1. O direito à vida é o mais vulnerável de todos os
direitos. Vulnerável por natureza, mas também pela conjuntura concreta das
nossas sociedades abertas. Este é um direito sempre em risco. Em risco por
causa da segurança (por causa do terrorismo ou quando, em nome da segurança dos
Estados, se volta a pedir a pena de morte), mas também em risco por causa de um
modo de vida que insensibiliza perante o limite (generalizando a perceção de
serem aceitáveis o aborto, o eugenismo ou a eutanásia). Urge, então,
ultrapassar as ideologias e preconceitos e olhar para o que, de facto, está em
causa.
2. Deixámos que esta parecesse ser a causa de
apenas alguns, cada vez mais acantonados como extremistas. E isso pareceu
sossegar as consciências. ‘Se a defesa da vida é, afinal, causa de uns quantos
fundamentalistas, então, não me quero enquadrar em tal grupo’ – parece
ouvir-se, em surdina, quando a matéria é ‘defesa da vida’. Na década de 80, porém,
mais precisamente em 1981, numa entrevista ao Corriere della Sera, Norberto
Bobbio, , afirmava que lhe causava admiração enquanto descrente e de esquerda que
os «laicos entregassem aos crentes o privilégio e a honra de afirmar que não se
deve matar». Consequente com esta crítica, o Tribunal Europeu dos Direitos
humanos deliberou, sem possibilidade de recurso, em 16 de dezembro de 2010, com
11 votos a favor e 6 contra, que o aborto não é um direito humano sendo, por
isso, legítimo que os Estados o penalizem. O seu ponto de era a declaração
universal dos direitos humanos e não qualquer outro documento de natureza
discutível.
3. O direito à vida apresenta três características
que fazem dele único: não é suscetível de gradação (ou é respeitado ou não o
é); a vítima fica definitivamente excluída da possibilidade de se proteger ou
reclamar perante a violação do direito atingido; é condição necessária para os
demais direitos. No caso português, o assunto ganha particular acuidade, na
medida em que a Constituição afirma, no artigo 24º, que «a vida humana é
inviolável». Esta formulação é forte, pois não afirma, por exemplo, que «todo o
cidadão tem direito à vida». Isso seria colocar a condição de cidadão antes da
de indivíduo vivo. Tal formulação sublinha a anterioridade da vida.
4. Ao longo da história, sempre que se quis
legitimar a violência sobre os humanos incómodos ou a sua eliminação, a
estratégia passou por retirar-lhes a condição de ‘humanos’.
Hoje, a estratégia é semelhante. O outro, cuja
eliminação se quer legitimar, é ‘ainda não humano’, ‘o doente cuja vida já não
é humana’, ‘o agressor que já não merece viver’, etc. Importa denunciar estas
estratégias que debilitam a consciência ética e que facilitam o desrespeito
para com a vida humana.
5. Esse tem sido o trabalho da ADAV-Aveiro, para
quem todo o humano é digno, seja qual for a sua condição, origem, idade ou fase
em que se encontra do seu processo de realização como humano. É, desde que se
tornou único na sua identidade, a partir da conceção, um humano cuja existência
exige reconhecimento e respeito. Desde 2000, esta tem sido a missão da
Adav-Aveiro: sensibilizar para o valor singular de cada vida humana e para o
dever de encontrar soluções para que esta se desenvolva, mesmo nas
circunstâncias mais difíceis. Certos de que, quando o direito à vida é violado,
as vítimas já não têm voz e só têm a voz dos que as representam.