quarta-feira, julho 31, 2024

Educação Moral e Religiosa Católica: os porquês para além do ‘porque sim’…

Texto originalmente publicado no Correio do Vouga [edição de 24 de julho de 2024]

 Amar é muito mais do que tolerar!

Cuidar é muito mais do respeitar!

Contemplar, muito mais do que ver e admirar!

Adorar, muito mais do que apreciar!

Acolher o outro como irmão, muito mais do que incluir!

Viver na esperança, muito mais do que ter pensamento positivo ou forte desejo!

Ver o mundo como criação e dom, muito mais do que olhá-lo como casual e anónimo correr do tempo e da matéria.

 

Desse outro modo de olhar as coisas fala a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, um lugar único em todo o contexto escolar.

Todos percebemos que devemos respeitar-nos, incluir, adotar comportamentos respeitadores do ambiente, mas precisamos de perceber porque o deveremos fazer. Não basta dizerem-nos que o devemos fazer ‘porque sim’, ou porque nos devemos tolerar, ou porque os sinais temíveis estão diante de nós. O medo, o ‘porque sim’, o dever imposto a partir da lei escrita podem ser eficazes, mas não nos satisfazem o desejo profundo de encontrar razões sólidas e robustas.

EMRC, ao ousar ver o outro como irmão, ao procurar as razões para essa original fraternidade, ao lançar uma visão sobre o mundo como criação, é lugar único para problematizar e encontrar as razões sólidas que não caem com a primeira ventania.

Se não fosse EMRC, no espaço escolar, como poderíamos fundar uma autêntica fraternidade, se não nos referíssemos a um ‘Pai’ comum? Como poderíamos alicerçar uma genuína ecologia não baseada no medo do afundamento do mundo (porque as alterações climáticas nos atemorizam), mas sim no reconhecimento do mundo como dom recebido?

Se não fosse EMRC, quem falaria das relações entre as pessoas baseadas no ‘amor’? Quem ousaria desafiar ao cuidado muito para além do mero respeito? Quem nos diria que o mundo é para ser contemplado porque é transparente de uma realidade para além do visível?

E, afinal, quem ousaria despertar os jovens para todos os valores para além do mero princípio de que nos devemos respeitar uns aos outros? Quem nos diria que respeitarem-me não tem de significar aceitar tudo o que penso e faço? Quem nos ajudaria a distinguir a pessoa dos seus atos, desafiando ao acolhimento da pessoa, mesmo que rejeitando e recusando o que ela faz?

Quem nos ajudaria a encontrar o equilíbrio entre o relativismo (que aceita tudo o que se faz em nome da tolerância para com todos) e o absolutismo (que rejeita todos os que seguem ideias ou agem incorretamente), inspirando-se na ação de Jesus Cristo que acolhe a mulher adúltera e recusa o adultério?

Quando, em tempos confusos, alguns querem propor modelos de sexualidade em que se busca o igual ou se basta em encontrar-se a si mesmo, EMRC desafia a ousar partir de si e construir-se no encontro com o outro diferente do próprio, pois é na diferença que se constroem as identidades.

EMRC tem uma identidade, uma matriz. É uma disciplina que propõe o encontro entre a moral e a religião católicas e outras realidades que emergem no contexto escolar. Mas esta matriz não é um defeito: é uma virtualidade e uma oportunidade. Como poderá haver diálogo sem identidades?

Como poderá haver ‘ventos favoráveis’ se não sabemos para onde queremos ir? Como poderemos discernir entre o bem e o mal, entre o correto e o incorreto se não temos um rumo?

EMRC proporciona espaço e contexto para despertar para um rumo, para um caminho, dando conteúdo aos desejos que se alimentam na cultura escolar. Não seria muito pouco se ao fim dos anos de escolaridade a única conclusão a tirar fosse a de que se aprendeu, apenas, que cada um deve poder fazer o que quer? E quem nos ensina a buscar o que, autenticamente, devemos querer?

EMRC, ao abrir ao sentido definitivo da vida, ao inspirar-se no modelo que é Jesus Cristo, ao olhar para a longa história (também de luzes e sombras) do Cristianismo na narrativa da humanidade, ao despertar para um olhar que vê transparecer, na realidade, a dimensão espiritual, cria condições para que cada um dos alunos possa descobrir as verdadeiras razões para amar, ter esperança, cuidar, acolher, adorar, contemplar, agradecer… E, por isso tudo, ser uma pessoa mais feliz e um cidadão mais comprometido.

Quanto se perderia se EMRC deixasse de ser o pulmão de ar puro e renovado das escolas!

 

 

domingo, julho 28, 2024

Sentir-se ofendido é respeitável

 

Começaram os jogos olímpicos de Paris.

Sou um apreciador do espírito olímpico e do ideal que lhe subjaz.

