar indiferente.

M. olhou, fixamente, aquele olhar, simultaneamente, sereno e firme. De um verde-esmeralda.

- Como se chama?

- Atanásia. – Disse o nome com um ligeiro sotaque de leste, como se a palavra não tivesse acento. – ‘Atanasia’!

- Tem fome? O que posso dar-lhe é um pacote de bolachas que trago para a merenda.

- Metadi… Metadi… Guardi para si, minina… Podi precisar ou outros.

Havia respeito recíproco, naquela generosidade mútua.

- ‘B’igado, minina. Minina boa…

M. aproximou o rosto de Atanásia, segredou-lhe algo ao ouvido, deu-lhe um suave beijo na testa e partiu. Atanásia correspondera com um leve abraço em que mal tocou no seu casaco…

Ao chegar ao cimo das escadas, regressou, com o olhar, àquela pedinte de nome invulgar. O olhar adquirira o brilho de quem deixou de ser invisível…

O pai assistira, do fundo dos degraus. Estava feliz com o que via brotar do coração da filha.

- És um bom coração, M.. Mas tem cuidado, pois as intenções não estão em papel escrito, nem se afixam nas sobrancelhas dos rostos.

- Só quis que sentisse que alguém olhou para ela como pessoa, que deixasse de ser transparente. ‘Esta menina olhou para mim’, pareceu sentir e por isso me chamou ‘Minina boa’. Vi que ficou feliz.

O seu silêncio era de anuência e regozijo interior.

Entraram na Igreja.

Um ‘ah’ invadiu-lhes a alma, pois o silêncio impunha-se, nos lábios.

Inebriava o brilho da talha dourada, que o guia explicara ter ali três fases, do ‘nacional’, ao ‘joanino’, até ao rococó.

- ‘Rococó’ faz pensar que seja um estilo com marca de galo. – gracejou M.

- Pois fica sabendo que, sendo o galo um símbolo francês, nem estás muito longe do significado real, pois rococó é um estilo que deve o seu nome a uma palavra francesa, ‘rocaille’, que quer dizer ‘concha’. É um elemento decorativo sempre presente, neste estilo.

- Estás bem informado, J. Preparaste-te bem.

- Estou encantado, mas confesso-te que curioso por ver as catacumbas… Dizem que há, na sua conceção, marca de Nasoni, o arquiteto da Torre dos clérigos.

A curiosidade de J. rapidamente contagiou M., mas sem a distrair de contemplar, atentamente, a árvore de Jessé ou a perturbadora representação dos mártires de Marrocos, a cuja história tanto deve a mudança de Santo António para a ordem franciscana.

- O guia podia ter-nos deixado espreitar para o sarcófago medieval que está à entrada, à direita. Quem sabe se não víamos algum tesouro?! – Queixou-se M., enquanto desciam as escadas, em direção às catacumbas.

Antes de chegarem ao núcleo das catacumbas, passaram por lápides ainda sem datas, pedidas por irmãos que pretendiam um dia ali ser sepultados.

Avançaram para o espaço onde se encontravam, outrora, os túmulos sobre que se andava, mas que eram, agora, apenas, reminiscências de efetivos últimos lugares de repouso.

-Sabes, M., a ideia de cemitério tem mesmo a ver com dormir… A etimologia, isto é, a origem da palavra ‘cemitério’ alude à ideia de ‘cama’, lugar onde se dorme…

- Ideia curiosa, J. Estás sempre a surpreender-me… Mas o que quererá dizer este ‘N.C.I.’ que tantas vezes aparece?

- ‘Nosso Caro ou Caríssimo Irmão (ou Irmã)’.- Explicou o guia, enquanto M. e J., sempre orientados pelo pai, fotografavam sem parar cada um dos espaços.

- Reparo que muitas das datas são de um período curto…

- Uma peste afetou a população desta cidade, com enormes custos de vidas humanas, também entre os irmãos da ordem terceira.

- Li que o nome de ‘ordem terceira’ vem do facto de a primeira ser a que foi fundada por S. Francisco, para os frades, enquanto a segunda é a que foi fundada por Santa Clara, para as Irmãs Clarissas, sendo a terceira constituída por leigos que se sentiam identificados com a espiritualidade franciscana, mas sem serem frades nem freiras. – Comentou J.

