Diz-se que o Barroco é a época da história marcada
pelo horror ao vazio. Assim na música, em que há um pleno preenchimento do
‘espaço’ do som com os baixos contínuos, na pintura, em que o movimento das
vestes cria volume e gera sensação de que não há passividade ou quietude, na
arquitetura, em que as talhas douradas não deixam lugar a espaços por
preencher. Tudo porque a riqueza e a ostentação da época deveriam distrair do
vazio e das inquietações da vida.
Corremos o risco de viver uma época com novos traços
barrocos. Como em plenos séculos XVII e XVIII, temos o horror ao silêncio e ao
que nos possa levar ao confronto com a vida.
Mas essa é, exatamente, a sabedoria que se descobre
quando decidimos perceber os tempos com que se faz o ano litúrgico.
O ritmo que se faz de espera e acolhimento,
expectativa e redenção, está ao arrepio da ansiedade e incapacidade de esperar
que definem os tempos de hoje. E, talvez, por se ter abandonado, com desdém,
tal opção de marcar o tempo com uma sabedoria conquistada lentamente, tanta
depressão e angústia se escondam na voracidade com que vivemos as nossas vidas.
Este tempo que a liturgia propõe a quem quer
preparar o Natal, faz-se de espera, porque o seu próprio nome – Advento – nos
fala de aproximação e do que ainda não chegou, mas se abeira de nós. Como se de
uma gravidez cuidada e amadurecida com ternura se tratasse. E é, de algum modo,
mesmo, uma gravidez. Já não a primeira que inspira este tempo, mas uma nova: a
gravidez da eternidade e do sentido!
Como bem recorda Bento XVI, em homilias que
proferiu, ainda professor em Münster, entre 13 e 15 de dezembro de 1964, o
advento de que ‘fala’ a liturgia recorda-nos a todos que ainda estamos, nesta
vida, em Advento. A salvação já está a acontecer e antecipou-se, definitivamente,
em Jesus Cristo, mas este é o tempo em que ainda não está tudo realizado, de
modo permanente. As nossas vidas são tempo de advento. Esquecê-lo é criar
ilusão. E talvez por isso tanto façamos para antecipar o Natal sem passar pelo
Advento. Como se fosse possível fazer de conta que o mundo já não precisa de
que se opere, nele, a redenção antecipada, de uma vez por todas, mas que carece
das nossas mãos para se tornar efetiva, na vida dos homens.
O advento da liturgia é expressão de um outro
advento que não podemos iludir.
Desta simbologia nos fala Ratzinger: «O advento (e
ao contrário do que talvez pudesse ser afirmado em tempos mais longínquos) não
é um jogo sagrado da liturgia, através do qual, por assim dizer, ela nos volta
a conduzir pelos caminhos do passado, e nos volta a mostrar, de forma nítida, o
que se passou noutros tempos, para que nos regozijemos e nos alegremos ainda
mais com a redenção que hoje temos. Na verdade, somos forçados a reconhecer que
o Advento é muito mais do que simplesmente recordar e reviver o passado; ele é
o nosso presente, a nossa realidade. A Igreja não está a reviver um passado;
ela está a mostrar-nos uma realidade que também é a realidade da nossa
existência cristã. É através do significado do tempo do Advento no calendário
litúrgico que a Igreja volta a despertar as nossas consciências. Um significado
que nos deve fazer enfrentar os factos, que nos deve forçar a admitir a
dimensão da condenação que, longe de ter existido num mundo em tempos idos, ou
de existir ainda talvez algures, continua a ser uma realidade para nós próprios
e para a própria Igreja.» (Joseph Ratzinger – Do sentido do ser cristão.
Principia, 16)
A vertigem com que tudo, ao nosso redor, nos apela
a esquecer que, para nascer, há que dar tempo à lenta gestação, distrai-nos e
inebria-nos ao sabor da cadência das luzes e da melodia das vozes… Belas, bem
certo, mas ainda antes do tempo! Não deve, por isso, alienar-nos da vida e do
reconhecimento da inquietude que, no aguardado presépio, encontra a sua
satisfação definitiva. De outro modo, este não passará de um tempo de ilusão,
quando deveria ser de expectativa da redenção. Valerá, com efeito, perguntar
porque temem os homens de hoje o tempo da espera; ou se já desistiram de
esperar por terem deixado de acreditar que há Algo a esperar.
Do Advento vem-nos a certeza de que esperar é
preciso e justificado, porque se aproxima o tempo em que tudo se realizará.
Pode celebrar-se o nascer sem se passar pelo tempo
de o preparar?