Interroguemo-nos, sem preconceitos, sobre o que estamos, afinal, a dizer quando nos referimos a ‘direitos humanos’. A hora é de pensar, refletir e não deixar de nos interrogarmos apenas porque as decisões se afiguram imparáveis…
Para responder a tal desafio, optarei pela via da interrogação que suscite, no leitor, a dúvida sobre se tudo poderá caber sob o chapéu de ‘direito humano’.
Importa, de imediato, fazer uma constatação: o ser humano é um ser de desejos. Mas nem todos os desejos são, por si próprios, direitos. Serão direitos aqueles desejos que correspondam ao que é justo. E o que é justo? Ulpiano, numa definição que se tornou clássica, diz que justiça é a ‘vontade firme e constante de atribuir a cada um o que lhe é devido’. Sublinhemos o final da definição: ‘o que lhe é devido’. Direito é, por isso, um desejo que corresponde a algo que é devido. Desejo que não corresponda a algo que é devido só será atribuído por uma decisão arbitrária, que corre o risco de ser, mesmo, injusta.
Posso desejar muito possuir um determinado bem de alguém (um carro, uma casa, um recurso tecnológico, etc…). Esse desejo não é, porém, por si mesmo, um direito. O bem do outro pertence-lhe. Atribuir-mo, só porque o desejo, faz do ato do decisor um ato injusto. Teria de se verificar se o bem desejado me é devido…
Com tais pressupostos, perguntemo-nos como é que, considerando a criança um ser humano portador de direitos, poderá algum dia aceitar-se que ter um filho seja um direito. Há, aqui, uma tremenda confusão entre o direito a não ser impedido de gerar filhos e o direito a ter filhos. Se ter filhos viesse a ser reconhecido como direito, o filho seria propriedade de alguém, numa negação clara da dignidade da pessoa humana, pois transformaria o filho num meio, não respeitando a sua intrínseca condição humana de fim em si mesmo. A esta luz, como podem reivindicar alguns que tudo seja feito para que, mesmo contrariando qualquer condição natural a gerar filhos, lhes seja garantido o direito a ter filhos? O filho não é um bem que se possui; é alguém que se respeita, acolhe e de quem se cuida, amando-o e considerando-o fim em si, e cujos interesses maiores devem ser prevalecentes.
Como, aliás, aceitar que, em nome do já denunciado inexistente direito a ter filhos, se tenha legitimado que uniões que são, intrinsecamente, incapazes de gerar filhos, possam ver garantidas as condições para que os filhos lhes sejam gerados (atribuídos de forma arbitrária e não justa porque não devida), num contexto de uma orfandade materna ou paterna, originada pela via da lei. A orfandade que tudo quereríamos evitar para alguns está a ser proporcionada, pela via legal, para outros. Quem se compadece destes órfãos gerados pela própria lei?
Perguntemo-nos se, considerando-se que o direito à vida é direito primordial e condição necessária para a possibilidade dos demais, será legítimo que algum dia viesse a ser aceite que o aborto fosse um direito. (Só num mundo de enormes contradições…)
Perguntemo-nos com que legitimidade reivindicam alguns, ao arrepio do que afirma o preâmbulo da declaração universal dos direitos humanos, que diz que os direitos são inalienáveis (logo, insuscetíveis de alineação por alguém, mesmo o próprio…), que o suicídio e a eutanásia possam vir a ter estatuto de direitos humanos… Defender, cuidar e proteger a vida é, bem certo, um direito a que tem cada um perante o outro, mas também, por se tratar de direito inalienável, um dever para si mesmo…
Perguntemo-nos como poderá, considerando-se a igual dignidade de todos, aceitar como um direito humano a poligamia ou poliandria, reivindicada por alguns, a pretexto, por exemplo, da bissexualidade ou de outras opções de teor semelhante. Não pressupõe, aliás, a declaração universal dos direitos humanos, a igualdade de condições entre os dois (homem e mulher) ao afirmar, no seu artigo 16º, que «a partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.»? Quanta contradição se percebe entre os que reivindicam como sendo ‘direito a casar’ a legitimação de serem ‘casamento’ uniões que não nascem do mesmo pressuposto que se compreende neste artigo!
Se esta via, vertiginosa e aparentemente imparável, prosseguir, os direitos humanos serão reduzidos ao direito a que cada um faça o que quiser. E, numa sociedade em que cada um faz o que quer, vale a pena perguntar quem faz o que deve e ter-se a noção de que, rapidamente, se proporcionam as condições para que a arbitrariedade se imponha, criando o lastro para o emergir de ditadores que nos dirão o que nos cabe fazer…
Não pisam já os nossos pés esse chão?