- Muito bem! – Confirmou o guia. - Não vão sem ver as belas esculturas de Teixeira Lopes…

Havia vida naquelas estátuas. Uma mãe com um filho pequeno, nu, de costas, agarrado ao seu pescoço, parecia ter acabado de ser esculpida. Havia como que um latejar de sangue naquela pedra… E o olhar compadecia.

Ah, como M. se compadeceu daquela mãe! Quase lhe apetecia dar-lhe a outra metade de bolachas que lhe sobrara…

Regressaram a casa.

No sofá, enquanto os pais ultimavam o jantar, J. e M. percorreram as centenas de fotos de um dia em cheio. Riam, gargalhavam, comentavam.

Subitamente, um silêncio tomou-os de assalto.

O pai e a mãe estranharam…

- Está tudo bem? – Perguntaram.

O silêncio fê-los ir verificar.

J. e M. estavam brancos, ao olhar para uma das fotos.

Fora captada nas catacumbas, num dos túmulos.

Tinha uma inscrição em que se registava

 

Alberto Ferreyra

N. C. I.

Falecido em 15 de janeiro de 2025

 

Se Alberto Ferreyra tinha sentença de morte para breve, também eles teriam a vida penhorada e de fim previsivelmente determinado.

 

Alberto Ferreyra interrompeu o que estava a escrever.

Não lhe agrada o rumo que o conto está a tomar.

Era sedutora a linha do enredo: criar um mistério em torno de umas catacumbas onde nas fotos se capta o destino de alguém parecia ser fecunda trama para enredo de sucesso.

Mas o imaginário de Ferreyra não era fatalista. Nas suas histórias, o destino construía-se no encontro entre liberdades, entre a liberdade da criação e a liberdade do Criador. Não podia prosseguir com aquela linha. E que seria, afinal, das suas personagens, se um tal destino, à maneira trágica dos gregos, se concretizasse?

 

J. e M. baloiçam as suas pernas sobre o umbral do tempo. Aguardam que o seu criador se decida a retomar o enredo, ansiosos com o desfecho. Percebem as dúvidas de Ferreyra. O rumo daquela narrativa era inquietante e desvirtuava o imaginário de Ferreyra nos seus leitores. As personagens de Ferreyra não são fantoches nas mãos de um destino sem liberdade.

J. e M. olham para o infinito abismo, enquanto esperam…

 

Ferreyra riscou as últimas linhas do que escrevera.

 

No sofá, enquanto os pais ultimavam o jantar, J. e M. percorreram as centenas de fotos de um dia em cheio. Riam, gargalhavam, comentavam.

Subitamente, um silêncio tomou-os de assalto.

O pai e a mãe estranharam…

- Está tudo bem? – Perguntaram.

O silêncio fê-los ir verificar.

J. e M. estavam brancos, ao olhar para uma das fotos.

Fora captada nas catacumbas, num dos túmulos.

Tinha uma inscrição em que se registava:

 

Alberto Ferreyra

N. C. I.

Falecido em 15 de janeiro de 2025

 

 

J. e M. estão, refastelados, no sofá, vendo as fotografias de um dia único, enquanto os pais preparam o jantar. Riem, gracejam, divertem-se a ver as fotos. Lembram Atanásia…

M. ajeita-se, no sofá, quando dá conta de que o seu bolso guarda qualquer coisa. A sua mão retrai-se, ao tocar no que ali se esconde. Volta a tentar. É uma crisálida. Um novelo da qual parece estar prestes a brotar uma bela borboleta.

- Como foi aí parar? – Pergunta J.

- Só pode ter sido Atanásia, quando me deu o abraço.

O pai tinha, entretanto, saído da cozinha, abeirando-se deles. Observava, com perplexidade, aquele momento.

- Disseste ‘Atanásia’, M.? Curioso nome. É de origem grega e significa ‘não-morte’, ‘imortal’… - O pai de M. e J. estudara línguas clássicas, fascinando com as suas explicações os seus sempre curiosos filhos. – Vi que, quando a beijaste, também lhe segredaste alguma coisa.

Disse-lhe que via, nos verdes olhos de esmeralda dela sonhos ainda não realizados. Disse-lhe que os alimentasse.

- Parece, afinal, M., que quem tem maior segredo a concretizar és tu. A crisálida que te deixou é um sinal. A borboleta sempre representou a alma, a imortalidade. Olhaste e viste o que outros deixam escapar, desviando o olhar. Que viagem, esta…

J. e M. estavam perturbados. M. revivia aquele breve com Atanásia, em que o tempo alongara, como se num buraco de verme… E, agora, o desvendar do significado do nome e a descoberta da crisálida deixavam-na atónita…

Continuaram a viagem feita de fotos e mistérios.

