Começo por partilhar uma inconfidência. Ponderei
muito sobre se deveria publicar este texto. Confesso ter resistido a algum
medo, mas, após prolongada indecisão, decidi-me pela sua publicação, em nome da
verdade e da liberdade. Não lutámos pela liberdade (que liberdade, enfim?) para
sucumbirmos aos que a dizem defender. Por isso, o texto viu a luz do dia…
Proponho-me problematizar os ditos direitos LGBTi+,
num tempo tão marcado pela irreflexão e pela vertigem que a todos parece
avassalar.
Nenhuma
violência sobre inocentes pode ser aceite!
Importa começar por deixar muito claro que repudio
qualquer forma de violência. Qualquer forma de violência é manifestação de
incapacidade de diálogo, de reflexão, de abertura à discussão crítica, sendo exercício
de prepotência sobre o outro. A violência sobre o outro inocente deve merecer
toda a contestação e recusa.
Inclui-se nesta minha recusa a que for motivada
pelas escolhas pessoais de qualquer natureza.
Bem certo que o princípio enunciado não implica a
impossibilidade da discussão sobre as escolhas. Aceitar a pessoa não implica,
necessariamente, aderir às suas escolhas. Esta é uma distinção para mim muito
clara, desde sempre. Acolher a pessoa não tem de implicar acolher todas as suas
opiniões e escolhas. Pelo contrário.
Ter bem claro que o dever de acolher toda a pessoa
não implica aceitar todos os seus comportamentos e escolhas é um princípio
basilar de todo o Estado de Direito. É a esta luz que se sustenta, por exemplo,
que o crime não apaga a dignidade do humano que é criminoso.
Definidos pressupostos para mim incontestáveis,
passo à segunda parte desta reflexão.
Todos os
desejos são direitos?
Considero que, na discussão sobre os direitos ditos
‘LGBTI+’, há, para além de uma indefinição sobre aquilo de que estamos a falar
(Parece-me que, muitas vezes, estamos a envolver a recusa legitimíssima da
violência sobre os que se definem como LGBTI+ num emaranhado que pretende
chegar a outros fins, tomando como violência a simples discussão honesta e
racional), um pressuposto que ouso denunciar. Há, na afirmação sobre direitos
LGBTI+, uma demasiado rápida identificação entre desejos e direitos. Dizendo de
modo simples… Nem todos os desejos são, necessariamente, direitos. O meu forte
desejo de possuir algo que pertence a outro não me constitui, só por si, em seu
proprietário. Há que reunir condições para que o meu desejo se configure num
direito. E a condição fundamental, como veremos, adiante, é respeitar a justiça.
O caso mais evidente de confusão entre desejos e
direitos é o que se refere ao ‘direito ao filho’, por parte das uniões
homossexuais.
Antes de avançarmos na discussão, importa tomar
consciência de que, no caso português, as uniões homossexuais representam menos
de 2% do total dos casamentos realizados. Segundo números do Pordata, em 2018,
de um total de 34.637 casamentos, só 607 foram uniões homossexuais,
representando menos de 2%, sendo que já estamos longe do universo de 103.125
casamentos realizados em 1975. Estamos, por isso, a falar de uma minoria
efetivamente com grande poder reivindicativo e de influência.
Há um
direito ao filho?
Regressemos à questão do ‘direito ao filho’.
Importa começar por perguntar se há um direito a
ter filhos.
A resposta, honesta e situada no âmbito de um Direito
puro, preocupado com o rigor racional, não pode ser senão que ‘não há um
direito a ter filhos’. Os filhos não são um direito. Se o fossem, seriam
reduzidos à condição de um bem que se possui e que decorreria de um direito
anterior a eles próprios. Na verdade, colocar o problema assim inverte a
natureza do filho como pessoa e como ser portador de uma dignidade inviolável.
Pelo contrário, o filho é anterior ao próprio Direito (ius), que se configura
como uma estrutura tutelar que o protege. Dizendo de outro modo. O filho existe
e é porque existe que é necessário que o Direito o proteja. Ele existe e
constitui-se como um dever para os pais que têm o direito – isso sim – de não
serem impedidos de gerar os seus filhos.
Repare-se como tudo fica invertido.
A esta luz, a factualidade do ser que emerge da
relação, o filho, é anterior ao direito de o possuir. E é por isso que todo o Direito
internacional sublinha que toda a reflexão a fazer sobre os filhos deve
acautelar o ‘superior interesse da criança’. O centro é o filho.
De forma límpida, poderemos dizer que o filho
acontece e o Direito protege-o.
Se fosse de outro modo, se o filho fosse um direito
dos pais, então, teria de se concluir que era inconstitucional ter de pagar qualquer
tratamento para poder ter filhos. E o Estado teria de garantir todas as
condições para que todos pudessem ter filhos.
Ninguém arriscou alguma vez afirmar tal coisa. E
porquê? Porque, intuitivamente, todos percebemos que os filhos não são um
direito. São anteriores ao direito de os ‘possuirmos’, pois tal torná-los-ia
‘coisas’.
O que é a
justiça? E o que é justo? Toda a lei é justa?
Juntemos a esta reflexão um outro dado relevante.
Como deveremos definir o que é justo, o que é a
justiça?
Sim, porque toda a lei deve procurar servir a
justiça, sob pena de, ao reconhecer como sendo um direito algo que não o é,
estar a cometer uma injustiça.