Reconheço no jogo, enquanto metáfora, simulada e simbólica, da «vitória» sobre o outro sem o derrotar existencialmente, uma das mais inteligentes descobertas da humanidade. Aliás, estará entre algumas das especificidades humanas.

Precisamente por tudo isto, em tempos de tantos conflitos, espera-se que os Jogos Olímpicos sirvam o objetivo para que foram recuperados do esquecimento e consigam evocar os mais sólidos valores em que todos nos reconhecemos. ‘Citius, Altius, Fortius’ são interpelações à constante superação, dinamismo que, aliás, o cristianismo sempre promoveu, ainda que consciente de que a humanidade, por si só, não é suficientemente capaz de o atingir. A meta é sempre Deus, que atrai, e a Quem a humanidade responde.

A história guarda, também, memória de que, nos tempos que rodeavam os jogos olímpicos, as cidades-estados gregas suspendiam as guerras, criando uma trégua olímpica, desafio tantas vezes repetido pelo Papa Francisco. Bem se espera que esta seja uma oportunidade não perdida, para que se possa, de facto, fazer jus à história.

Os jogos Olímpicos de Paris abriram com uma cerimónia cheia de luz e simbolismo. A magnitude dos meios e a densidade dos símbolos não deixaram ninguém indiferente, pelo que maior é a proporção e o alcance das opções seguidas.

Não podemos, por isso, deixar de nos associar às muitas vozes que sentiram que, a pretexto de certas opções culturais, os organizadores da cerimónia consideraram ser legítimo ridicularizar símbolos cristãos. O povo diz, e bem, que ‘quem não se sente não é filho de boa gente’. A indiferença seria a opção mais conveniente, mas uma certa cristofobia progressivamente implantada e já diagnosticada por pensadores insuspeitos como o judeu Joseph Weiler, obriga a que não se permaneça indiferente, no mesmo momento em que, por causa da fé, em muitos quadrantes deste planeta que se diverte e joga, tantos são mortos e continuam a ser feitos mártires.

Sentir-se ofendido é um sentimento meritório e digno de respeito. Em tempos que tanto valorizam a imagem e as simbólicas associadas às linguagens, seria, aliás, estranho ou inquietante que os cristãos não se tivessem manifestado.

Acusam-nos de o fazermos por sermos conservadores, como se isso, por si, fosse um erro. Mas vale a pena recordar que quem não conserva deixa estragar…

Evocar a memória cristã que fundamenta valores como os que preconizam os jogos olímpicos poderia ter sido feito com um espírito que elevasse ‘mais alto, mais longe e mais profundamente’. Essa não foi a opção e isso entristece-nos. Quem nos pode impedir de o sentir? E quem nos pode impedir de pensar que, a pretexto da defesa da diversidade, se pretende promover uma certa imoralidade, ao arrepio, aliás, do que está plasmado na própria legislação dos países?

Não pode haver liberdade autêntica sem o respeito pela dignidade própria e dos demais.

Sejam estes jogos uma oportunidade para elevar mais alto a humanidade, em torno dos valores mais nobres, mais densos, autenticamente mais construtores de uma genuína fraternidade que se fundamenta no reconhecimento (implícito ou explícito) de que um Pai comum a todos é que nos faz irmãos.

Viva o autêntico espírito olímpico!

segunda-feira, julho 15, 2024

‘Regresso a Ítaca no sonho do Éden’ | 21 | Em Jesus Cristo, sarou-se o calcanhar de Aquiles e o que agarrava Jacob

 

Artigo originalmente publicado na revista 'Mundo Rural'

Luís Manuel Pereira da Silva*

‘Regresso a Ítaca no sonho do Éden’ pede-nos que retrocedamos à guerra de Troia e à história de Aquiles. Nela, há muito a encontrar de confluência e divergência entre a cultura clássica e a cosmovisão cristã.

Aquiles é, como nos conta Pierre Grimal, no seu incontornável ‘Dicionário da mitologia grega e romana’[1], filho de um humano – Peleu, rei de Ftia (Tessália) e de uma deusa, Tétis. A mãe procurava afastar dos seus filhos as marcas de humanidade, mergulhando-os no fogo. Tal ação matara os seis filhos anteriores. Aquiles teria tido o mesmo fim, não fosse Peleu tê-lo salvo, no momento decisivo, mas, ainda assim, com marcas que lhes ficaram, no lábio (ainda queimado pelo fogo) e no calcanhar, que teve de ser substituído pelo calcanhar de um gigante morto, Dâmiso, o que lhe conferiu capacidades de corrida únicas.