A contenção provocada pela surpresa voltara, pouco a pouco a dar lugar a novas gargalhadas e entusiasmos.

Subitamente, porém, criou-se um silêncio ensurdecedor que surpreendeu os pais…

- Está tudo bem? – Perguntou o pai, que logo assomou à porta da cozinha.

A ausência de resposta fê-lo perceber que algo intrigante voltara a acontecer.

Encaminhou-se para os filhos. Tinham parado numa foto do interior das catacumbas. Foto de um dos túmulos.

Nela, havia apenas uma inscrição:

 

Alberto Ferreyra

C.O.F.D.S.O.

 

Ninguém parecia querer quebrar o silêncio, de tão atónitos…

Mas J. arriscou.

- Sabemos que N.C.I. quer dizer ‘Nosso Caríssimo Irmão’, mas o que significará ‘C.O.F.D.S.O.’? – Interrogou.

M. olhava, ainda lívida, para aquela foto.

Como poderia desvendar aquela sigla?

A perplexidade deu lugar à curiosidade.

- Vamos continuar a ver as fotos. Quem sabe se se desvenda o enigma com alguma pista. – Aventou J.

- Tenta ver numa das lápides que ainda não tinham data de falecimento, solicitadas pelos irmãos que queriam vir a ser ali sepultados…

Entre as fotos, a de uma lápide que só registava Is 3,10.

Foram vasculhar…

-‘Feliz o justo, porque terá o bem, comerá o fruto das suas obras.’ Diz a passagem do livro de Isaías. – Constatou J.

- ‘Comerá O Fruto Das Suas Obras’. – Repetiu M., como que a querer interioriza-las, à maneira de um suave rumor, as palavras do profeta.

- É este o verdadeiro destino dos homens: comer o fruto das sementes que lançam. Terás lançado boa semente no coração da Atanásia, M.

- Acho, antes, que foi Atanásia que as deixou no coração de todos nós. – Concluiu o pai.

 

Ferreyra está satisfeito com o desfecho da história. A data da sua morte já não é um destino previamente talhado, mas permanece um futuro a construir.

Uma sombra, porém, assomou ao seu espírito: porque estava o seu nome num dos túmulos das catacumbas? Haveria um outro autor a decidir sobre a sua vida? Aquele que o coloca a falar na terceira pessoa?!...

Intrigado, desligou o computador. Antes do último fulgor da corrente, dali saiu uma borboleta de cor verde que poisou sobre o lado direito do ecrã. Agitou, docemente, as asas e voou pela janela, levada num abraço do vento…

Lu……..

Alberto Ferreyra

16 de janeiro de 2025


 


*Alberto Ferreyra diz que as suas letras habitam a mente e saem da mão de alguém nascido em terras gaulesas, ainda que afirme, em sussurro, que o seu real nascimento ocorreu nas margens do Antuã, em abril de 2024. É, por isso, um prematuro autor literário, germinado da inspiração que a realidade proporciona quando se tem a companhia, nos livros, de génios como Jorge Luis Borges, Miguel Torga, Gabriel García Marquez ou personagens como Poirot ou Padre Brown.
 
Na sua escrita, cruzam-se o real e o imaginado, o fictício e o histórico, numa embrenhada teia em que o leitor continua a ler, mesmo já depois de fechado o conto. O real continua a fecundar histórias na mente de quem lê Ferreyra. Cada conto, feito dos mistérios desvelados, aproxima o tempo e distancia o espaço, esticando-o até ao eterno e ao infinito. Ao ler Ferreyra, faz-se 'silêncio' ('mystério' alude à etimologia grega da palavra, que remete para o 'fazer silêncio', 'emudecer-se'...) para que possam ecoar as palavras, para que possa desenovelar-se o enredo sucintamente desvelado.
 
J. e M., protagonistas de cada um dos contos, acompanhados, em alguns deles, pelo seu periquito 'branquinho', fazem emergir, do real em que se enredam, histórias que, nascendo da imaginação de Ferreyra, permanecem como realidades possíveis, deixando a suspeita de terem mesmo ocorrido.
Se não foi real, Ferreyra o criará, inspirado numa cosmovisão que tanto deve àquela religião que fez do encarnado a condição fundamental do existir.
 
