segunda-feira, agosto 13, 2012

O esforço do conceito contra o preconceito e a maledicência


A vertigem das nossas vidas tornou-nos surdos e incapazes de ouvir. Por desejo de segurança, procuramos defesas que nos dêem a ilusão de protecção e confiança ou bastamo-nos com os chamados «soundbites» da televisão. Paramos pouco para escutar e para nos dispormos a acolher a verdade que o outro possa ter a dizer-nos. Paradoxalmente, tal contexto tornou a nossa época, que se pretende moderna e definida pela centralidade da razão e da ciência, particularmente vulnerável ao preconceito. Para confirmar esta constatação, basta-nos ouvir as discussões políticas. Raramente a análise é baseada na busca da verdade, do bem comum, de valores aceites por todos. Pelo contrário, estrutura-se sobre o preconceito que temos sobre o outro. Ou porque é de direita; ou porque é de esquerda; ou porque é PSD; ou porque é PS, ou Comunista; ou Católico; ou Ateu… Os rótulos escolhidos para sossegar e reconfortar o discurso multiplicam-se. E a discussão raramente chega a algum lado, ficando a perder, antes de tudo, a verdade. Parafraseando o evangelho, «a verdade vos libertará»… do preconceito. Já o grande Rahner, figura maior da teologia do século XX, afirmava, no seu célebre «curso fundamental da fé» e citando Hegel, propor-se fazer o «esforço do conceito», certo de que só esta humildade de quem se sabe um «buscador» eterno da verdade é que pode dispor-se a ouvir o outro, acolher o muito que a experiência dos demais possa trazer de positivo ao seu próprio saber.
Não deixo de sentir alguma perplexidade quando constato a facilidade com que se destrói a vida de alguém, sobre quem se emitem afirmações gratuitas, muitas vezes sem qualquer conhecimento real de quem seja. Infelizmente, se, entre o marulhar das ondas estivais, nos dedicarmos ao reconhecimento de quantas situações deste teor verificámos, ao longo deste ano, o tempo de férias deixará, seguramente, de ser de sossego, para nos provocar inquietação de alma. Cada preconceito cultivado, cada maledicência em que participámos, contribuiu para a morte social de alguém. E isso não pode deixar-nos sossegados. É extraordinário, se não fosse paradoxal, verificar que este mesmo tempo de tantos progressos, e que se dispõe a acabar com todos os obscurantismos, tenha tanta dificuldade em fazer o esforço da discussão baseada na busca da verdade, procurando formular conceitos e não embarcar no que é menos do que conceito e, por isso, «pré-conceito». Já dizia o físico Einstein, que «é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito».
A sociedade portuguesa ganharia se cada cidadão se dispusesse a procurar a verdade, a discutir quando tivesse informação para participar na mesma e a silenciar quando a honestidade lhe diz que não tem todos os dados para poder pronunciar-se. Mas o desejo de aparecer, de ser comentado, de vencer, como se a vida fosse um campo de batalha permanente, seduz e cega.
«A verdade vos libertará» é mais do que uma notável afirmação de grandeza teológica e filosófica, e de penetrante compreensão sobre a condição necessária para que o homem possa ser livre: é um verdadeiro programa de vida social. Sem o desejo da busca da verdade, há ruído que ensurdece e distrai.

Luís Silva

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