Albert Einstein afirma, num texto escrito no
período entre 1939 e 1941, e coligido no seu livro ‘Como vejo a ciência, a
religião e o mundo’, editado pela Relógio d’água, que a «ciência pode apenas
indagar aquilo que é, mas não o que devia ser, e fora do seu domínio permanece
toda a esfera dos juízos de valor, cuja necessidade ninguém discute.» (p. 275)
Hoje, continuam a ser válidas estas palavras, ainda
que alguns problematizem, de modo implícito ou, em alguns casos, mesmo
explícito, a última parte: «cuja necessidade ninguém discute».
Alain de Botton reconhece esta problematização ao
afirmar, (com muita graça, aliás!), no seu livro ‘Religião para ateus’, editado
pelas publicações Dom Quixote, que «a diferença entre a educação cristã e a
educação secular [aquela que nos é proposta nas escolas, hoje em dia! –
acrescento meu] revela-se com especial clareza nos seus respetivos modos
característicos de instrução: a educação secular faz palestras, o cristianismo sermões,
Em termos de objetivos, poderíamos dizer que uma está preocupada em transmitir
informações e a outra em mudar as nossas vidas.» (p. 115)
Vem esta introdução a propósito de uma polémica
muito significativa sobre um congresso realizado na universidade do Porto e em
que se problematizava a influência humana nas alterações climáticas.
Não me prende, aqui, a discussão técnica, para a
qual, aliás, reconheço não dever intrometer-me, mas sim os pressupostos desta
discussão.
Inquieta-me, antes de mais, verificar a atitude
inquisitorial com que se abordou a questão, como se não fosse legítimo
continuar a procurar as motivações que explicam o estado em que nos
encontramos, em matéria de clima. (É evidente que não sou indiferente à
constatação de que muitos temeram que o congresso pudesse servir interesses
políticos menos claros, na linha da postura arbitrária e inconsistente com que
a atual administração americana aborda esta matéria. Não me pareceu, porém, que
esse fosse o registo do referido congresso, pelo que adotei uma outra via de
interpretação que deve merecer atenção.)
A posição com se encarou o referido congresso
denuncia uma atitude ético-moral altamente inquietante e que não é consequente
com as palavras do eminente físico com que abrimos este artigo.
O pressuposto dos ‘revoltosos’ contra o referido
congresso é o de que, se se concluísse que as alterações climáticas não são
devidas à ação humana, então daí resultaria que não seriam adotadas atitudes
ecológicas adequadas e devidas.
O problema deste raciocínio é duplo.
Por um lado, pressupõe, ao arrepio do que diz
Einstein, que a ciência tenha capacidade de fundamentar uma ética.
Por outro, faz derivar o dever moral não de
motivações positivas (cuidar, proteger, administrar bem a natureza/criação),
mas sim de uma motivação negativa: só protegemos o planeta por medo. Ora, este
é o problema de uma certa abordagem ético-ecológica que, infelizmente, em muito
é a que se ‘serve’ nas nossas escolas. Não se protege o ambiente por motivos
positivos, mas por medo. É o que, tecnicamente, poderemos designar como uma ética
heteronómica. Não fazemos por reconhecer o valor em causa, mas sim porque
outros (neste caso, através do medo) no-lo impõem. De que resulta,
necessariamente, que, se a causa do medo desaparecer, também daí redunda o fim
do comportamento ético.
É o que evidencia esta atitude dos que se
insurgiram contra o referido congresso.
Reitero que não estou situado no âmbito dos aspetos
técnicos que um congresso científico deve manter como sempre revisíveis (esta
nota sobre epistemologia continua válida!), mas sim ao nível da abordagem
ético-moral que tal atitude denuncia.
Na realidade, as sociedades seculares vivem um
dilema tremendo que situações como esta denunciam com clareza. O desejo da
neutralidade total, a impossibilidade de invocar motivações que sempre foram
comuns às comunidades, sob pretexto de que tal exclui, redunda na perda da
força da ética, só restando impô-la, seja pela via da força seja pela via do
medo, quando não pelas duas vias em sobreposição.
Haverá que saber invocar as motivações positivas que
definem a cultura (os valores estruturantes) das comunidades para encontrar
outros modos de legitimação da ação ética.
Neste sentido, é particularmente densa de conteúdo
a encíclica papal sobre a ecologia que, no capítulo VI, fala de ‘educação e
espiritualidade ecológicas’. Ali, recorda-se que «a educação ambiental deveria
predispor-nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica
recebe o seu sentido mais profundo.» (n.º210), sendo que, «às vezes, porém,
esta educação, chamada a criar uma ‘cidadania ecológica’, limita-se a informar
e não consegue fazer maturar hábitos.» (n.º 211).
O combate a esta mera informação coloca o problema
ao nível da interrogação sobre o que deva ser a educação e como poderá fazer-se
respeitar, em Portugal, o direito constitucional à escolha do modelo de
educação, por parte dos pais, em articulação com o dever de gerar uma atitude
ética bem consolidada, sem ser assente no medo ou na mera força da lei
positiva. Tal só pode conceber-se, com eficácia, se se recuperar uma sã relação
com as religiões e o seu insubstituível papel educador. Mas isso não poderá, de
modo algum, significar que toda a educação fique entregue a um Estado neutro e
indiferente às identidades ou, sequer, que instrumentaliza as religiões ao seu
serviço. Ambos, Religiões e Estados estão ao serviço da Pessoa. Há que superar
o mito da educação neutra e ter a coragem de integrar, na educação, as
identidades. Portugal já tem bons exemplos. O caso da existência da disciplina
de Educação Moral e Religiosa é caso de estudo, em relação a esta matéria. Ela
salvaguarda, por um lado, o legitimíssimo direito à escolha do modelo de
educação para os filhos (a disciplina é de frequência facultativa), mas sabendo
que é portadora de uma matriz capaz de fortalecer os motivos positivos para
proteger: a vida – toda a vida – é um dom gratuito e generoso do Transcendente.
Onde pode encontrar-se fundamento igualmente sólido
e eficaz? Não se pense que este é um reconhecimento que apenas os crentes lhe
devotam. Basta ler, com atenção e sentido de responsabilidade, o já recordado
livro de Alain de Botton, ‘Religião para ateus’: «as religiões merecem a nossa
atenção devido à sua pura ambição conceptual; por mudarem o mundo de uma forma
que poucas instituições seculares alguma vez fizeram. Elas conseguiram combinar
teorias sobre ética e metafísica com um envolvimento prático em educação, moda,
política, viagens, hospedarias, cerimónias de iniciação, edição, arte e
arquitetura – uma gama de interesses que envergonha o âmbito de realizações até
dos maiores e mais influentes movimentos seculares e individuais da história.
Para aqueles que se interessam pela disseminação e pelo impacto de ideias, é
difícil não ficarem mesmerizados com exemplos dos movimentos educativos e
intelectuais mais bem-sucedidos que o planeta jamais testemunhou.» (p. 20).
O medo não pode ser o fundamento da ética. Esse
fundamento tem de estar n’Outro lugar!