1 de junho de 2021
(anotações do meu diário)
Hoje, a avó Maria partiu para o Pai. Serena, acompanhada… com a certeza de ser amada, muito amada…
«’bó Maria! ‘bó Maria!» Tantas vezes chamei por si, com este carinho!
«’bó! ‘bó!»
A si contei, ainda com 6 anos, por altura da minha primeira comunhão, que queria ser padre. A si disse, quase vinte anos depois, que iria sair do seminário. De ambas as vezes, as suas palavras foram: ‘Se for a vontade de Deus, segue-A. Se não for, perceberás!’
Quanta confiança isso me deu…
Confiança para esperar, quando pequeno. Confiança para me decidir, já com 23 anos…
E tantos outros não tiveram essa sabedoria!
Quando eu contava que assim reagira a minha avó, abriam os olhos de espanto.
Mas assim sábia era a minha avó.
Nunca lhe ouvi maledicência ou palavras azedas para com alguém…
As suas palavras eram sempre de apaziguamento e de compreensão.
E a mim sempre me pedia que fosse um homem bom, um bom cristão.
Tantas vezes me recordou que mais vale um bom cristão do que um mau padre, quando lhe referi que pensava sair do seminário. (As suas palavras não pretendiam desconsiderar a condição de leigo, mas reforçar a confiança em que eu saberia escolher uma decisão que sabia ser difícil…)
Criou cinco filhos e doze netos, entre os quais dois como filhos adotivos, nos tempos da emigração dos nossos pais - eu e o meu primo Miguel Ângelo.
Quantas vezes enxugou as minhas lágrimas de saudade, como quando, recém-chegado de França, e prestes a entrar na escola ‘primária’, lhe dizia que desejava muito comer ‘poulet’.
E não descansou enquanto não descobriu quantos ‘poulets’ havia no seu aviário.
«’bó», sei que vela por mim, por nós, junto de Deus para Quem foram sempre dirigidas as suas palavras, até quando Alzheimer parecia querer levar-lhe todas as memórias. Até nesse tempo as suas palavras eram os resquícios das orações que a amnésia nunca conseguira sumir.
«’bó», procurarei honrar o seu desejo, o seu legado.
Procurarei ser um homem bom, para que em mim se espelhe a sua melhor herança…
Serei um bom cristão…
Obrigado, «’bó».
A sua vida não foi em vão…
Um beijinho. Gosto tanto de si!