O mundo tem assistido a mudanças vertiginosas,
apresentadas como espontâneas, naturais e imparáveis. Pudéssemos ‘regressar’ ao
futuro e olhar para trás, com independência, as grandes decisões das últimas
décadas (particularmente a partir da conferência do Cairo sobre a população,
realizada em 1994) e notaríamos uma tónica comum (nestes tempos atonais, não
deixa de ser paradoxal!): diz-se que ‘somos muitos, somos demasiados, pelo que
temos de diminuir a população mundial’.
Grande parte das decisões tomadas, desde finais da
década de 60, explicita ou mantém implícita a estafada tese malthusiana
(Malthus viveu entre 1766 e 1834, mas a sua tese de que ‘o crescimento da
população é geométrico, enquanto a alimentação é numérica’ permanece viva,
apesar de repetidamente negada pela realidade).
Antes de avançarmos, recuperemos a primeira ideia
aqui apresentada – a da espontaneidade das mudanças – para a contestar e deixar
muito clara a consciência de que as mudanças têm sido conduzidas por
instituições, lóbis e organizações devidamente identificadas que se propõem
defender, nos areópagos internacionais, as suas agendas, (vale a pena ler, a
este propósito, dois livros muito esclarecedores: Gabriele Kuby – A revolução sexual global: destruição da liberdade em nome da liberdade
(2019) e Marguerite Peeters – A globalização da revolução cultural
ocidental: conceitos-chave e mecanismos operacionais (2015), ambos editados
pela Principia) e pelo que nada têm de natural e imparável as mudanças que, a
pretexto da tese que aqui iremos denunciar, se propõem desnaturalizar a
‘natureza humana’.
[Entendo por ‘desnaturalizar’ a natureza humana o
esforço de negar a importância da condição natural como condição necessária
para entender a dimensão cultural do ser humano. O homem é cultural numa
natureza que ele recebe e que lhe é prévia. Ele realiza-se enquanto natureza
humana que se torna cultura. A ‘desnaturalização’ da natureza humana tudo reduz
a construção cultural. No limite, a própria condição sexuada do ser humano é
desvirtuada da sua dimensão natural para ser reduzida a um constructo cultural
e social.]
Seremos,
mesmo, muitos?
Retomemos a questão malthusiana, explicitando que a
nossa tese é a de que, de facto, não somos muitos. Somos, quando muito,
‘malcomportados’, isto é, o risco da nossa existência para o ambiente não
decorre do nosso número (tese a analisar), mas dos comportamentos que temos.
Senão, vejamos…
Para evidenciar como não somos, efetivamente, muitos,
perguntemo-nos o seguinte (a pergunta devo-a ao jornalista e amigo, António
Jorge Ferreira, que, um dia, ma formulou nos termos em que a vou apresentar):
imagine-se que procurávamos reunir todos os 7 mil milhões de humanos num só
espaço em que a cada humano se atribuiria uma área de um metro quadrado (m2).
Que território ocuparia essa mole humana?
Deixo a pergunta ao leitor. Em que território
caberia a população mundial, dentro desta condição matemático-geométrica?
Já a formulei a diversos públicos e as respostas
foram de ‘continente europeu’ a ‘toda a área de Portugal até Vladivostok’, a
‘toda a Terra’, enfim.
Mas procuremos, então, fazer a análise pela via
matemática.
Comecemos por recordar que uma área de 1 m2
é a que corresponde a um quadrado com um metro de lado. Por seu turno, um
espaço com um quilómetro quadrado (Km2) é o que corresponde a um
quilómetro de lado, o que significa que tem 1 milhão de metros quadrados. Está
fácil de concluir, desde já, que, na área de um quilómetro quadrado caberia um
milhão de humanos, aplicando o teor da proposta que estamos a analisar.
Estendendo a ideia… em 10Km2, caberiam 10 milhões de humanos (todos
os portugueses, afinal) e em 100 km2, caberiam 100 milhões de
humanos. Saltando para o final do raciocínio, os 7 mil milhões caberiam em 7000
Km2.
Fica a faltar a identificação mental de um
território que corresponda ao final do nosso raciocínio: o que tem a área de
7000 Km2?.
Para os que tinham afirmado que precisaríamos de
toda a Terra, logo ficariam excluídos da verdade ao verificarem que a Terra tem
uma área de 510 milhões de Km2. Muito mais do que a área de que necessitamos.
Os que pensaram no território da Europa e Ásia (de
Portugal a Vladivostok) também rapidamente concluirão que 54 milhões de km2 são
área a mais para albergar os nossos ‘modelos’.
E na Europa? 10 mil milhões continuam a ser área a
mais.
Portugal? Dos seus cerca de 92 mil Km2
também demasiado espaço sobejará.
Teremos de concluir que, afinal, caberíamos num só
dos nossos distritos, que não o maior de todos. Caberíamos no distrito de
Évora, que tem cerca de 7393 Km2.
E se decidirmos alargar a área a conceder a cada
humano para 4 m2 (2 metros de lado), verificaremos que a área do
Alentejo e Algarve é suficiente para albergar todos os humanos vivos,
atualmente.
Ou seremos,
afinal, malcomportados?
Naturalmente, do que acima se trata é de um puro
exercício matemático, mas que denuncia que, afinal, não seremos tantos,
numericamente falando, como nos querem fazer crer, sendo que, para além disto, há
que ter em conta que o crescimento da população não é um mero exercício de
geometria, pois fatores como, por exemplo, as pandemias (!) as guerras, as
políticas, as adversidades de vária monta interferem nas variações dos números
demográficos. E tudo indica que, afinal, a população mundial volte, de novo, a
decrescer (Cfr. Robert E Ricklefs,
A economia da natureza (2010))
Será fácil concluir, então, que esta mentira muito
bem construída terá de ser substituída pelo reconhecimento de que o problema da
demografia humana não é quantitativo, mas sim de ordem moral. Temos de
converter a nossa forma de estar, não porque tenhamos medo – o medo não é bom
fundamento da moral! –, mas porque reconhecemos o mundo como um lugar a
respeitar e acolher como recebido e a transmitir. Outra ordem moral se impõe,
mas não a dos lóbis fraturantes: antes a que nos assume como um ser criado e
devedor de Fonte Maior a quem se deve reconhecer o senhorio do mundo e não considerando-se
a si próprio – ‘Humano’, afinal! – como o Senhor absoluto de um mundo a
dominar. Enquanto esta conversão não ocorrer (construam-se lóbis para isso,
sim!), por poucos que formos, seremos sempre demasiados, tal a sofreguidão.
Até quando nos manterão sob a influência da grande
mentira?
(Nota: as informações sobre as áreas territoriais foram recolhidas da
wikipédia em 17 de junho de 2020)