Recolhamos a definição clássica de justiça proposta
por Ulpiano (jurista romano do século II-III d.C.). Uma definição clássica
trazida à discussão no âmbito do Direito. ‘A justiça é a vontade firme e
constante de atribuir a cada um o que lhe é devido’.
Ora, aplicando à união homossexual esta definição,
cabe perguntar se é devido, a uma união incapaz de gerar, um bem que já vimos
que não se pode considerar ‘coisificável’, e por isso, atribuível a alguém. A
resposta a tal pergunta não pode ser senão que não é devido, pelas duas razões
já enunciadas: por um lado, o filho não é um direito de alguém (emerge, de
forma natural, de uma relação que reúne as condições para que ele seja gerado)
e, por outro, só por uma arbitrariedade do legislador é que esse bem que,
afinal, não é um direito atribuível, pode ser considerado ‘devido’ a uma união
que, sem essa arbitrariedade, nunca o possuiria.
O legislador, ao atribuir a alguém (neste caso, a
uma união em que o filho não pode jamais acontecer, de forma natural),
arbitrariamente, um direito que não é devido, comete uma injustiça. E, talvez,
por esta sensação de injustiça, tantos continuem a contestar o reconhecimento
do estatuto de ‘casamento’ à união homossexual, por, ao casamento se associar a
possibilidade dos filhos, cenário só possível por via deste ‘artificialismo
jurídico’ acima descrito.
O Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos e o ‘casamento homossexual’
Importa afirmar, ainda, que a minha reflexão não
está mal acompanhada. (Sugiro, para quem queira consubstanciar melhor uma
leitura estruturada sobre esta matéria, a leitura do livro de Gabriele Kuby,
«Revolução sexual global», recentemente publicado pela Editora Principia.)
Em 16 de março de 2010, o constitucionalista Jorge
Miranda sustentava que o reconhecimento da união homossexual como casamento era
desconforme à Constituição. Uma conclusão que vai no mesmo sentido de decisão
do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Como já recordei em outros artigos,
«este Tribunal veio, em 9 de junho de 2016, afirmar, inequivocamente, que a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem não reconhece que o casamento
homossexual seja um direito humano e, por isso, não obriga nenhum Estado a
abrir o direito ao casamento a um casal homossexual. É, ainda, mais
interessante esta deliberação porque confirma anteriores decisões que vão no
mesmo sentido, de 24 de junho de 2010, de 16 de julho de 2014 e de 21 de julho
de 2015, sendo que a deliberação de junho de 2016, reconhecida como definitiva
em 9 de setembro, teve a aprovação dos 47 juízes que compõem a Câmara que
assumiu tal posição.» Para algum leitor mais curioso, deixo aqui o link para
que possa confirmar a verdade destas afirmações:
http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-163436.
No mesmo sentido, para quem possa, ainda, entender
que esta minha posição é destituída de cabimento, bastará ler com atenção o que
afirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 16º, quando
fala sobre esta matéria, de acordo com a tradução constante do Diário da
República Eletrónico (lido em 3 de janeiro de 2020):
«1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o
direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça,
nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução,
ambos têm direitos iguais.
2.O casamento não pode ser celebrado sem o livre e
pleno consentimento dos futuros esposos.
3.A família é o elemento natural e fundamental da
sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado.»
Valerá a pena perguntar o que quer dizer este
documento quando afirma ‘o homem e a mulher têm o direito de casar’? Ou o que
quer afirmar-se quando se diz que ‘a família é o elemento natural’?
Muitos dirão que a declaração já é de 1948 e que
está datada.
Assim também poderá dizer-se em relação aos
direitos de autor, por exemplo, num tempo de internet. E, porém, não só não se
contesta o direito como se criam diretivas muito apertadas para o proteger.
Que interesses servem, então, este combate cego
contra a família?
Porque se quer considerar que quem defende a
família natural é conservador ou radical?
Como foi possível que tão poucos conseguissem mudar
o que devia ser óbvio para todos?
Estado de Direito
ou Estado de quem tem o poder?
Deixem-me trazer um pouco de emoção a um texto tão
racionalmente organizado.
Todos nos emocionamos com quem fica órfão. Como
não?
Que não tem, entre os seus amigos, entre os seus
mais próximos, alguém que perdeu o pai, ou que perdeu a mãe ou, ainda mais
dramaticamente, ambos?
O pai ou a mãe ausentes deixaram uma marca
inapagável. Sobreviveu-se, mas a ausência permaneceu marcada.
A aceitação jurídica da adoção de um filho por uma
união homossexual é um decreto de orfandade legitimada pela lei. E isso o
Estado nunca deveria acolher, em nome do superior interesse da criança. Porquê
dar-lhe apenas uma parte quando pode ter o todo?
Importa distinguir…
Que os adultos queiram unir-se numa união com direitos
salvaguardados deverá merecer análise e ser tutelado pelo direito. Daqui não
deveria, porém, ter-se pretendido equiparar a outra união da qual decorre a
descendência e que, em seu nome e para seu benefício (da descendência), deve
ter condições diversas.
Fora disto, o Estado de Direito transforma-se num
Estado Arbitrário. O primeiro passo para os totalitarismos.
Quem não sente, já, o seu suave odor?