Nunca duvidei do lugar imprescindível do amor na educação. Aliás, seria
muito estranho pensar que o saber, que é experiência que se comunica, pudesse
transmitir-se esquecendo partes fundamentais do que somos. Seria muito pouco se
ensinar e aprender fosse apenas assunto de inteligência. Tudo o que somos está
envolvido na aprendizagem. Como podiam ficar de fora dimensões tão importantes
como a capacidade de afetar e ser afetado, a vontade ou as vivências
anteriores, a determinação de querer ir mais longe, etc.? Talvez aqui, aliás,
resida muito da falha do nosso sistema educativo!
Mas, se a intuição, a experiência e a minha formação cristã sempre mo
tinham mostrado e desvendado, uma história que me foi contada, há dias,
demonstrou-me a verdade da intuição.
A história, que contarei adiante, logo me trouxe à memória o conto da
princesa e do sapo. Todos a conhecemos, mas retemos, habitualmente, o momento
que as versões modernas do conto conservam. No momento em que a princesa beija
o sapo, ele transforma-se num belo príncipe por quem ela se apaixona.
Sempre achei esta versão muito pouco realista, redutora do amor a uma
dimensão sentimental que está, seguramente, presente no amor, mas que não o
esgota.
Fui à procura, por isso, da versão em que se baseiam as adaptações
modernas do conto. Todas elas têm uma fonte comum: os contos da infância e do
lar, dos Irmãos Grimm, de que encontrei uma edição muito recomendável,
publicada pela Temas e Debates, em
2013.
Ao ler-se a versão transmitida por estes contistas alemães, no início
do século XIX, a que dão o título de ‘O rei dos Sapos ou Henrique-de-ferro’
[Henrique é o nome do criado do Rei] logo nos apercebemos de que a história não
é bem como se nos costuma contar. Como é habitual nos contos originais dos
Irmãos Grimm, a história não é delicodoce. Cruzarei, nesta interpretação, a
versão contada pelos Irmãos Grimm e a que nos chega de Hessen, vinculando-me
contudo a esta última (vinda de Hessen), pois a história que nos é contada
pelos Irmãos Grimm descreve, com desnecessária e gratuita violência, o momento que
antecede a transformação do sapo em príncipe.
Numa e noutra versão, porém, o motivo pelo qual o sapo se transforma no
príncipe sobre quem recaíra uma maldição não é um qualquer beijo ou
manifestação de afeto, mas, antes, o cumprimento do compromisso de dar guarida
ao sapo, assumido pela princesa. Esta, aliás, só o faz porque o pai lhe recorda
que «o prometido é devido» e, perante a quase desistência da filha, lhe lembra,
mais adiante, que «não deves desprezar quem te ajudou quando estavas em
apuros».
Não há, na versão original, um beijo, mas um sinal de que o amor é fiel,
permanece firme e leal à palavra dada de reconhecer o outro como alguém
merecedor da nossa dedicação e entrega, mesmo em horas mais difíceis e quando
ele se possa assemelhar ao sapo da história.
Vem isto a pretexto de uma situação ocorrida, numa certa escola, há
muito pouco tempo e que me foi contada por alguém que com ela contactou.
Estamos no contexto do primeiro ciclo (antiga ‘escola primária’). Há,
numa determinada turma, uma criança que, apesar de já bem alongado o segundo
ano, não sabe juntar duas letras, não consegue fazer qualquer simples operação
matemática e, para agravar (ou, talvez, como fruto disso) perturba e impede os
demais de aprenderem. O quadro familiar em que vive é de abandono. É de todos
conhecida a situação, retratada como de negligência, pelo que se acionaram
todos os procedimentos que redundaram numa adoção. É adotada por uma família
que mora noutro país. Decorridos alguns meses (menos de meio ano), sabe-se que
a criança não só já sabe ler como aprendeu a língua do país para onde foi
residir. Um milagre! - Dirão alguns. Sim, o milagre de se saber amado por um
pai e uma mãe que restituíram àquela criança a consciência e a vivência de ser
pessoa.
Não há, aqui, o beijo da princesa, mas a segurança da fidelidade e da
estabilidade de um lar familiar que dá a confiança e a tranquilidade
necessárias para que aconteça a aprendizagem.
Já o disse muitas vezes: se um dia fosse (não o pretendo!) dirigente de
uma qualquer autarquia, as questões de família seriam a prioridade das
prioridades. Não é possível resolver os muitos problemas que nas escolas se
ampliam como numa lupa sem que as famílias sejam lares onde ser criança é
saber-se reconhecida como pessoa humana, digna e merecedora de amor. O segredo
não está na versão moderna da «princesa e do sapo». Temos muitos beijos
efémeros que não restituem a consciência da dignidade. Precisamos de regressar
à versão original de Hessen. É preciso um outro modo de viver o amor que não
seja só o afeto e a emoção, mas a fidelidade e a persistência que conferem
segurança e confiança.