sábado, agosto 09, 2025

Luís Manuel Pereira da Silva | Hoje!

 

Escrevo estas linhas na tarde de 9 de agosto de 2025.

Acabo de ver, com o meu filho João, um filme de que me tinham falado: ‘uma vida escondida’, de Terrence Mallick.

Uma obra baseada em história verdadeira.

Ainda estou atónito com a coincidência que revelarei, no final…

‘Uma vida escondida’ retrata a história de um homem singular, uma história dura. Duríssima!

Um homem simples, com uma vida simples e um amor simples, é invadido pela complexidade da guerra, a II Guerra, e o absurdo de um regime que todos quer submeter.

Franz Jägenstätter é um homem que sabe onde está o norte e que a Voz que para ele aponta fala à consciência. É a essa Voz que obedece e a mais nenhuma.

Quando o regime exige lealdade a Hitler, Franz recusa.

E não apenas uma vez, ou duas, ou três… Sempre!

Nem face à possibilidade de tudo perder, inclusive perante a certeza de que será esquecido (são diversas as vozes de anónimos uniformizados que lhe sussurram que jamais será lembrado e que ninguém reconhecerá, algum dia, que ele existiu e que ousou opor-se ao regime. A única lembrança que lhe asseguram e repetem, vezes sem conta, é a de vir a ser esquecido.)...

Franz não vacila.

Não vacila perante o silêncio, o silenciamento, as múltiplas narrativas que lhe falam do homem da cartola que decapita os desertores, ou, mesmo, a do advogado que lhe é disponibilizado, apenas interessado nos riscos para a sua carreira de ter acompanhado um homem que ousou enfrentar Hitler. Mas nem Hitler saberá dele, sequer.

Somos assaltados pelo desejo de nos somarmos a estas vozes e instarmos Franz a desistir. Somaríamos, por isso, solidão à que ele enfrenta.

Na aldeia em que permanecem a mulher, a mãe, as três filhinhas, todos as abandonam. Todos condenam a objeção de Franz, considerando-a mera teimosia de um louco.

Nas cenas finais, a mulher, Fani, uma mulher gigante, que nutre por ele um amor simples e denso, fiel, permanente, inabalável, visita-o, quando chega a sentença final – condenação à morte por decapitação. Na cena, demorada e envolvente, diz-lhe: ‘faz o que é correto’.

Nem o padre que o aconselha, neste momento derradeiro, seu pároco que acompanhara Fani, ousara destoar das outras vozes. Mas sabemos que o exemplo de Franz o ‘converteu’ e fez dele um outro opositor ativo ao regime.

As últimas palavras do filme são de Fani e falam de uma esperança inabalável que os habita aos dois, mesmo após a morte dele, e que, por isso, os une para além da mesma morte.

Enquanto ouvimos o lânguido violino de ‘Hope’, obra de James Newton Howard, Fani assegura a Franz, a quem dirige as derradeiras palavras faladas: ‘Franz, encontrar-te-ei nas montanhas’, lugar onde Deus sempre se revela e nos alimenta a esperança.

Ao som de ‘esperança’, o filme termina com George Elliot: ‘pois as melhorias do mundo dependem em parte de atos que não constam da história; e se as coisas não estão tão más para ti e para mim como poderiam estar, isso deve-se em parte àqueles que viveram fielmente uma vida escondida e que repousam agora em túmulos que ninguém visita.’

O de Franz Jägenstätter foi pouco visitado, durante os primeiros anos, tempos amargos para a sua família que, até 1950, viu recusado qualquer apoio do Estado.

É, porém, hoje, reconhecido pela Igreja Católica como beato (a celebração da sua beatificação foi presidida pelo nosso cardeal D. José Saraiva Martins), sendo 21 de maio o seu dia litúrgico (dia do seu batismo).

Foi executado em 9 de agosto de 1943. 9 de agosto! Hoje! O dia em que me decidi a ver o filme ‘uma vida escondida’, dois dias, apenas, depois de ter lido ‘ a lenda do santo bêbedo’, uma das mais relevantes obras de Joseph Roth, um judeu que antecipou o que traria o regime nazi (morreu em 1939, antes ainda do início da II Guerra), e em que se conta a história de um bom homem, mas bêbedo, a quem, por uma sucessão de pequenas coincidências, Deus vai realizando pequenos milagres até ao do desfecho da sua vida, na pequena capela de Santa Teresa cuja visita desejara mas adiara, sucessivamente. Leitura a que se sucedeu nova coincidência quando uma amiga me deu a informação de que, neste mesmo dia 9 de agosto, seria exibido, no cinema Nimas, uma rara transposição deste livro para cinema.

Coincidências que são como que ‘deincidências’ (ouvi-o a bons amigos…), os lugares onde Deus faz convergir o efémero e o eterno, lugares do tempo densamente povoados de mensagem.

Franz Jägenstatter é padroeiro dos objetores de consciência: ‘Acredito não dever fazer o que é errado fazer’. Nas portas dos tribunais, hospitais, escolas, lugares da vida dos homens haveria de se colocar, em grossas placas, esta frase, perpetuando o seu legado de mártir pela verdade, a partir do hoje, das pequenas decisões quotidianas e simples de oposição à mentira e à falsidade…

Hoje! Esse lugar das deincidências… O ‘hoje’ de Lucas e a ‘hora’ do evangelho de S. João. O ‘hoje’ onde se levanta o véu que desvela a esperança. É no hoje da história que se prepara o que haveremos de tornar permanente por todo o sempre.

 Dos que sussurravam ao ouvido de Franz que haveria de ser esquecido já ninguém se lembra ou quer sequer lembrar.

De Franz (Jägenstätter) haveremos de falar por toda a eternidade.

'Os Sete Dias da Criação' |4| Luís M. P. Silva 'O primeiro dia: a luz!'

  (‘Os Sete Dias da Criação’ | Rubrica dedicada ao diálogo entre ciência e religião) Artigo originalmente publicado na revista 'Mundo Ru...