Uma outra lenda, a mais conhecida, diz que Tétis mergulhara Aquiles nas águas do rio infernal, Estige, rio que tinha o condão de conferir a quem nele mergulhasse o poder de se tornar invulnerável. Tétis mergulhara Aquiles nessas águas, mas segurando pelo calcanhar, único ponto onde Aquiles se tornou invulnerável.

Na guerra de Troia, será pelo calcanhar que advirá a morte do herói.

Ditara um oráculo que, se Aquiles matasse algum filho ou filha de Apolo, haveria de morrer. Assim aconteceu, na ilha de Ténedos, onde Aquiles matou Tenes, uma das filhas de Apolo, ao pretender raptar uma sua irmã. Já na guerra de Troia, uma lança, atirada por Páris e orientada por Apolo para o frágil calcanhar, ditará o desfecho do filho de Tétis.

Curiosamente, a vulnerabilidade e simbolismo do calcanhar aparecerá, antes da morte do herói Aquiles. Ele próprio arrastará o troiano Heitor, por si assassinado na batalha, prendendo-o pelo calcanhar ao seu carro de combate, irando os deuses que se sentem ofendidos com a afronta de Aquiles para com o dever de respeitar os mortos.

O comportamento de Aquiles parecia antecipar o seu próprio desfecho: o calcanhar. Sempre o calcanhar…

Curiosamente, Troia e a viagem que se lhe seguiu (regresso a Ítaca) une-se à cosmovisão cristã de uma forma algo insuspeita.

Entre as ‘maldições’ descritas após o ‘pecado de Adão e Eva’, inclui-se, precisamente uma referência ao calcanhar: ‘Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no calcanhar.’ (Gn 3, 15, edição de www.paroquias.org)

E, de modo indelével, o calcanhar está ligado à história de Israel, aliás, ao próprio Israel, cujo nome primeiro é ‘Jacob’, que, etimologicamente, quer dizer ‘aquele que segura pelo calcanhar’, correspondendo ao que é contado sobre o nascimento de Esaú e de Jacob, em Gn 25, 26, onde se diz que ‘Depois, saiu o irmão, segurando com a mão o calcanhar de Esaú. E por isso lhe deram o nome de Jacob.’

Não nos é possível, hoje, saber se os autores de Génesis conheceriam o mito de Aquiles, mas a densidade do simbolismo associado aos pés e ao calcanhar, faz-nos, num primeiro momento, aproximar as duas cosmovisões para, num segundo momento, as fazermos divergir.

A aproximação resulta de constatarmos o reconhecimento, em ambas as culturas (clássica e judaico-cristã), do lugar do caminhar, do andar, do mover-se: veja-se a importância do conceito de ‘peregrinar’, do ‘sacudir o pó dos pés’, do ‘beijar os pés’, como símbolos densos e suficientemente transparentes para nos dispensarmos de os desvendar. Falam por si.

Este reconhecimento simbólico está densificado num monumento situado numa das margens do Danúbio, na cidade de Budapeste. Numa obra realizada Can Togay e Gyula Pauer, estão colocados, em desalinho, apenas sapatos de bronze e ferro, aludindo e homenageando os judeus que, pelas milícias da Cruz de Ferro, ali mesmo foram executados, pelas costas, em plena II Guerra Mundial. Hoje, as vítimas estão representadas pelos sapatos (imagem dos pés).[2]

Mas a esta aproximação associamos, prontamente, um movimento de divergência.

Na cultura clássica, a vulnerabilidade do calcanhar, retratada no mito de Aquiles, expressa um último resquício de fragilidade humana perante a invulnerabilidade do resto do corpo.

Ao humano está associada a perda; ao divino, o ganho.

Na cultura cristã, o registo é distinto.

É o homem todo que é vulnerável, mas também é todo ele que é elevado ao divino. Não apenas uma parte de si.

Os gregos olham para o humano como sinónimo do trágico. A humanidade é prescindível, superável, lugar da tragédia. A vida de Aquiles está toda ela envolvida em maldições: impende sobre ele o dito do oráculo que prevê que, ou tenha vida longa, mas sem glória ou, então, glória, mas com morte precoce; ama, mas os seus muitos amores (Ifigénia; a irmã de Tenes; Pentesileia, a rainha das amazonas, por quem se apaixona depois de a matar; Políxena, por cuja paixão aceita fazer um acordo de entregar os gregos, etc.) são fontes de problemas e novas maldições; aceita que Pátroclo o antecipe, na batalha, esperando que os troianos desistam, por medo, mas ele próprio acaba por morrer, sem conseguir enganar os troianos. Maldições e tragédia. Para os gregos, onde o humano está, está o trágico.

Na cultura cristã, pelo contrário, o humano é divinizado e assumido, todo ele, por Deus.

Disto nos dá conta o concílio de Calcedónia ao afirmar que Jesus Cristo é ‘verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem’.