A vinte e três (23) de cada mês, habitaremos o mundo pelo imaginário de Alberto Ferreyra...

terça-feira, março 18, 2025

O insubstituível papel do cristianismo. Superando o outro ‘erro’ de Descartes.

 

Artigo publicado na Agência Ecclesia

 

E se os desafios de hoje puderem ser iluminados pelos dos primeiros tempos do Cristianismo?

 

A história e os tempos são únicos e irrepetíveis. A permanência, porém, das inquietações humanas, permite revisitar, amiudadamente, as soluções que, vez após vez, se vão revelando insuficientes, como é próprio da condição humana na história. Por este motivo, é necessário manter o olhar atento e vivo, desperto para todas as soluções que se apresentem como ‘fim da história’ e o definitivo resolver dos elementos de tensão próprios da condição humana.

Em tudo o que somos, há uma dualidade. Dualidade responsável pelas situações de tensão próprias do existir. Colocam-nos em condição de ‘crise’ constante.

Perante a dualidade não pode resultar, porém, a cedência à tentação do dualismo que tem a pretensão de resolver esta tensão, reduzindo o humano a uma só das suas dimensões.

Recordava, com sábia leitura, Viktor Frankl, o criador da logoterapia e pensador luminoso, infelizmente, ainda pouco lido entre nós (mas merecedor de uma tese de doutoramento por parte do eminente bispo de Bragança-Miranda, D. Nuno Almeida), cujas conclusões foram fermentadas na dura experiência de quatro campos de concentração por que passou, que a tentação é, muitas vezes, a de reduzir o humano ao ‘não mais do que’: ‘O niilismo de ontem ensinava o «nada». O reducionismo de hoje prega o «não é mais do que» […] há diferenças dimensionais que o reducionismo ignora e minimiza. (Viktor Frankl, A voz que grita por um sentido, p. 57.) [1]

Esta tentação teve um particular impulso, ao longo da era de que ainda não teremos, definitivamente, saído (ainda que seja possível sentir o emergir do paradigma ‘pós-moderno’, que se caracteriza pela volatilização da razão e a prevalência da sensibilidade e do afeto), designada como ‘modernidade’. Entre os contributos mais marcantes para este impulso está, certamente, o de Descartes.

Para um leitor menos avisado, poderá parecer que estou a ir demasiado longe, ao invocar o pensamento de um autor dos já longínquos séculos XVI e XVII… Valerá a pena, porém, lembrar que, de algum modo, hoje, os nossos legisladores e, afinal, todos nós, são (somos), de algum modo, discípulos de Descartes.

E sê-lo-emos por um de dois motivos: pelo seu dualismo ou pelo seu individualismo solipsista.

António Damásio, no seu célebre e oportuno ‘erro de Descartes’[2], identifica no dualismo cartesiano o seu erro fundamental. E concordo que essa é parte de um diagnóstico a reter, ainda que a valorização da dimensão emocional, que Damásio parece sustentar como a escolha alternativa, não me mereça igual subscrição. Mas vale a pena reter a ideia de que o dualismo é uma das suas marcas e que ainda hoje a notamos, entre nós.

Ousaria, porém, acrescentar um outro erro.

Descartes adota um modus cogitandi (um modo de pensar) que ainda hoje temos, entre nós. Descartes anda em busca de ‘ideias claras e distintas’, puras, isoladas da história. Essa sua busca fá-lo procurar uma primeiríssima certeza que ele encontra e sintetiza no seu lapidar ‘cogito’: ‘penso, logo existo’. A primeira certeza do sujeito cartesiano é a de que pensa e, por isso, existe. O outro, os outros, são, assim, acidentais e acessórios para a definição da identidade do sujeito cartesiano.

O sujeito cartesiano (e, com ele, o que pensam os discípulos de Descartes) é autossuficiente, pensa-se prescindindo dos demais.

 

Regressar às fontes cristãs: a certeza de que o gnosticismo não vence…

 

Paremos, aqui, momentaneamente, a nossa reflexão para introduzir um elemento da história recente que cruzaremos com o percurso reflexivo feito até aqui.

