As leis que visam suportar a
autodeterminação de género vêm-se multiplicando, numa cadência vertiginosa.
Esta vertigem legiferante do nosso parlamento suscita uma interrogação genuína:
porquê?
Se é claro, desde logo, que se trata
de um tipo de legislação que parte de um pressuposto erróneo – o de que o sexo
seja uma realidade atribuída à nascença – como argutamente vêm denunciando os
mais atentos analistas;
- se é notório que há um efeito
nefasto da criação de legislação deste género no aumento do número de casos de
adolescentes e jovens que dizem sentir-se de um género distinto do que a
biologia evidencia;
- se é evidente que não pode
atribuir-se esta vertigem a uma hipotética urgência (segundo o jornal Público,
submeteram-se a mudança de sexo 150 jovens, num
universo de cerca de 1 milhão e trezentos mil de estudantes, representando
cerca de 0,01% dos jovens que estão no nosso sistema educativo), a não ser que
se admitisse que o parlamento, de quem se esperam leis gerais e abstratas,
fosse, agora, lugar de legislação ‘ad hominem’, feitas à medida de cada um,
sempre que suficientemente forte para influenciar os legisladores;
- se não pode ficar a dever-se a um
qualquer súbito assomo de compaixão do nosso parlamento, o que, a ser verdade,
teria de ter sido acompanhado por igualmente vertiginosa legislação sobre, por
exemplo, o combate ao aumento do número dos sem-abrigo, ou o aumento do número
de abandonos em hospitais de pessoas idosas já com alta ou, ainda, o atalhar
contra o facto de Portugal ser um dos países desenvolvidos onde mais se morre
nos hospitais, em vez de em casa, etc., etc.,etc…
- Se, mais ainda, se trata de
legislação que fecha o indivíduo sobre si mesmo, matando a importância da
história de cada um e da memória dos outros sobre ele; [Levado ao extremo, o
espírito desta lei matará um dos momentos mais belos da vida humana (e, talvez,
mais específicos da nossa condição) que é o que acontece quando dois amigos se
reencontram, depois das distâncias do tempo e dos lugares.
-'Pedro!'
- 'Francisco!'
- 'Como mudaste!'
Ou
-'Estás igual!'
- 'O que é feito de ti?'
E bem sabemos a densidade humana que
sucede a estas primeiras palavras, bem 'regadas' com profundos e demorados
abraços.]
- se é, ainda, evidente que é um tipo
de legislação que promove, não a inclusão, mas a conflitualidade e o litígio…
Então, porquê esta obsessão, esta
vertigem que parece imparável? Porquê?
Equívocos,
mas muito mais do que equívocos…
Em 29 de setembro de 2022, defendi, no
Parlamento, em
audição realizada no contexto de uma outra discussão (no caso, a eutanásia),
que, sendo os deputados pessoas de bem, que visam o bem, porque é que os vemos
defender e aprovar leis más?
Defendi, então, que a maioria parlamentar,
em muitas destas matérias, está sustentada em equívocos.
Assim será, eventualmente, no caso de
muitos deputados, em relação a esta matéria. Mas, a razão do ‘equívoco’ pode
não ser suficiente para explicar tamanha vertigem.
Na realidade, se o equívoco de que
mudar é, sempre, virtuoso, pode ser altamente determinante para que muitos não
queiram perder o comboio de ‘deixarem marca na História’;
- e se o equívoco de que a
autodeterminação é absoluta (sem qualquer condicionamento, como se fosse possível
haver sujeitos humanos não situados biológica, cultural, linguística,
socialmente, etc.) e é um valor absoluto, anterior a tudo o resto, esquecendo
que a própria Declaração Universal dos Direitos humanos, no seu primeiro
parágrafo do preâmbulo, afirma que, antes da liberdade, está a dignidade
humana, como condição de inviolabilidade, se este equívoco pode condicionar
muitíssimo e obnubilar quem pensa estar, com leis deste género, a proteger esse
‘pressuposto absoluto’;
- se o equívoco de que seja necessário
precipitar a transformação das crianças que se sentem desajustadas do seu corpo
pode influenciar a decisão de quem quer o bem daquelas, esquecendo os já
numerosos casos de crianças e jovens que se arrependeram, não podendo reverter
os processos hormonais a que, entretanto, tinham sido submetidos e o
insofismável facto de virem a aumentar os números dos que se sentirão
‘baralhados’ e perdidos (para os que duvidam deste facto confirmado pelos dados
estatísticos dos países que já estão a retroceder, sugiro a leitura dos estudos
de Stanley Milgram, de Solomon Asch, na década de 50, de Philip Zimbardo, na
década de 70,
de David Simons, na década de 90, acerca
da atenção seletiva, que evidenciam a
nossa enorme disponibilidade para sermos manipulados e para nos reconfigurarmos
por efeito do ambiente e da pressão social envolvente);
- se é certo que há estes e outros
equívocos, permanece, porém, a dúvida sobre o alcance de cada um deles, pois
pressente-se que algo mais profundo se pretende, passo a passo, de forma
progressiva.
A
intenção que se omite, para além dos equívocos: o fim da família!
Sente-se que as leis escondem mais do
que o que dizem e explicitam.
Parecerá (e assim o pretendem vincar
os promotores destas leis) excessivo opor-se à questão das casas de banho partilhadas
(dirão alguns que é uma questão menor ou que nem sequer é esta) ou à facilidade
com que se pretende retirar os filhos aos pais que se opuserem à determinação
dos seus infantes em quererem mudar de sexo.
