São preciosos! E são raros… Tão raros que a ninguém
cabem em sorte mais de quatro. São um tesouro a que nenhuma agência de notação
está atenta ou consegue atribuir nota adequada, porque escapam a toda a
classificação. São ouro do mais puro quilate, diamantes que nenhum outro
material consegue riscar. A tudo resistem e com o tempo se apuram na sua
preciosidade. Quando estão mais puros e enriquecidos, vem um ladrão que no-los
toma sem licença. E é então que despertamos para a riqueza com que todos os
dias fôramos brindados sem que a soubéssemos justamente avaliar.
Eles não são de metal nem de carbono, nem muito
menos de pedra mesmo que preciosa. São o sangue e a carne de que nos fizemos e
que levam vantagem de tempo sobre nós. São os nossos avós, de quem mais cedo do
que tarde fomos privados e de quem não soubemos guardar a suficiente reserva de
memória.
Quando se vão, fica a vincada recordação dos muitos
momentos passados juntos, a «destinar» vida em conjunto, a trazer ao presente
de cada noite ao borralho os nomes de gentes e lugares de quem mais nada
sabemos do que o seu significado para a construção das nossas identidades.
Ficou a memória de histórias e mnemónicas, de
lendas e lugares, de pessoas e de rezas que se vão apagando com o fechar dos
olhos de cada um.
No seu fechar de olhos muitos mundos se apagaram
para sempre. Mundos que eles levaram consigo, imensos de vida e ricos de tempo.
Mas que a nossa surdez fez emudecer para sempre.
Quando se fecham os seus olhos, há um mundo de
mundos que deixa de existir e de poder ser olhado com a distância do tempo já
vivido.
É quando os seus olhos se fecham que vemos que já
não vemos, pois falta-nos o olhar distante de quem já viveu. Quando podíamos
tomar o seu olhar, o ladrão que é a morte se acercou de nós para nos tomar a
fortuna e levar-no-los para a distância.
Resta-nos, então, começar a construir sobre as suas
memórias possíveis toda uma vida que honre, na nossa pobreza, a riqueza que
eles eram.
Nestes tempos sem tempo, sem memória e tantas vezes
vazio de olhares, os avós são essa reserva de humano que continua a dizer-nos
que, mesmo frágeis e débeis, há em nós uma chama roubada aos deuses mas com a
dignidade de um Deus, que nos confere um nome único e irrepetível em terra de anónimos.
São os nossos avós que nos brindam o dom de sermos pessoas, de termos memória,
de podermos erguer o olhar porque vimos de algures e nos erguemos para além.
Quem apaga a memória dos que trouxeram o mundo e o
tempo até si contrai dívida de gratidão que o desumaniza.
Obrigado, avô!