O divino não está limitado, já, pela vulnerabilidade do ‘calcanhar’. O Homem, assumido por Deus, em Jesus Cristo, evidencia-se, na visão cristã, como digno, portador, todo ele, de condição suscetível de ser assumida por Deus.

Aquiles é filho de Tétis que deseja apagar do filho as marcas do humano; Jesus Cristo é Filho de Deus que ama o Humano e reconhece nele a dignidade merecedora de n’Ele encarnar. Não será, por isso, casual que as representações de Deus, que podemos colher das parábolas do Evangelho da misericórdia, o de Lucas, não nos mostrem Deus a pegar em parte do humano, mas a abraçá-lo, integralmente. As mãos do Pai, no quadro de Rembrandt (do ‘Regresso do filho pródigo'), uma feminina e outra masculina, ou as enormes mãos do quadro de Arcabas, na capela da Ressurreição[3], em Bérgamo, evidenciam que o abraço de Deus nos toma como todo, e não nos apanha, apenas, o calcanhar.

Em Jesus Cristo, ficou sarado, para sempre, o calcanhar de Aquiles, assumida que está, integralmente, a nossa condição, toda ela vulnerável, mas divinamente elevada.


[1] Pierrer Grimal, Dicionário de mitologia grega e romana, Lisboa, Antígona Editores, 2020, pp. 35-39

[2] Recolhido do luminoso livro de Pe. José Miguel Cardoso, Anatomia da Fé: Introdução pós-moderna ao cristianismo, Apelação, Paulus Editora, 2014, p. 71.

[3] Ver a descrição feita no livro de Pe. José Miguel Cardoso, op. Cit, p. 66.

domingo, julho 07, 2024

Sabes, leitor... | 7 | Marca de água do livro de George Weigel, 'O cubo e a catedral'

 

Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’** | Marca de água de livros que deixam marcas profundas
Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura

Luís Manuel Pereira da Silva*

O autor e a obra
George Weigel, O cubo e a catedral: A Europa e a América e a política sem Deus, Lisboa, Alêtheia Editores, 2006.

Nestes tempos tão propensos a fazer da identidade fator de isolamento e discriminação, sugiro ao leitor acercar-se de George Weigel como quem espera ser surpreendido (sendo que o será, com toda a certeza) para além dos pré-conceitos que a sua não omitida identidade de católico possa suscitar. George Weigel está certo de que, nestes tempos dados a neutralidades terraplanadoras, só é possível o diálogo que ocorre no encontro entre as identidades. E faz, por isso, da sua condição de teólogo católico a mais-valia do que diz, situando-se e não escondendo a sua condição de situado para ler o mundo.

É aí que reside a força da sua coluna ‘a diferença católica’ cuja repercussão nacional, nos Estados Unidos, evidencia que a leitura situada e identificada não é um prejuízo, mas uma condição de verdade.

As suas obras respiram esta sua matriz fundamental. Entre elas, ‘Cartas a um jovem católico’ (Tenacitas), a biografia de S. João Paulo II, ‘Testemunho de esperança’ (Bertrand) e ‘O cubo e a catedral’ (Alêtheia) mereceram ampla projeção e repercussão nacional em Portugal. Em 2002, a convite do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, participou na Palestra anual Alexis Tocqueville, com conferência sobre ‘Duas Ideias de Liberdade’, publicada em coletânea da Universidade Católica Editora.

Marcas de água (o que fica depois de se deixar o livro)

 

Pelo título ‘o cubo e a catedral’ talvez não se imagine a oportunidade deste livro e a sua pertinência para as discussões mais urgentes, no contexto nacional e europeu.

Mas, superada a opacidade de uma ainda equívoca metáfora geométrico-cultural (um cubo e uma catedral o que poderão ter a dizer-nos sobre as nossas opções políticas e as suas repercussões mais prementes?), perceberemos porque levou o autor destas linhas apenas dois dias a percorrer, vorazmente as 150 páginas deste ímpar ensaio (li-o entre 5 e 7 de agosto de 2009) e revisito-o, agora, por nele encontrar vias para uma discussão jamais devidamente feita, em Portugal.

‘O cubo e a catedral’ é um ensaio. Um magnífico ensaio.

O tema?

Não se supondo, este ensaio enfrenta uma interrogação fundamental: o que pode dizer-nos o inverno demográfico sobre o modo como vemos a vida, como vemos o humano que somos?

Implicitamente, este ensaio denuncia as abordagens ‘cosméticas’ que visam combater o inverno demográfico que, no silêncio da noite cultural, se vem abatendo sobre a Europa. A questão fundamental não está em opções conjunturais de incentivo à natalidade que deixam de fora o problema de fundo. A questão fundamental está na interrogação sobre o sentido das vidas e sobre o papel que a dimensão religiosa tem nas decisões mais quotidianas.