Em 2022, o Papa Francisco proclamou Santo Ireneu de Lyon como Doutor da Igreja, com o título de ‘doctor unitatis’ (‘doutor da Unidade’). Francisco sabe quanto significa esta escolha. Uma das principais batalhas de Santo Ireneu, em finais do século II, tem muito em comum com os traços da atualidade. Na sua obra mais conhecida, ‘Adversus Haereses’, Ireneu enfrenta os desafios do gnosticismo, poderoso modo de pensar que foi, qual hidra, emergindo na história de um e outro modo. Então, como hoje, o humano ficava reduzido ao anímico e o corpo parecia ser prescindível, não fazia parte da identidade… Veja-se como pensam a ‘teoria de género’ ou os diversos transumanismos que se propõem reduzir o humano à sua ‘alma’, ao seu ‘pensamento’. O corpo, nesta visão, nada é… Agora, como outrora! E, agora, como outrora, o corpo, reduzido à condição de não essencial, fica ‘imune’ à abordagem ética: tudo pode fazer-se sobre ele, pois não estará em causa o humano.

Perante a sedução gnóstica, Ireneu foi contundente: ‘A glória de Deus é o homem vivente’ (Santo Ireneu de Lyon, Adversus Haereses, 20,7[3], evidenciando que é a unidade corpo-alma que reflete a bondade da criação e não, apenas, uma parte das duas. Aliás, toda a escatologia cristã evidencia e sustenta-se neste princípio ‘encarnação’, sem o qual não temos o homem todo, ‘alvo’ da salvação com que Deus brinda a sua criação.

Os tempos [em] que vivemos pedem, por isso, que correspondamos ao desafio conciliar, ainda não totalmente cumprido, de ‘[…] um contínuo regresso às fontes de toda a vida cristã’ (Perfectae Caritatis, 2)

- ‘E porquê?’ - Poderemos perguntar.

O Pe. José Miguel Cardoso, na sua muito aclamada tese de doutoramento, defendida em Roma e em boa hora editada em Portugal, responde a esta interrogação, sabendo-se que o assunto em análise, ali, são, precisamente, as matérias de escatologia: ‘Por que razão o período patrístico é crucial para toda a reflexão teológica (e escatológica)? Porque é o período que nos oferece o “alfabeto teológico”, cujas […] formulações iniciais determinarão todo o azimute teológico’[4]

Pede-se, por isso, que nos ‘alfabetizemos’, vez após vez, no ‘idioma cristão’ para que não percamos o norte, o azimute, quando o mundo parece desnorteado.

Mas – dizem alguns – com que legitimidade pode o cristianismo falar, quando tantos erros cometeram os cristãos, ao longo da sua história?

Nicolái Berdiáiev responde, com a ironia que perpassa toda a sua obra e que faz, tantas vezes, lembrar Chesterton: ‘Como pode condenar-se o cristianismo em função da indignidade dos cristãos quando ao mesmo tempo se repreendem os mesmos cristãos por faltarem à dignidade do cristianismo?’[5]

Talvez quem mais necessite de ouvir estas palavras de Berdiáiev sejam os próprios cristãos, tantas vezes titubeantes e inseguros sobre a qualidade do tesouro que lhes foi confiado…

 

Regressemos, mais seguros, ao ponto da reflexão sobre ‘Cartesius’.

 

Dizíamos que Descartes deixou uma longa sombra de dualismo, já sobejamente identificada e recordada por António Damásio. Mas identificámos um outro erro que se lhe pode apontar, não menor no grau de impacto sobre as convicções e axiomas em que assenta a modernidade que temos construído: o sujeito cartesiano parece ter nascido sem pai nem mãe. Fundando um solipsismo teórico, mas com profundo impacto sistémico, Descartes convenceu-nos de que a primeira certeza de que nos damos conta é da nossa existência, contrariando a nossa própria natureza de seres umbilicais. No centro do nosso abdómen, está a marca que Descartes quis ofuscar: o sinal inequívoco de que não nascemos de nós. O umbigo é a marca insofismável de que dependemos de um outro, na fase mais decisiva do nosso existir. Por isso, antes da certeza de que existimos, está a certeza de que existem os outros. Sem eles, nunca a potencial consciência que nos habita como possibilidade poderia tornar-se atual e efetiva. São os humanos que nos antecedem (os inúmeros ‘tus’ de quem herdamos a vida, a cultura, a língua) que criam as condições para que o ‘eu’ possa consciencializar-se de si.

Dessa condição de intrínseca indigência e relacionalidade do humano nos falam todos os mistérios cristãos e, entre eles, o da própria Trindade que diz que a natureza de Deus é Amor, isto é, o amor com que Deus se expressa não é um acidente, mas a expressão de Si Mesmo. E, sendo o humano criado à imagem e semelhança de Deus, é enquanto amor que o ser humano se realiza. Sendo o egoísmo o contrário do amor!... O pecado de Adão (o outro nome de toda a humanidade) que outra coisa é senão o solipsismo e a ilusão de se bastar a si mesmo?

