sábado, fevereiro 25, 2012

Ao meu avô - Preciosos e raros


São preciosos! E são raros… Tão raros que a ninguém cabem em sorte mais de quatro. São um tesouro a que nenhuma agência de notação está atenta ou consegue atribuir nota adequada, porque escapam a toda a classificação. São ouro do mais puro quilate, diamantes que nenhum outro material consegue riscar. A tudo resistem e com o tempo se apuram na sua preciosidade. Quando estão mais puros e enriquecidos, vem um ladrão que no-los toma sem licença. E é então que despertamos para a riqueza com que todos os dias fôramos brindados sem que a soubéssemos justamente avaliar.
Eles não são de metal nem de carbono, nem muito menos de pedra mesmo que preciosa. São o sangue e a carne de que nos fizemos e que levam vantagem de tempo sobre nós. São os nossos avós, de quem mais cedo do que tarde fomos privados e de quem não soubemos guardar a suficiente reserva de memória.
Quando se vão, fica a vincada recordação dos muitos momentos passados juntos, a «destinar» vida em conjunto, a trazer ao presente de cada noite ao borralho os nomes de gentes e lugares de quem mais nada sabemos do que o seu significado para a construção das nossas identidades.
Ficou a memória de histórias e mnemónicas, de lendas e lugares, de pessoas e de rezas que se vão apagando com o fechar dos olhos de cada um.
No seu fechar de olhos muitos mundos se apagaram para sempre. Mundos que eles levaram consigo, imensos de vida e ricos de tempo. Mas que a nossa surdez fez emudecer para sempre.
Quando se fecham os seus olhos, há um mundo de mundos que deixa de existir e de poder ser olhado com a distância do tempo já vivido.
É quando os seus olhos se fecham que vemos que já não vemos, pois falta-nos o olhar distante de quem já viveu. Quando podíamos tomar o seu olhar, o ladrão que é a morte se acercou de nós para nos tomar a fortuna e levar-no-los para a distância.
Resta-nos, então, começar a construir sobre as suas memórias possíveis toda uma vida que honre, na nossa pobreza, a riqueza que eles eram.
Nestes tempos sem tempo, sem memória e tantas vezes vazio de olhares, os avós são essa reserva de humano que continua a dizer-nos que, mesmo frágeis e débeis, há em nós uma chama roubada aos deuses mas com a dignidade de um Deus, que nos confere um nome único e irrepetível em terra de anónimos. São os nossos avós que nos brindam o dom de sermos pessoas, de termos memória, de podermos erguer o olhar porque vimos de algures e nos erguemos para além.
Quem apaga a memória dos que trouxeram o mundo e o tempo até si contrai dívida de gratidão que o desumaniza.

Obrigado, avô!

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