O homem tem corpo e alma?
A pergunta é feita por muitos e
ganha pertinência, nestes tempos que parecem oscilar num balancé que nos leva
do extremo da fusão na matéria à fusão no espírito. Mas a resposta não é tão
óbvia como um olhar distraído possa fazer crer.
Para responder, comecemos por dar
conta de que se se «tem» alguma coisa é porque existe um sujeito bem definido
que exerce essa propriedade. Logo, esse algo que se tem é exterior ao mesmo
sujeito.
Com este pressuposto, é fácil
concluir que se o homem possuir «corpo» ou possuir «alma», ao falar do Homem estaremos
a falar de algo diverso desse alguém que possui. O que nos obriga a fazer uma
escolha de entre duas opções: ou manter a linguagem e então andaremos em busca
do referido alguém que possui esse corpo e essa alma ou, então, corrigir a
linguagem.
E a opção da antropologia cristã
vai, sem margem para dúvidas, para a segunda opção. O homem não «tem» corpo e
não «tem» alma, mas sim «é» corpo e «é» alma.
Na verdade, num processo que se
foi consolidando lentamente ao longo da história, a visão cristã sobre o que
seja o homem sempre se opôs a dois tipos de conceções opostas: a monista e a
dualista. A conceção monista fundia o homem no corpo (reduzindo-o a pura
manifestação da matéria, fora da qual nada há) ou no espírito, (transformando o
homem numa espécie de anjo caído). A conceção dualista afirmava que corpo e
alma eram, em si mesmos, duas substâncias independentes, que se uniam para a
vida na terra e se separavam na morte. Esta segunda conceção considerava que a
alma, enquanto substância em si, era a origem do bem, enquanto o corpo, como
substância distinta, era causa do mal.
Tais conceções foram
reiteradamente recusadas pela teologia cristã, ainda que a tentação de lhes
ceder seja frequente.
No equilíbrio entre estas duas
conceções opostas, o cristianismo sempre sustentou que corpo e alma não são
substâncias distintas, mas princípios de ser que não se podem conceber
distintos e separados um do outro. O homem é corpo – é relação com os outros,
com o mundo, definido na sua identidade, contra todas as conceções que
pretendem fundir o homem com uma espécie de energia cósmica. É a corporeidade
que suporta a identidade relacional; o homem é alma, enquanto interioridade e
abertura ao transcendente.
Neste quadro, o corpo sai revalorizado,
contra todas as tentações de lhe atribuir a origem do mal. Já a própria
antropologia paulina reconhece que não é o corpo a origem do mal, mas o coração
do homem, isto é, o homem todo, nas suas escolhas e decisões.
E também a alma sai reforçada
enquanto dimensão do homem que o torna distinto dos demais seres, em particular
num tempo que pretende fundir a dignidade humana com a natureza animal, nada
mais vendo do que uma pequena diferença na quantidade de genes que o tornam um
entre iguais.