Do cristianismo espera-se, por isso, que continue a ser, ainda que em contracorrente com a ilusão da solidão espelhada em si mesmo, a bússola do azimute certo: o de que só chegamos à meta, juntos. Não nos geramos a nós mesmos, não podemos pensar uma autonomia que dispensa os outros; verdadeira autonomia não é anomia e falta de referências, como se o sujeito isolado gerasse as leis e as normas, e o mundo começasse, então. A liberdade em que queremos sustentar as nossas sociedades é uma ilusão: a do solipsista que se concebe como absoluto e sem dependências. Isso é algo, mas não será, certamente, humano. Sem os outros, não haverá o eu, porque somos ‘pessoas’, seres racionais e relacionais, conceito gerado pelo cristianismo; uma dívida nunca saldada pelo mundo que não seria o mesmo se tal conceito não o tivesse criado esta religião que faz da relação o seu traço definidor. Somos enquanto somos com os outros. Morremo-nos na solidão e na ilusão de nos bastarmos.



[1] Viktor Frankl, A voz que grita por um sentido, Alfragide, Lua de papel, 2021, p. 57.

[2] António Damásio, O Erro de Descartes: Emoção, razão e cérebro humano, Mem Martins, Publicações Europa-América, 199818, pp. 253ss.

[3]  Sigo a tradução feita pelo saudoso biblista, Pe. Doutor Franclim Pacheco, em edição publicada em https://diocese-aveiro.pt/cultura/

[4] José Miguel Cardoso, Para uma escatologia sapiencial: A herança escatológica de Karl Rahner e Johann Baptist Metz, Braga, Livraria DM, 2023, p. 97.

[5] Nicolái Berdiáiev, Contra a indignidade dos cristãos: Por um cristianismo de criação e liberdade, Salamanca, Ediciones Sígueme, 2019, p. 134.

sexta-feira, março 07, 2025

Sabes, leitor... | 15 | Marca de água do livro de Enrique Rojas, 'O homem light'

 

Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’** | Marca de água de livros que deixam marcas profundas
Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura

Luís Manuel Pereira da Silva*

O autor e a obra
Enrique Rojas, O homem light: uma vida sem valores, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1994.

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Abundam, em língua portuguesa, os títulos da autoria de Enrique Rojas. Pela mão da mesma editora que nos garantiu ‘o homem light’, contam-se ‘O amor inteligente’, ‘Tu, quem és?’, ‘A conquista da vontade’, ‘As linguagens do desejo’, ‘Sonho de viver’, ‘Remédio para o desamor’, a que podemos somar ‘Uma teoria da depressão’ (Tenacitas), ‘Adeus depressão’ (Livros d’hoje), ‘Não te rendas’, ‘Vive a tua vida’, ‘Sos ansiedade’, ‘A vida não se improvisa’, estes últimos com a chancela da editora ‘Matéria prima’.

Une-os, como o fio que alinhava a dobra de um tecido, a ideia de que o ser humano é muito maior do que o seu presente, é muito mais digno do que aquilo que o materialismo (teórico e/ou prático) tem vincado e pretendido afirmar como verdade insofismável. Opondo-se a esta presunção da condição menor que se tem tornado ‘paradigmática’ (um paradigma em que todos assentam sem se interrogarem sobre a sua legitimidade ou pertinência), Enrique Rojas socorre-se da sua experiência de psiquiatra para, através de uma escrita clara e coerente, conduzir o leitor à descoberta de que a autêntica felicidade não é uma soma de pequenas alegrias, mas a convicção profunda e enraizada do sentido da vida. Ideia que Rojas vem difundindo pelos seus livros, mas também, enquanto pensador, ensaísta e conferencista, vem propondo nos mais diversos areópagos, em particular de língua espanhola (Rojas é espanhol, nascido em Granada), desde Espanha ao México, Argentina, onde vem publicando, seja pela via do livro, seja enquanto colaborador habitual na imprensa [ABC (Madrid), ‘Excelsior’ (México),  ‘El Mercurio’ (Santiago do Chile), ‘La Nación’ (Buenos Aires)]. É, ainda, o presidente de uma fundação fundada pelo seu pai, Luis Rojas Ballesteros, um muito prestigiado psiquiatra e professor catedrático de Psiquiatria.