Valerá a pena constatar que algo haverá de diferente entre o que acontece na América, que não tem problemas de natalidade, e a Europa, cujo futuro é sombrio, dado deparar-se, há muito, com perdas demográficas profundas (tenha-se em conta que este ensaio é, originalmente, de 2005!).

E o autor enuncia a razão de fundo.

A laicidade americana é distinta da laicidade europeia.

Já Tocqueville, no século XIX, o constatara. George Weigel retoma a tese e aplica-a à matéria em apreço.

Com efeito, Weigel afirma que a laicidade europeia concebeu-se como uma neutralidade do Estado perante a religião que chegou a torna-lo indiferente para com a religião, enquanto, no caso americano, a laicidade sempre foi entendida num registo de respeito pela liberdade religiosa, criando espaço para a diversidade que permitiu que a sociedade e Estado não andassem de costas voltadas cooperassem, positivamente. Dessa cooperação resultou que as opções dos cidadãos fossem respeitadas, repercutindo-se a influência do religioso nas opções políticas. A América não se fez apesar dos cidadãos e das suas opções (entre elas, as religiosas…), enquanto na Europa, por influência de uma laicidade negativa, fortemente afetada pela matriz da revolução francesa, a política fez-se, muitas vezes, apesar das opções dos cidadãos, com custos notórios.

A influência do religioso em matéria de natalidade é visível. O crente acolhe a vida como dom, e não, primeiramente, como uma conquista ou uma autodeterminação e, muito menos, como um estorvo. A perda do sentido religioso da existência, coletivamente falando, repercutiu-se, no entendimento de Weigel, na perda do sentido de acolhimento da vida a nascer.

O cubo e a catedral é, assim, enquanto título, metáfora de duas visões, em que a catedral remete para a visão cuidadora da vida, em registo de dom que se acolhe, por oposição à geometria do Cubo (aludindo ao que foi construído em La Défense, mais alto do que a Catedral de Notre Dame e, por isso, expressando a ‘superioridade’ da geometria ‘libertarista’ defensora de uma liberdade humana distante de Deus…) que sustenta a dispensabilidade do religioso para a conceção das políticas comuns.

Para além de se tratar de um ensaio oportuníssimo para a problematização das visões de laicidade em jogo permanente, até na sociedade portuguesa (‘volta e meia’, emergem, na sociedade, teses laicistas, preconizadoras do silenciamento do religioso…), ‘o cubo e catedral’ desafia a que se vá às questões ‘culturais’ e de cosmovisão para problematizar as verdadeiras razões que explicam o inverno demográfico que assola o território europeu.

Lendo, com atenção, George Weigel não pode senão perceber-se que talvez seja hora de as políticas europeias se fazerem com o contributo das próprias organizações religiosas que, certamente, poderão contribuir para que, recriando as cosmovisões num registo distinto da existência, possam, a médio e longo prazo, auxiliar na reconfiguração de uma matriz capaz de recuperar o sentido da vida como dom acolhido, com significativas consequências coletivas.

Na mesma página que o autor (citações)

‘O «problema europeu», quanto a mim, é fundamentalmente um problema moral, cultural e civilizacional. Sobre ele paira a questão colocada de maneira cortante, se bem que sem intenção, pelos guias turísticos, que alardeiam a superioridade de La Grande Arche sobre Notre-Dame: a questão do cubo, da catedral e do seu significado para a liberdade e futuro da democracia.’ (p. 11)

‘Por que razão certas partes da Europa exibem uma curiosa e até bizarra abordagem à morte? Por que razão tantos franceses preferiram continuar as suas férias de Verão durante a vaga de calor de 2003, deixando os familiares por enterrar e armazenados em câmaras frigoríficas (que ficaram a abarrotar ao fim de pouco tempo)? Por que razão é a morte cada vez mais anónima na Alemanha, sem necrologia nos jornais, cerimónias fúnebres nas igrejas ou fora delas, nada - «como se», tal como disse Richard John Neuhaus, «os mortos não existissem»? Que pensar da companhia sueca Promessa, que anuncia um serviço no qual a cremação é substituída por adubo humano? Os mortos são imersos em nitrogénio líquido até ficarem gelados, são esmagados por meio de ultrassons até ficarem em bocadinhos e, finalmente, são utilizados como fertilizante!’ (p. 21)

‘Estas perguntas não podem ser satisfatoriamente respondidas com base apenas na experiência diferente da Europa do século XX e no que o continente aprendeu com ela. Também não podem ser respondidas com apelos à vergonha. Tem de ser feita uma pergunta mais profunda: Por que razão teve a Europa o século XX que teve? Por que razão um século que começou com previsões confiantes sobre uma humanidade em aperfeiçoamento, a caminho de novas realizações civilizacionais, produziu na Europa, no espaço de quatro décadas, duas guerras mundiais, três sistemas totalitários, uma Guerra Fria que quase se transformou numa catástrofe global, mares de sangue, montanhas de corpos, Auschwitz e o Gulag? Que aconteceu? Porquê?’ (p. 23)

