Portugal recebeu, no dia 27 de janeiro de 2019, a
notícia de que seria o palco das jornadas mundiais da juventude, a ocorrer em
2022. Mesmo tratando-se de uma iniciativa promovida pela Igreja Católica e
primeiramente dirigida a jovens católicos, a alegria com que tal notícia foi recebida,
nos mais diversos quadrantes da sociedade, evidencia o reconhecimento de que é
um evento que ultrapassa as ‘fronteiras’ do catolicismo, quer por se tratar de
um acontecimento multitudinário, com forte impacto na relação entre povos
(impacto económico, cultural, sociológico, político, etc.), quer pela natureza
promotora de encontro com a diversidade que define a própria iniciativa.
Logo, porém, se ergueram vozes contrárias a uma
qualquer associação do Estado à iniciativa, com críticas à presença do Chefe de
Estado ou de outros políticos nas próprias Jornadas realizadas no Panamá.
Bem certo que toda a presença em qualquer evento,
por parte dos representantes políticos é suscetível de escrutínio, dado que em
causa pode estar a utilização de dinheiros públicos. O que está, porém, em
causa nestas manifestações prontas de ofensa é a sempre repetida questão da
laicidade.
A associação ateísta, a associação ‘República e
Laicidade’ são, habitualmente, as vozes de uma interpretação que já era hora de
se dizer que é minoritária e vencida, quer pela história, quer pela própria
jurisprudência. Expliquemo-nos…
Importa, antes de mais, ser muito claro quanto a
uma afirmação tantas vezes repetida que se assume como verdadeira.
Não é verdade que a nossa constituição utilize os
termos ‘laico’, ‘laica’ ou ‘laicidade’ para definir a natureza da relação entre
Igreja e Estado, em Portugal. Essas palavras aparecem, de facto, mas na
Constituição da República Francesa, pelo que não deve importar-se para o âmbito
português aquilo que é de outro âmbito.
Mais…
O artigo da constituição que define as condições
da relação entre Estados e Igrejas é o 41º, cuja redação é particularmente
interessante, pois coloca o acento na liberdade religiosa e não na neutralidade
do Estado. Aliás, as intervenções do Tribunal Constitucional (ver os acórdãos
n.os 423/87 e 174/93) evidenciam que não existe qualquer incompatibilidade
entre a Constituição da República Portuguesa e a sua relação cooperante com as
religiões, em geral, e com o Catolicismo, em particular.
Valerá a pena somar mais uma constatação.
Há, de facto, um princípio da relação entre
Estado e religiões identificado como ‘laicidade’ que a define como uma justa
separação entre ambos. Daqui, porém, decorrem duas leituras antagónicas. Uma é
designada como laicidade positiva ou, simplesmente, ‘laicidade’ que muitos
sustentam nascer da afirmação de Jesus Cristo de que ‘deve dar-se a César o que
é de César e a Deus o que é de Deus’. Tal posição entende que, cada um na sua
ordem, Estado e Religiões, são autónomos, mas cooperando um com o outro. Outra
interpretação, definida como ‘laicidade negativa’ ou, simplesmente, ‘laicismo’,
entende que o Estado deve fazer de conta que as religiões não existem, ter para
com elas uma atitude de desconfiança, e, no limite, persegui-las. Na melhor das
hipóteses, o Estado tolera a sua existência, desde que fiquem no âmbito
privado. É a posição da associação ateísta e da República e Laicidade.
A História da Revolução Francesa (e o seu período
do terror), os regimes coletivistas de Leste, a primeira República Portuguesa e
tantos outros momentos da história, demonstram, à saciedade, que essa é uma
visão errada, porque, para além de tudo, desrespeita o direito à liberdade
religiosa que não é, simplesmente, um direito privado, mas um direito à
manifestação pública, desde que não seja exclusivista e desrespeitadora das
demais.
A história do mundo e a história da República
Portuguesa evidencia que já era hora de se ter aprendido a lição de que não
está no silenciamento da religião o segredo de um país e de um povo, mas no
reconhecimento do seu sentir e na valorização positiva do mesmo.
Acrescente-se, ainda… A atitude da associação
ateísta, contrariamente ao que quer fazer crer, representa uma visão
minoritária mas muito poderosa junto da imprensa (basta reparar como os jornais
I e Sol logo publicaram, como se tivessem uma só redação (terão?), uma
reportagem fazendo crer que teria havido uma espécie de insurreição coletiva,
quando se percebe que nem há quem fale em nome da referida associação).
E o que diz não é argumentativo ou discursivo. O
que diz utiliza a estratégia dos discursos do ódio e, neste caso, um ódio
dirigido, de matriz catolicofóbica, bem visível nesta frase com que se termina
a referida reportagem: «O país não é um bando de beatos e não merece tal
ofensa.»
Os católicos não são, eles próprios, ‘um bando de
beatos’. Tal abordagem evidencia um preconceito que já deveria ter ficado nos
longínquos anais do século XIX, em que ciência e religião pareciam não se
entender. Hoje, Lemaître, David Jou, Polkinghorne, Macgrath, Peacoke, John
Haught, Teilhard de Chardin e tantos outros evidenciam que não faz qualquer
sentido uma lógica de conflitualidade.
O que continuam a pretender os que, teimosamente,
recuperam tal visão passadista? E o que querem os que lhes dão o palco que não
dão a quem quer demonstrar, há muito tempo, que ganharemos todos se o diálogo
entre religião e ciência, entre Estado e religião for efetivo?