Como se afirma, na apresentação deste Instituto Rojas-Estapé, o objetivo é ‘levar a psicologia e a psiquiatria à rua (livros e publicações)’. Percebe-se esse desiderato na obra de Enrique Rojas. O livro, na mão do leitor, é um guia de ‘sobrevivência’, não como um receituário inibidor da autonomia, mas como um ‘canivete suíço’ que apela à criatividade do seu utilizador.

 

Marcas de água 

(o que fica depois de se deixar o livro)

 

‘O homem light’ é um livro que revisito, frequentemente. Desde que o li, em 1996, regresso a ele e retomo, dele, ideias que se tornaram lastro para muitas navegações, como o que equilibra, no mar alteroso, o navio de grandes descobertas. Entre elas, a que se repercute no título. Como refere o próprio Rojas, no prólogo, este livro diz, logo à partida, ao que vai. A primeira frase predispõe-nos para o que vamos encontrar: ‘este é um livro de denúncia’.

Estamos anestesiados, inebriados com o bem-estar que a sociedade parece garantir-nos como seguro e para sempre. Mas o ser humano, feito de fragilidade, não é apenas isso. E, quando confrontado com os limites, desiste porque não se preparou. É que, à maneira dos produtos designados como ‘light’, o Homem contemporâneo vive iludido na sua autossatisfação. E, sob o efeito anestésico dessa ilusão, deixou de se inquietar com o que é importante, bastando-se com o que, imediatamente, lhe dá prazer e gozo. O ‘homem light’ é, assim, o ser humano que se pretende como o ‘café sem cafeína’, o ‘açúcar sem sacarose’, o ‘tabaco sem nicotina’. Pretende ‘ser-se’ sem ser quem é… E esse é o risco que Rojas vê na proposta societária atual: ao reduzir o ser humano ao hoje, ao agora, ao que dá prazer, ao que gera satisfação imediata, sem pretender o risco de ousar lutar por ideais ou de assumir compromissos que comportem sacrifício e esforço, o ser humano desfigura-se. A proposta de Rojas define-se pelo reconhecimento de que a condição humana genuína implica a aceitação de que a felicidade não é um objetivo e fim em si mesma, mas o resultado de uma vida ‘argumentativa e coerente’, uma vida com sentido, assente numa trilogia fundamental: ‘amor, trabalho e cultura’ sob o invólucro de ‘uma personalidade com um certo grau de maturidade e equilíbrio psicológico’ (p. 140).

O ‘homem light’ é, por isso, bem certo, um livro de denúncia (talvez a razão principal do seu sucesso editorial)… Mas é, também, um livro de proposta. E, na minha perspetiva, dado assentar numa antropologia sólida e bem estruturada, em que os vetores do tempo (passado-presente-futuro), e as dimensões da existência (corporeidade e espiritualidade) se encontram devidamente concertados, o livro merece leitura por uma outra e outra razão. Denuncia com pertinência, mas também propõe com coerência e novidade… Dezasseis capítulos de uma narrativa que deixará ao leitor o desejo de revisitação.

Não termino sem uma referência ao tradutor da edição que tenho em mãos. Virgílio Miranda Neves foi um eminente professor de Teologia Moral do Instituto Superior de Teologia de Coimbra que, nos tempos em que foi docente naquela instituição superior entretanto extinta, deu mostras de fina inteligência que se repercute na tradução aqui apresentada.

 

Na mesma página que o autor (citações)

‘Assim como nos últimos anos entraram na moda certos produtos light – o tabaco, algumas bebidas ou certos alimentos -, também se foi gerando um tipo de homem que poderia ser qualificado como o homem light.

Qual é o seu perfil psicológico? Como poderia ser definido? Trata-se de um homem relativamente bem informado, porém com escassa educação humana, entregue ao pragmatismo, por um lado, e a bastantes lugares comuns, por outro. Tudo lhe interessa, mas só a nível superficial; não é capaz de fazer a síntese daquilo que recolhe e por conseguinte, foi-se convertendo num sujeito trivial, vão, fútil, que aceita tudo mas que carece de critérios sólidos na sua conduta. Nele tudo se torna etéreo, leve, volátil, banal, permissivo. Presenciou tantas mudanças, tão rápidas e num tempo tão curto, que começa a não saber a que ater-se ou, o que é o mesmo, faz suas afirmações como ‘tudo vale’, ‘tanto faz’ ou ‘as coisas mudaram’.’ (pp. 7-8)

