Em carta de 23 de setembro de 2022, D. António Moiteiro pediu ao Papa
Francisco que concedesse à diocese de Aveiro a ‘graça de um ano jubilar’, por
motivos que a história recente evidencia terem adquirido densa atualidade, 600
anos volvidos. Entre 1423 e 2023 estendeu-se, com a celebração deste ano
jubilar (de 12 de maio de 2023 a 13 de maio de 2024), uma ponte que os olhos
atentos deverão ler. Veremos porquê…
A diocese de Aveiro, com os seus 1537 km2, 101 paróquias e 9
arciprestados (recente reorganização diocesana fundiu os arciprestados de
Estarreja e Murtosa), situada entre Avanca (paróquia mais a norte) e Vila Nova
de Monsarros (mais a sul), desde a Costa Nova do Prado (a ocidente) até
Macieira de Alcoba (mais interior), é uma das mais pequenas dioceses do país
(só Setúbal apresenta menor área, com os seus 1500 Km2).
A história desta diocese conta-se em dois tempos:
entre 1774 e 1882 e depois de 1938.
Na sua primeira fase, após criação, por breve de Clemente XIV, de 12 de
abril de 1774 (cumprem-se, neste ano, 250 anos), esta diocese foi governada por
três bispos (D. António Gameiro de Sousa, D. António José Cordeiro e D. Manuel
Pacheco de Resende, tendo vivido, após a morte do terceiro, em 1837, um período
em que passou por uma ‘espécie’ de cisma, resolvido, definitivamente, em 1841,
com decisão do Papa Gregório XVI de entrega da administração desta diocese ao
Arcebispo de Braga, que passou a nomear vigários-gerais, até à extinção, em
1882, por decisão de Leão XIII. Entre estes vigários-gerais, alguns vieram a
ser ordenados bispos, merecendo destaque os dois últimos, D. Manuel Baptista da
Cunha, mais tarde arcebispo de Braga, e D. António Mendes Belo, último vigário geral,
mais tarde Bispo de Faro e, finalmente, Patriarca de Lisboa, no difícil período
da implantação da República. (Das gentes de Aveiro saíram pastores para muitas
das dioceses de aquém e além mar: para Évora: D. Manuel Trindade Salgueiro;
para Beja: D. Manuel dos Santos Rocha; para Coimbra: D. frei Francisco
Fernandes Rendeiro; para Quelimane, Moçambique: D. Francisco Nunes Teixeira;
para Braga: D. Francisco Maria da Silva; para o Porto e Viana do Castelo: D.
Júlio Tavares Rebimbas; para a Guarda: D. António dos Santos, etc. Monsenhor
João Gonçalves Gaspar, da Academia Portuguesa da História, identifica, no seu
livro ‘Diocese de Aveiro: subsídios para a sua história’, um total de 26
diocesanos de Aveiro que chegaram ao episcopado.)
Na segunda fase, depois da restauração, em 1938,
contou com seis destacados Bispos: D. João Evangelista de Lima Vidal – também
primeiro de Vila Real -, D. Domingos da Apresentação Fernandes, D. Manuel de
Almeida Trindade – que foi padre conciliar -, D. António Baltasar Marcelino, D.
António Francisco dos Santos [depois, Bispo do Porto] e D. António Manuel
Moiteiro Ramos [anteriormente, auxiliar de Braga].
Na primeira fase da história da diocese de Aveiro, a
função de catedral fora assumida, sucessivamente, pela Igreja da Misericórdia,
onde repousam os restos mortais dos dois primeiros bispos, e pela Igreja do ‘recolhimento
de S. Bernardino’.
É com a restauração da Diocese, em 24 de agosto de
1938, pelo Papa Pio XI, e a decisão de atribuir a função de catedral a uma
outra Igreja (que não as que tinham desempenhado essa função, na primeira
fase), que a história adquire particular densidade.
A Catedral de Aveiro está, desde então, sediada na
igreja que fora do convento de Nossa Senhora do Pranto ou da Piedade (mas que,
para se distinguir do convento de Azeitão, com a mesma invocação, passou a
designar-se da ‘Misericórdia’). No século XIX, após a extinção das ordens
religiosas, foi-lhe dado o título, em 1835, de ‘Nossa Senhora da Glória’, em
homenagem à rainha D. Maria II (de nome ‘Maria da Glória’).
Ora, relevante para a nossa
reflexão é recuperar a origem das concessões do Papa a Portugal para a
edificação de templos dominicanos, neste período do século XV. Como recorda António
José Leandro Costa Ferreira, em ‘Poder, prestígio e imagem no antigo convento
de São Domingos de Aveiro’, a criação da província portuguesa da Ordem
Dominicana, por decisão do Papa Martinho V, deve-se à fidelidade de Portugal a
Roma, no período do cisma do ocidente, que dividiu o mundo de então, durante o
período de 1378 a 1417. Castela obedecera a Avinhão. Portugal, a Roma. Martinho
V reconhece a fidelidade lusitana e favorece-a com concessões que fazem
proliferar pelo território alguns dos mosteiros e conventos que, ainda hoje,
evidenciam a importância da presença dominicana em Portugal. Aveiro virá a
beneficiar da presença masculina e feminina, cuja relevância será perpetuada
pela escolha da sua padroeira, a Princesa Joana, em vir enclausurar-se, em
1472, no Mosteiro de Jesus, mosteiro vizinho daquele sobre o qual se ergue,
hoje, a Sé de Aveiro.
Em recordação desta fundação
do mosteiro em que se sedia, hoje, a Sé de Aveiro, a diocese vive um ano
jubilar. À luz da memória dos jubileus, de que fala o livro do Levítico,
celebra ao som do ‘jobel’ a alegria do caminho em comum, num dinamismo que
segue um percurso proposto por D. António Moiteiro: celebrar os motivos do
jubileu (da alegria), mas conscientes das feridas que atingem a humanidade,
tornando-se discípulos que sabem que ‘um discípulo faz outros discípulos’.
Estes tempos de jubileu
fazem-se, em terras de Aveiro, percorrendo os nove arciprestados, com música
(concertos), peregrinações, catequeses, conferências… Repercutindo o apelo de
Francisco à sinodalidade, a diocese de Aveiro constitui-se como sinal de
comunidade que faz caminho em conjunto, recordando que fora, ela mesma,
pioneira, ao realizar, ainda em 1944, o seu primeiro sínodo, concretizando, entre
1990 e 1995, um segundo sínodo, e, em 2003-2004, uma caminhada sinodal dedicada
à juventude. Os tempos interpelam a que ‘nos façamos ao largo’. As gentes de
Aveiro sabem-no como poucos, porque à soleira das suas portas batem incessantes
ondas de mares nem sempre ‘chãos’.
A celebração do Jubileu da
Catedral de Aveiro poderia afigurar-se como uma simples e remota evocação de
memória passada, mas a simbologia a ele associada evidencia que o edifício
cujas raízes se evocam se constitui, ele mesmo, afinal, como símbolo eloquente
da fidelidade que, continuamente, Portugal devotou ao sucessor de Pedro.
Nos tempos remotos se
iluminam os desafios de hoje…