quarta-feira, fevereiro 07, 2024

Jubileu da Catedral de Aveiro | De 1423 a 2023: 600 anos volvidos, de novo, o desafio da fidelidade a Roma


 (Artigo originalmente publicado na Agência Ecclesia)

Em carta de 23 de setembro de 2022, D. António Moiteiro pediu ao Papa Francisco que concedesse à diocese de Aveiro a ‘graça de um ano jubilar’, por motivos que a história recente evidencia terem adquirido densa atualidade, 600 anos volvidos. Entre 1423 e 2023 estendeu-se, com a celebração deste ano jubilar (de 12 de maio de 2023 a 13 de maio de 2024), uma ponte que os olhos atentos deverão ler. Veremos porquê…

A diocese de Aveiro, com os seus 1537 km2, 101 paróquias e 9 arciprestados (recente reorganização diocesana fundiu os arciprestados de Estarreja e Murtosa), situada entre Avanca (paróquia mais a norte) e Vila Nova de Monsarros (mais a sul), desde a Costa Nova do Prado (a ocidente) até Macieira de Alcoba (mais interior), é uma das mais pequenas dioceses do país (só Setúbal apresenta menor área, com os seus 1500 Km2).

A história desta diocese conta-se em dois tempos: entre 1774 e 1882 e depois de 1938.

Na sua primeira fase, após criação, por breve de Clemente XIV, de 12 de abril de 1774 (cumprem-se, neste ano, 250 anos), esta diocese foi governada por três bispos (D. António Gameiro de Sousa, D. António José Cordeiro e D. Manuel Pacheco de Resende, tendo vivido, após a morte do terceiro, em 1837, um período em que passou por uma ‘espécie’ de cisma, resolvido, definitivamente, em 1841, com decisão do Papa Gregório XVI de entrega da administração desta diocese ao Arcebispo de Braga, que passou a nomear vigários-gerais, até à extinção, em 1882, por decisão de Leão XIII. Entre estes vigários-gerais, alguns vieram a ser ordenados bispos, merecendo destaque os dois últimos, D. Manuel Baptista da Cunha, mais tarde arcebispo de Braga, e D. António Mendes Belo, último vigário geral, mais tarde Bispo de Faro e, finalmente, Patriarca de Lisboa, no difícil período da implantação da República. (Das gentes de Aveiro saíram pastores para muitas das dioceses de aquém e além mar: para Évora: D. Manuel Trindade Salgueiro; para Beja: D. Manuel dos Santos Rocha; para Coimbra: D. frei Francisco Fernandes Rendeiro; para Quelimane, Moçambique: D. Francisco Nunes Teixeira; para Braga: D. Francisco Maria da Silva; para o Porto e Viana do Castelo: D. Júlio Tavares Rebimbas; para a Guarda: D. António dos Santos, etc. Monsenhor João Gonçalves Gaspar, da Academia Portuguesa da História, identifica, no seu livro ‘Diocese de Aveiro: subsídios para a sua história’, um total de 26 diocesanos de Aveiro que chegaram ao episcopado.)

Na segunda fase, depois da restauração, em 1938, contou com seis destacados Bispos: D. João Evangelista de Lima Vidal – também primeiro de Vila Real -, D. Domingos da Apresentação Fernandes, D. Manuel de Almeida Trindade – que foi padre conciliar -, D. António Baltasar Marcelino, D. António Francisco dos Santos [depois, Bispo do Porto] e D. António Manuel Moiteiro Ramos [anteriormente, auxiliar de Braga].

Na primeira fase da história da diocese de Aveiro, a função de catedral fora assumida, sucessivamente, pela Igreja da Misericórdia, onde repousam os restos mortais dos dois primeiros bispos, e pela Igreja do ‘recolhimento de S. Bernardino’.

É com a restauração da Diocese, em 24 de agosto de 1938, pelo Papa Pio XI, e a decisão de atribuir a função de catedral a uma outra Igreja (que não as que tinham desempenhado essa função, na primeira fase), que a história adquire particular densidade.

A Catedral de Aveiro está, desde então, sediada na igreja que fora do convento de Nossa Senhora do Pranto ou da Piedade (mas que, para se distinguir do convento de Azeitão, com a mesma invocação, passou a designar-se da ‘Misericórdia’). No século XIX, após a extinção das ordens religiosas, foi-lhe dado o título, em 1835, de ‘Nossa Senhora da Glória’, em homenagem à rainha D. Maria II (de nome ‘Maria da Glória’).

Ora, relevante para a nossa reflexão é recuperar a origem das concessões do Papa a Portugal para a edificação de templos dominicanos, neste período do século XV. Como recorda António José Leandro Costa Ferreira, em ‘Poder, prestígio e imagem no antigo convento de São Domingos de Aveiro’, a criação da província portuguesa da Ordem Dominicana, por decisão do Papa Martinho V, deve-se à fidelidade de Portugal a Roma, no período do cisma do ocidente, que dividiu o mundo de então, durante o período de 1378 a 1417. Castela obedecera a Avinhão. Portugal, a Roma. Martinho V reconhece a fidelidade lusitana e favorece-a com concessões que fazem proliferar pelo território alguns dos mosteiros e conventos que, ainda hoje, evidenciam a importância da presença dominicana em Portugal. Aveiro virá a beneficiar da presença masculina e feminina, cuja relevância será perpetuada pela escolha da sua padroeira, a Princesa Joana, em vir enclausurar-se, em 1472, no Mosteiro de Jesus, mosteiro vizinho daquele sobre o qual se ergue, hoje, a Sé de Aveiro.

Em recordação desta fundação do mosteiro em que se sedia, hoje, a Sé de Aveiro, a diocese vive um ano jubilar. À luz da memória dos jubileus, de que fala o livro do Levítico, celebra ao som do ‘jobel’ a alegria do caminho em comum, num dinamismo que segue um percurso proposto por D. António Moiteiro: celebrar os motivos do jubileu (da alegria), mas conscientes das feridas que atingem a humanidade, tornando-se discípulos que sabem que ‘um discípulo faz outros discípulos’.

Estes tempos de jubileu fazem-se, em terras de Aveiro, percorrendo os nove arciprestados, com música (concertos), peregrinações, catequeses, conferências… Repercutindo o apelo de Francisco à sinodalidade, a diocese de Aveiro constitui-se como sinal de comunidade que faz caminho em conjunto, recordando que fora, ela mesma, pioneira, ao realizar, ainda em 1944, o seu primeiro sínodo, concretizando, entre 1990 e 1995, um segundo sínodo, e, em 2003-2004, uma caminhada sinodal dedicada à juventude. Os tempos interpelam a que ‘nos façamos ao largo’. As gentes de Aveiro sabem-no como poucos, porque à soleira das suas portas batem incessantes ondas de mares nem sempre ‘chãos’.

A celebração do Jubileu da Catedral de Aveiro poderia afigurar-se como uma simples e remota evocação de memória passada, mas a simbologia a ele associada evidencia que o edifício cujas raízes se evocam se constitui, ele mesmo, afinal, como símbolo eloquente da fidelidade que, continuamente, Portugal devotou ao sucessor de Pedro.

Nos tempos remotos se iluminam os desafios de hoje…

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