‘Diga-se o que se disser dos Estados Unidos, a sociedade americana não é, certamente, «cristofóbica», ou pós-cristã. A cultura europeia, por seu lado, é largamente cristofóbica; e os europeus descrevem as suas culturas e sociedades como «pós-cristãs».’ (p. 26)

‘O traço comum entre [estes] pensadores tão diferentes é a convicção de que as correntes mais profundas da «história» são espirituais e culturais, não políticas e económicas.’ (p. 29)

‘Na verdade, ao tentar arranjar uma resposta satisfatória para as várias perguntas que fiz acima, incluindo a pergunta crítica a propósito da auto-imolação demográfica europeia, não consigo arranjar resposta melhor do que a sugerida pela análise de Soljenitsine: estes fenómenos são a expressão de uma profunda e duradoura crise moral e civilizacional.’ (p. 32)

‘[O] processo de secularização (cujas origens remotas recuam, pelo menos, até às guerras religiosas do século XVI) teve profundas consequências públicas: levou ao colapso de um horizonte transcendental de bom senso moral na vida pública europeia e ao triunfo daquilo a que Manent chama a «auto-adoração» e o «orgulho fatal» que conduziu à Grande Guerra e suas consequências.’ (p. 45)

‘Durante o debate sobre a Constituição Europeia, Joseph Weiler [que é judeu] também lembrou os secularistas europeus que os «pais fundadores» da União Europeia de hoje foram, todos eles, católicos que viam a integração europeia como um projeto de civilização cristã: Konrad Adenauer, Alcide de Gasperi, Robert Schuman e Jean Monnet.’ (p. 59)

‘A liberdade […] é adquirir gradualmente a capacidade de escolher o bem e de fazer o que se escolhe com perfeição, com excelência.’ (p. 68)

‘Se a teimosia é tudo e a liberdade é simplesmente a «nossa» própria reivindicação (uma reivindicação protegida pela lei desde que «não prejudique ninguém»), então é muito difícil, se não for impossível, perceber por que razão essa liberdade tem qualquer valor para além da expressão da nossa vontade. E este parece-nos ser um alicerce muito frouxo para construir uma civilização democrática capaz de se suster internamente e perante os seus inimigos.

Visto à luz da história das ideias, o debate sobre a invocatio Dei na Constituição Europeia foi um debate entre os proponentes da liberdade por excelência e os proponentes da liberdade da indiferença. Um debate medieval entre dois frades, em pleno século XXI, no cenário da feitura de uma constituição. A liberdade da indiferença parece ter vencido, para já. As consequências, provavelmente, serão consideráveis.’ (p. 72)

‘Se não houver convicções, não pode haver tolerância; apenas indiferença. Se não houver a noção de verdade que faz de nós tolerantes em relação àqueles que têm uma noção diferente da mesma verdade, então só resta cepticismo e relativismo.’ (p. 90)

‘A doutrina social da Igreja ofereceu à Europa a possibilidade de defender a «estrutura moral da liberdade de modo a proteger a cultura e a sociedade europeias da utopia totalitarista da ‘justiça sem liberdade’ e da ‘liberdade sem verdade’, outra utopia que anda de mãos dadas com o falso conceito da tolerância’». Ambas as utopias, lembrou o Papa [João Paulo II] aos seus leitores, «pressagiaram erros e horrores para a humanidade, como tristemente revela a história recente da Europa».’ (p. 101)

‘É possível construir e manter de pé uma comunidade política democrática sem os pontos de referência morais que o Cristianismo tem para oferecer? Poderá haver uma «política sem Deus» - o Deus de Abraão, Isaac, Jacob e Jesus?

Os que ganharam este debate, em 2004, responderiam pela afirmativa: não só pode, como deve. A crise civilizacional e moral europeia sugere, porém, que os vencedores do debate constitucional europeu talvez estejam seriamente enganados.’ (p. 128)

‘Os colegas europeus e americanos com os quais discuti estas questões acham, compreensivelmente, difícil aceitar aquilo que vêem como uma noção demasiado simples, mesmo simplista: a Europa deixou de se reproduzir porque deixou de ir à Igreja. Posta desta maneira pessimista, de facto, a análise é muito simples. É evidente que existem razões económicas, sociológicas, psicológicas e até ideológicas para que os nascimentos estejam abaixo dos níveis mínimos há décadas. No entanto, a falta de capacidade de criar um futuro humano no mais elementar dos sentidos – criar uma geração nova – também é a expressão de um fracasso mais amplo: a falta de autoconfiança. Este fracasso está, sem dúvida, ligado ao colapso da fé no Deus da Bíblia, porque sem Ele (e a Sua morte na praça pública europeia é o que os actores do drama do humanismo ateu procuram e conseguiram até certo ponto) também não existe a Sua primeira ordem: «Crescei e multiplicai-vos».’ (Génesis 1,28).’ (pp. 129-130)

