sexta-feira, maio 09, 2025

O aborto não é, de modo algum, um direito: as três razões! …para além de todas as outras!

 

As razões pelas quais se deixou de procurar razões…

Numa sociedade não relativista, os valores ético-morais são anteriores à decisão do sujeito; não é ele que os cria. O sujeito reconhece-os e molda a sua ação à anterioridade deles.

Aplicando…

Um sujeito que se depara com a existência de outro sujeito humano reconhece este segundo sujeito, mesmo (ou principalmente) quando este está em situação de particular fragilidade e dependência.

E, mesmo quando o sujeito já está ‘meio morto’, a sua atitude não é a de garantir a sua morte, mas a de cuidar dele. O sujeito humano ainda não tomado pelo espírito relativista reconhece a humanidade do sujeito frágil e cuida dele. Não procura razões (e não razões) para legitimar a sua eliminação, e, muito menos, esvazia a humanidade nele presente. O ser humano é, num espírito não relativista, um humano e participa da humanidade. As relações estabelecidas com ele são humanas.

Uma sociedade, porém, que se deixou tomar por um relativismo teórico, primeiro (ouvindo as vozes de teóricos que tudo foram fazendo para relativizar o significado da dignidade humana), e que, de seguida, permitiu que se instalasse um relativismo prático, contava, ainda, com o baluarte do Direito.

Os legisladores permaneceram, durante muito tempo, atentos e, por isso, imunes às vozes que pretendiam levar, na voragem relativista, esse mesmo Direito. Sempre o entenderam como a busca do justo…

Os tempos foram, no entanto, deixando que também o Direito fosse tomado por este fenómeno de diluição dos valores, ao ponto de, como recorda Zigmunt Bauman[1], os tornar ‘líquidos’, liquefazendo os laços mais sólidos e conduzindo à ‘erosão do direito’.

Antes da erosão do direito, um filho de humanos era, desde a primeira hora, um humano como eles.

A erosão do direito repercutiu-se num modus cogitandi que passou a buscar motivos para legitimar o que se afigurava, obviamente, como ilegitimável.

O sujeito a eliminar (no caso do aborto, o filho dos humanos) foi envolvido em cápsulas de insensibilização, de modo a garantir que sobre ele se pudesse operar o ato que a consciência identificava com ilegítimo. Para tal, urgia ‘desumanizá-lo’.

De ‘coisa’ a ‘mero conjunto de células’, passando pela legitimação circunstancial por motivo de condições de vida desfavoráveis da mulher (circunstâncias ainda não existentes, no momento da redação da lei, que é prévia ao que pretende legitimar…), o sujeito a eliminar é, primeiramente, reduzido da sua condição de humano, para que, de seguida, possa passar-se à aceitação do seu ‘deitar abaixo’.

 

As três razões pelas quais o aborto não pode ser um direito da mulher: o filho, o pai e a mãe

Há, porém, três motivos que são insofismáveis, nesta equação: o filho, o pai e a mãe…

Aquele ser que habita numa ‘morada’ da qual espera proteção, é, biologicamente, distinto da mulher que tem todo o poder de o proteger. É insofismável que é filho de humanos, tendo, biologicamente, origem numa célula sexual masculina fundida com uma célula sexual feminina. Tem, por isso, um pai e uma mãe.

Estas são as três razões pelas quais jamais o aborto, que é a eliminação, por um dos três, deste ser em que se cruzam três existências (a dele que é o eixo com as duas outras: a do pai e a da mãe), poderia ser um direito. No aborto, morre o filho (primeira vítima) e, com ele, morre o pai e morre a mãe. São muitas vítimas em nome de um suposto direito!

Como poderia ser o direito de um (‘direito’ é o reconhecimento de que algo é devido: à luz de Ulpiano, ser justo é atribuir a alguém algo que lhe é devido), quando outros dois ficam em causa? Dois, não; três! É curioso que, nesta equação, o putativo direito da mulher rivaliza com o direito da mãe. A mulher que elimina o filho deixa de ser mãe, no próprio momento em que concretiza a eliminação daquele que faz dela mãe. A mulher exerceria um ‘direito’ contra o qual a própria condição de mãe se oporia. A mãe só existe porque há filho. Do mesmo modo, ao eliminar o filho, a mulher também eliminaria o pai, cuja existência (de pai; não do homem que é pai) depende da existência do filho.

Os relativistas esqueceram-se (é curioso que a palavra grega para ‘verdade’ – ‘Alêtheia’ - signifique, à letra, ‘esquecimento’, ‘não lembrar’) de que o filho é, por definição, um conceito relacional. No filho, entrelaçam-se as três vidas que o aborto quer cindir.

Deveria ser clara a constatação aqui feita, mas a erosão do Direito é já tão profunda que é evidente que, qualquer que seja o argumento e por mais insofismável que ele seja, o legislador que se sente com o poder irá exercê-lo, não em nome da justiça, mas do poder que possui.

A erosão do direito chegou ao ponto da própria corrosão.

Porque não hão de todos os sujeitos reivindicar para si serem a medida de todas as coisas se o pode ser quem mais dever tinha de proteger quem de si depende, exclusivamente? Para que serve, afinal, o Direito se não for para nos proteger da força que nos pode destruir, definitivamente?



[1] Autor de ‘Amor líquido’, ‘Cegueira moral’, ‘A vida fragmentada’, etc., editados, em Portugal, pela Relógio d’água

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