‘O homem light não tem referências, perdeu o seu ponto de mira e encontra-se cada vez mais desorientado ante as grandes interrogações da existência.’ (p. 11)

‘Como diz Julian Marías, o ser humano necessita de uma «hierarquia de verdades» que crie o subsolo no qual assentem as ideias, crenças e opiniões fundadas na autoridade, as «opiniões contrastadas» que vamos recebendo e essa sabedoria especial e profunda que constitui a experiência de vida. Sobre esta variada gama de verdades se sustenta a nossa existência e entre todas elas se estabelecem umas relações recíprocas, complexas e enredadas, muitas vezes difíceis de investigar, e entre as quais se articulam conexões presididas pelo que foi e é a nossa vida em concreto.’ (p. 20)

‘O ocaso dos valores supremos é um dos dramas do homem actual, porém como este necessita do mistério e da transcendência, cria outros que, de alguma maneira preencham esse vazio em que se encontra. Aparecem assim aqueles já mencionados no curso destas páginas: hedonismo e o seu braço mais directo: consumismo; permissividade e o seu prolongamento: subjectivismo; e todos eles unidos pelo materialismo.’ (p. 24)

‘A informação converteu-se num rio de dados e notícias, mas o importante é saber captar o que flui debaixo dele. Quando alguém se esquece do substancial, perde-se no anedótico. Diante de tantas notícias negativas, desgraças colectivas ou pessoais, o ser humano torna-se insensível e imuniza a sua pele qual mecanismo de defesa ante o aluvião que o arrasta.’ (p. 26)

‘[…] o amor verdadeiro torna o homem mais humano, transforma o seu passado e ilumina o seu porvir; é uma síntese de ingredientes físicos, psicológicos e espirituais.’ (p. 49)

‘[…] o consumidor de zapping comunga com tudo e não se identifica com nada, o que representa a entronização do individualismo mais atroz.’ (p. 65)

‘O light leva implícita uma verdadeira mensagem: tudo é ligeiro, suave, descafeinado, leve, débil e tudo tem um baixo teor calórico; poderíamos dizer que estamos ante o retrato de um novo tipo humano cujo lema é tomar tudo sem calorias. […] A vida light caracteriza-se pelo facto de tudo estar descalorizado, carecido de interesse e já não importa a essência das coisas, sendo cálido só o superficial.’ (pp. 66.67)

‘Que fazer? Há que lutar para vencer a vida light, porque esta conduz a uma existência vazia; e voltar a recuperar o sentido autêntico do amor à verdade e da paixão pela liberdade autêntica.’ (p. 70)

‘O homem actual está descontente porque perdeu a bússola, o rumo, e sente-se bastante vazio. Fomos fabricando um certo tipo de homem cada vez mais débil, inconsistente, que flutua num constante sem-sentido.’ (p. 85)

‘A toxicodependência é a expressão permanente do mito de ambrósia: aquela substância que ao ser tomada pelos deuses, os tornava imortais sem esforço algum.’ (p. 106)

‘Numa palavra trata-se de regressar ao homem espiritual capaz de descobrir todo o belo, nobre e grande que há no mundo e de procurar lutar para o alcançar.

Saber que a perda de todo o paradigma, em nome de uma mobilidade relampejante e climatizada não conduz à felicidade. Esse não é o caminho, mas sim aquele de escapar ao culto da novidade, que tanto embriaga a pessoa light e nos mostra outra série de valores muito diferentes dos perdidos. Mais ainda, a religião chega a ser o novo, como necessidade do final do século em decadência que precisa duma renovação profunda e forte. Esta nova moral individualista, por encomenda, subjectivista, em que se escolhe o que se gosta e se recusa o que é exigente, está construída sobre umas bases amorais, onde existe a liberdade ilimitada de fazer o que cremos conveniente sem daí advir nenhum tipo de culpa pessoal, já que isso neurotiza.’ (p. 138)

‘A felicidade nunca é uma oferta, há que conquistá-la e moldá-la com ilusão. […] Alinham-se […] na felicidade verdadeira, a coerência, a vida como argumento, o esforço para que se manifeste o melhor que carregamos dentro de nós e a fidelidade. Cada ingrediente fixa e sustém o que para mim é a chave que a alimenta, essa trilogia composta de amor, trabalho e cultura. E o seu invólucro: ter uma personalidade com um certo grau de maturidade e equilíbrio psicológico.’ (p. 140)


**(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)

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