Não só, porém, não será excessivo
opor-se ao que já é suficientemente grave na enunciação acima feita, mas também
ao que, por esta via, se pretende consolidar.
Ora enfrentemos, então, a interrogação
que nos acompanha, implicitamente, desde o início: porquê? Porque é que há toda
esta obsessão em legitimar leis que promovem a ‘autodeterminação de género’?
Dêmos a voz aos que defendem esta
causa.
Diz Amanda Palha, ativista LGBTQIAPN+,
num Seminário Internacional em conferência gravada em vídeo (em algumas
partilhas, esta conferência recebeu o título elucidativo de ‘o movimento LGBT e
o fim da família’): “Quando dizem para a gente: Ah, o movimento LGBT quer
acabar com a família […], a gente entrou numa onda, dos anos 90 para cá, de se
colocar numa atitude defensiva de dizer «não», a gente não quer destruir a
família nenhuma não. A gente só quer amar… […] Isso é de um retrocesso político
violento. […] violenta a história do movimento lgbt. […] Ah, que vocês querem
destruir a família. Sim! Queremos!”
O público que o ouve irrompe em
aplausos e gritos de entusiasmo…
Não
precisaríamos de mais para perceber onde se pretende chegar, ao arrepio, porém,
do que é preconizado na declaração universal dos direitos humanos que afirma,
no seu artigo 16.º que ‘A família é o elemento natural e
fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.’
O cruzamento destes dois dados (a
afirmação indubitável do objetivo – acabar com a família – e a sua defesa pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos) terá de nos levar a concluir, no
imediato, que há uma contradição entre a afirmação de que tudo isto seja promoção
dos direitos humanos quando tal ocorre em absoluta oposição à integralidade dos
direitos humanos. Esta contradição denuncia uma intenção não explicitada.
Para encontrarmos a raiz última desta
contradição, teremos de recuperar o que defendiam os pais daquela que é a mãe
de todas as revoluções contemporâneas (a revolução francesa), revolução que
inspirou a revolução russa e as suas congéneres e que nos chega ao parlamento
pela via dos partidos da extrema-esquerda. Conscientes desta ligação direta, vejamos,
então como, dos revolucionários franceses, se chegou ao nosso parlamento.
Defendia Robespierre, no contexto da
revolução francesa, que era preciso acabar com a família, pois «a pátria tem o
direito de educar os seus filhos; ela não pode confiar este depósito ao orgulho
das famílias, nem aos preconceitos dos particulares, alimentos permanentes da
aristocracia e de um federalismo doméstico que retrai as almas ao isolá-las.»
Este espírito chega à revolução russa,
inspirada em Marx que defendia, no seu ‘manifesto comunista’, a ‘supressão da
família!’, acrescentando que ‘até os mais radicais se indignam com este
propósito infame dos comunistas.’
No mesmo sentido se orientava o
pensamento de Engels sobre a família monogâmica, que sustenta que ‘a libertação
da mulher exige, como primeira condição, a reincorporação de todo o sexo
feminino na indústria social, o que, por sua vez, requer a supressão da família
individual enquanto unidade económica da sociedade.’.
A causa está enunciada… A estratégia
está em curso!
Uma
oposição firme, em nome de uma sociedade de confiança e solidariedade
Os dados diante de nós parecem, por
isso, inequívocos: passo a passo, vai-se impondo uma sufocante ‘ditadura suave’ que, em
nome de valores que todos partilhamos (quem não se compadece de quem sofre?
Quem não quer acabar com a dor dos que se dizem incapazes de se reconhecerem no
que são?), mas sustentada num clima de medo (quem ousa dizer o que pensa se
logo o ameaçam de que não quer o progresso ou, até, com processo judicial por
discurso de ódio ou algo semelhante?) se vai entranhando, defendendo o
isolamento do indivíduo e relativizando o papel da família, numa lógica de
facto consumado.
Se esta tese vingar, restará, no
final, o indivíduo, sozinho, perante o Estado. Restarão o cidadão e o Estado.
Seremos mais fortes, assim? Ou mais
vulneráveis à manipulação e à instrumentalização e suscetíveis de depender,
exclusivamente, de um Estado que tudo parecerá saber e tudo nos oferecerá, de
forma paternalista e totalitária?
É por tudo isto que a oposição a estas
(só) aparentemente inofensivas mudanças legislativas se exige e impõe a cada um
dos que continuam a acreditar numa sociedade livre, onde somos seres que se
relacionam, não assentando a convivência no pressuposto da luta de classes e do
conflito, mas no da confiança e da solidariedade, em que Estado e sociedade (e,
nela, a família, como célula básica de um tecido com liames sempre frágeis e
que importa resolutamente proteger) se respeitam, cooperam, pois o Estado não é
fim em si mesmo, mas meio para a promoção da pessoa e da mesma sociedade.
Opor-se a este tipo de legislação é defender uma verdadeira sociedade
compassiva, capaz de sofrer, autenticamente, com o outro, não lançando sobre
todos os motivos do sofrimento de alguém, mas procurando solucionar, autentica
e comunitariamente, as causas do sofrimento. Impõe-se refletir, decidir em
conjunto, com olhos no todo de cada pessoa e não só no seu presente; ela também
é o seu futuro e o seu passado…
À família regressamos, quando tudo
desaba. Onde regressaremos, se já nem a família restar?