A vertigem das nossas vidas
tornou-nos surdos e incapazes de ouvir. Por desejo de segurança, procuramos
defesas que nos dêem a ilusão de protecção e confiança ou bastamo-nos com os
chamados «soundbites» da televisão. Paramos pouco para escutar e para nos
dispormos a acolher a verdade que o outro possa ter a dizer-nos. Paradoxalmente,
tal contexto tornou a nossa época, que se pretende moderna e definida pela
centralidade da razão e da ciência, particularmente vulnerável ao preconceito.
Para confirmar esta constatação, basta-nos ouvir as discussões políticas.
Raramente a análise é baseada na busca da verdade, do bem comum, de valores
aceites por todos. Pelo contrário, estrutura-se sobre o preconceito que temos
sobre o outro. Ou porque é de direita; ou porque é de esquerda; ou porque é
PSD; ou porque é PS, ou Comunista; ou Católico; ou Ateu… Os rótulos escolhidos
para sossegar e reconfortar o discurso multiplicam-se. E a discussão raramente
chega a algum lado, ficando a perder, antes de tudo, a verdade. Parafraseando o
evangelho, «a verdade vos libertará»… do preconceito. Já o grande Rahner,
figura maior da teologia do século XX, afirmava, no seu célebre «curso
fundamental da fé» e citando Hegel, propor-se fazer o «esforço do conceito»,
certo de que só esta humildade de quem se sabe um «buscador» eterno da verdade
é que pode dispor-se a ouvir o outro, acolher o muito que a experiência dos demais
possa trazer de positivo ao seu próprio saber.
Não deixo de sentir alguma
perplexidade quando constato a facilidade com que se destrói a vida de alguém,
sobre quem se emitem afirmações gratuitas, muitas vezes sem qualquer
conhecimento real de quem seja. Infelizmente, se, entre o marulhar das ondas
estivais, nos dedicarmos ao reconhecimento de quantas situações deste teor
verificámos, ao longo deste ano, o tempo de férias deixará, seguramente, de ser
de sossego, para nos provocar inquietação de alma. Cada preconceito cultivado,
cada maledicência em que participámos, contribuiu para a morte social de
alguém. E isso não pode deixar-nos sossegados. É extraordinário, se não fosse
paradoxal, verificar que este mesmo tempo de tantos progressos, e que se dispõe
a acabar com todos os obscurantismos, tenha tanta dificuldade em fazer o
esforço da discussão baseada na busca da verdade, procurando formular conceitos
e não embarcar no que é menos do que conceito e, por isso, «pré-conceito». Já
dizia o físico Einstein, que «é mais fácil desintegrar um átomo do que um
preconceito».
A sociedade portuguesa ganharia
se cada cidadão se dispusesse a procurar a verdade, a discutir quando tivesse
informação para participar na mesma e a silenciar quando a honestidade lhe diz
que não tem todos os dados para poder pronunciar-se. Mas o desejo de aparecer,
de ser comentado, de vencer, como se a vida fosse um campo de batalha
permanente, seduz e cega.
«A verdade vos libertará» é mais
do que uma notável afirmação de grandeza teológica e filosófica, e de
penetrante compreensão sobre a condição necessária para que o homem possa ser
livre: é um verdadeiro programa de vida social. Sem o desejo da busca da verdade,
há ruído que ensurdece e distrai.
Luís Silva