**(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)

*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de 'Ensaios de liberdade', 'Bem-nascido... Mal-nascido... Do 'filho perfeito" ao filho humano' e de 'Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg'

quinta-feira, julho 04, 2024

Da autonomia e da responsabilidade… Ou de como o desejo pode matar a realidade

 Artigo publicado, originalmente, no Correio do Vouga e no site da Comissão Diocesana da Cultura|Aveiro

As nossas sociedades modernas assentam sobre a convicção de que a ‘progressiva autonomia’ é o maior desiderato das nossas vidas coletivas. E coincidimos nesse reconhecimento. Mas há muitos equívocos na conceptualização desse desiderato.

Antes de nos adentrarmos na discussão sobre esses equívocos, consideremos um pressuposto.

O desejo não se constitui, por si mesmo, em direito. Desejar e desejar muito pode emergir de uma mera insuficiência, de uma fragilidade momentânea ou, até, de uma obsessiva atração por um ‘objeto’ impossível, seja porque não nos pertence, de todo, seja porque é irreal.

Este reconhecimento não é, contudo, ponto assente, hoje. Muitos são os que fazem coincidir ‘desejo’ e ‘direito’, criando um curto-circuito com muitos custos, pois o desejo suportável pelo reconhecimento jurídico deve caber no que é justo, no que, como recorda Ulpiano, é devido atribuir. ‘Não ser devido’ torna o desejo uma mera miragem e uma ilusão se for envolvido pela convicção de poder ser reconhecido como direito, comportando custos elevados para o indivíduo e para os que com ele vivem.

Mas, paradoxalmente, as sociedades atuais pareceram esquecer-se disto…

Identificado este trágico curto-circuito, avancemos para a reflexão sobre a autonomia e a responsabilidade, conceitos basilares das nossas vidas modernas.

Quase poderíamos, pretendendo ir ao essencial da condição moderna, reconhecer nestas duas ideias o núcleo ‘genético’ do que é ser moderno.

Mas de que estamos, afinal, a falar?

Incidamos a nossa atenção na ‘responsabilidade’.

A história das palavras ajuda-nos a descobrir o seu sentido original e mais estruturante.

Tomemos por referência o que nos diz o dicionário de latim-português da Porto Editora (2.ª edição de 2001). Teremos de procurar o verbo respondeo,es, ere, sponsi, sponsum (que remete, por seu turno, para ‘spondeo’). ‘Respondere’ significa ‘comprometer-se, garantir por seu lado, assegurar, afiançar, responder. ‘Spondeo’ é definido como significando ‘tomar um compromisso solene, prometer, obrigar-se’.

Uma leitura em profundidade dos dois termos permite-nos reconhecer, imediatamente, que são verbos que implicam uma dialética. Há alguém que responde, supondo-se que o faz perante alguém.

 

 

‘Responsabilidade’: perante quem?

E é neste ponto que gostaria de incidir a atenção.

O conceito de responsabilidade, que poderemos definir como a condição de um sujeito capaz de responder pelos seus atos, remete para um diálogo, para um compromisso. Um compromisso em relação a algo (o que faço? O que fiz?) e perante alguém (porque o fazes? Porque o fizeste?).

Na sua raiz, a responsabilidade tem uma natureza implicitamente teológica, pois, se alguns alegam que a responsabilidade é perante os outros, caberá sempre perguntar perante quem responderá o último homem, quando já não houver outros homens perante quem possa responder.

A resposta de que se responde perante a própria consciência é insuficiente, pois parte de um pressuposto individualista que colide com o reconhecimento da intrínseca solidariedade humana. Não nascemos de nós, não nos fazemos a nós mesmos; não podemos, por isso, ser o interlocutor de nós mesmos. Seria patético (no seu sentido etimológico: ‘doentio’, ‘patológico’, ‘bipolar’). A responsabilidade remete e carece da admissão de um totalmente Outro perante quem se responde.

E essa parece-me ser, desde há muito, uma das causas da crise de uma certa leitura da modernidade. O sujeito moderno de algumas leituras, no seu solipsismo, esvaziou a responsabilidade, reduzindo-a a um mero ‘flatus vocis’ (‘sopro da voz’, uma coisa que se diz  mas que a nada corresponde). A responsabilidade tantas vezes evocada parece ser um mero assumir que sabemos que fizemos.

Mas isso não é responsabilidade. É memória. Condição, certamente, para a responsabilidade, mas ainda não a sua definição. A responsabilidade é a memória perante aquele que nos interroga, dado que a responsabilidade, como mostrava a etimologia, é um ato de ‘resposta’, que supõe, obviamente, um ‘perguntar’.

É o mesmo sujeito que pergunta e responde?

Pode isto ser uma autêntica ‘responsabilidade’?

Identifico, aqui, parte da crise das sociedades modernas… Fecharam os sujeitos sobre si mesmos e estranham que eles já não queiram ser interrogados sobre o que fazem e porque o fazem…

Mas se os convencemos de que era isso ‘responsabilidade’, como poderemos esperar algo distinto?

 

‘Autonomia’: a alternativa é a anomia?

De modo parecido, o fenómeno repete-se no que respeita a ‘autonomia’.

Vamos, novamente, à etimologia.

A palavra ‘autonomia’ aglutina duas palavras gregas: ‘autós’ e ‘nómos’. Tomemos por referência o que nos diz o dicionário de Grego-Português e Português-grego, de Isidro Pereira, na sua 8.ªedição da Livraria A.I. de Braga. ‘Autós’ significa ‘mesmo’, ‘ele mesmo’, por si mesmo’, etc. ‘Nómos’ é definido como ‘uso’, ‘costume’, ‘opinião geral’, ‘máxima’, ‘lei’. Para a nossa reflexão, interessa reter a ideia de ‘lei’. Poderíamos considerar a ‘autonomia’ como ‘lei em si mesmo’.

Para descortinarmos o alcance efetivo da palavra ‘autonomia’ a etimologia precisará de a cruzar com o seu antónimo, o seu oposto, pois é aqui que, na minha opinião, se estrutura a base para o equívoco de algumas conceções modernas de ‘autonomia’.

Muitos são os que leem a ‘autonomia’ como a capacidade para cada um criar leis por si mesmo.

A base do equívoco está na convicção de que o antónimo de ‘autonomia’ seja a ‘anomia’, que poderíamos definir como a ‘ausência de lei’ (o prefixo privativo ‘a’ poderia ser traduzido como ‘ausência de’, ‘inexistência de’…). É esta a convicção de muitos. O sujeito é autónomo, pois, sem ele, não existiria lei, que, afinal, ele mesmo cria.

Há aqui, como venho dizendo, um equívoco, com enormes custos.

‘Autonomia’ não tem como antónimo ‘anomia’, mas sim ‘heteronomia’.

Definamos heteronomia…

Mais uma vez, a palavra compõe-se de duas partes de origem grega, sendo ‘nómos’ palavra já aqui definida, somada ao adjetivo ‘éteros’. ‘Éteros’ pode ser definitido como ‘outro’, um dos dois, o outro’, etc.

Poderíamos definir heteronomia, a esta luz, como ‘lei no outro’.

Este é o verdadeiro antónimo de ‘autonomia’. A questão poderá colocar-se assim: sabendo que existe lei (e não a anomia, como defendem os solipsistas), onde se encontra a razão pela qual a cumpro? Em mim ou no outro? Cumpro a lei porque o outro mo impõe ou porque a reconheço válida e me imponho o seu cumprimento?

A verdadeira autonomia, a esta luz, não é a capacidade de criar a lei, mas de me conformar a ela, por mim mesmo, sem precisar de que o outro mo imponha.

Percebemos, por isso, que a verdadeira autonomia seja o desejo mais autêntico, mas também mais difícil da humanidade. É que, logo ali, está a ribanceira do abismo da anomia… O desejo de que a lei seja interiorizada pode, facilmente, resvalar para a sua substituição por um outro desejo: o de que se desista de interiorizar a lei para se presumir ser o seu próprio criador.

Na conceção que aqui denuncio (que designei como solipsista), a verdade não existe e não se caminha para ela. O sujeito vive, solitariamente, e cria a sua própria lei. Resvala para o abismo de uma solidão ilusória em que, após se reconhecer criador da lei a percebe como só sua e, por isso, inválida para os demais… De que valeria uma lei assim? E donde lhe viria a sua força? Só do poder de quem a pudesse impor aos demais…

 Na conceção que respeita a história do conceito, autonomia é, por oposição, um caminho decidido pelo sujeito que visa conformar-se à verdade, à lei que reconhece como sendo participada por si, mas não originada por si, antes assumida.

Nesta visão, autonomia e responsabilidade são dois termos que pressupõem a tensão entre o sujeito e o para além do sujeito. Este caminha para algo, encaminha-se, não rodopia sobre si. A sua vida é, então, como tão fecundamente pensaram os cristãos, ao longo da sua história, um ‘peregrinar’, caminha para algures, para uma meta. O seu caminhar é transcender-se.

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