Nesta era da (in)comunicação social, a informação
passa, muitas vezes, mais pelo que se supõe do que pelos conteúdos transmitidos
de modo explícito. Tal exige uma atitude crítica e particularmente desperta, o
que é singularmente difícil, num tempo sem tempo. Na verdade, sob a capa da
cientificidade ou da «voz do povo», fazem-se passar ideias e valores que,
afinal, mais não são do que a opinião de quem as profere e que procura legitimar-se
através de uma autoridade oculta e incontestável. Quem não se interrogou já
sobre quem são os autores dos «estudos científicos» tantas vezes invocados para
suportar comentários sobre os mais diversos assuntos? «Estudos científicos
demonstram» é o que ouvimos, tantas vezes.
E quem não
se perguntou, também, sobre quem estará por detrás da opinião muitas vezes
escondida sob a capa de que «dizem por aí»?
Vem isto a propósito da fortíssima campanha
preparatória da legalização da adoção de crianças por homossexuais, forjada em
alguma imprensa de tiragem nacional. Um olhar atento ao que se diz no que não
se diz e se faz supor permite concluir que a estratégia é a de sempre:
multiplicam-se as notícias, cria-se a sensação de que o que é dito tem suporte
científico e escuda-se a opinião dos autores sob a capa da multidão. Ficam,
assim, criados os condimentos para que o leitor se sinta isolado e, como
ninguém quer estar do lado dos perdedores, ceda, acriticamente, a sua opinião à
força da suposta multidão que, afinal, se cria com os muitos que pensavam o
contrário, mas que se unem para não se sentirem ultrapassados.
Li, há dias, na mesma página de um jornal nacional,
três notícias sobre o mesmo tema: a suposta felicidade de crianças adotadas por
dois pais ou por duas mães. As mesmas autoras das notícias assinavam as três.
Juntá-las na mesma página obedeceu a uma intenção: criar a sensação de que
muito se fala sobre o assunto. Mais facilmente se exercerá, assim, sobre o leitor
a suposição de que está só na sua opinião contrária. De seguida, recorre-se ao
método de sempre quando se trata desta matéria: invocam-se estudos científicos.
Ora, o leitor não tem tempo para apurar se os referidos estudos são feitos com
base em critérios de cientificidade e dá como boa a informação que lhe
transmitem. Contudo, se o leitor já tiver o hábito de ler criticamente o que a
imprensa lhe pretende veicular, verificará dois factos muito curiosos:
- um - os autores invocados para o estudo são os
mesmos de há 20 anos para cá. Entre eles, destaca-se Charlotte Patterson que,
como conta Xavier Lacroix, no seu livro «a confusão dos géneros», é invocada,
desde a década de 90, como a autora de estudos sobre os quais se baseiam muitas
das opiniões que agora são apresentadas como novidade. Uma novidade com mais de
20 anos!
- dois - os supostos estudos científicos são sempre
baseados numa amostra que não resistiria a qualquer critério de cientificidade.
Por exemplo, nestes estudos que o referido jornal nacional menciona, foram
consultadas, num caso, cerca de 315 famílias para se retirarem conclusões para
a realidade australiana, que tem uma população de mais de 23 milhões de
habitantes e, num outro, foram estudadas 100 famílias para se retirarem
conclusões para o universo da realidade norte-americana, que tem mais de 318
milhões de habitantes. Isto é, a partir de 315 famílias, num universo de 23
milhões de pessoas, e de 100 casais, num universo de 318 milhões de cidadãos,
conclui-se, «cientificamente» uma verdade apresentada como conclusiva. Tão
escassa amostra 'permitiu', dizem estes 'estudos', concluir que - cito -
«crianças educadas por homossexuais são mais saudáveis»... Por pura sorte, dado
o fraco rigor científico, não se concluiu que todos temos de ser homossexuais
para que os nossos filhos sejam saudáveis e felizes... Dispensamo-nos de mais
comentários. O leitor conclua por si mesmo sobre a honestidade dos referidos
estudos.
A surpresa com estas verificações só ocorre, porém,
se se achar que as mudanças em curso são espontâneas e correspondem a efetivos
direitos que devem, mais cedo ou mais tarde, ser reconhecidos. Não é assim,
contudo, em nosso entender. Na verdade, a discussão sobre o suposto direito de
um «casal» homossexual adotar não deve ser confundida com situações ocorridas
no passado e com as quais se pretende, sempre, compará-la. Muitos pretendem que
esta mudança seja equivalente a tantas outras mudanças ocorridas, em que
direitos fundamentais não eram reconhecidos.
No nosso entender, esta é uma como tantas outras
confusões em que se enreda esta discussão para que se atinjam os fins
pretendidos.
Na verdade, basta ler o que dizem quer a declaração
universal dos direitos humanos (1948), no seu artigo 16º, quer a convenção
sobre os direitos da criança (1989), no seu artigo 7º, para se entender que ali
se preconiza que esta discussão tem de partir da certeza de que o que deve
estar em causa é o «superior interesse da criança», que tem direito a uma
família que, como se sustenta no número 16 da DUDH, é constituída a partir da
relação entre «um homem e uma mulher» que, citamos a declaração dos direitos
humanos «A partir da idade núbil, [...] têm o direito de casar e de constituir
família». Quem o afirma é a declaração universal dos direitos humanos. Fora
disto, trata-se de experimentalismo social, cujos resultados não temos direito
a obter ao arrepio dos direitos mais fundamentais da criança e fazendo dela
cobaia de experiência. Se o superior interesse da criança for acautelado, não
serão ideologias que se sobreporão a este reconhecimento fundamental de que ela
tem direito a que tudo se faça para que beneficie de um pai e de uma mãe. Essa
é a referência. Outras opções são como que um decreto de orfandade legitimada:
orfandade de mãe ou orfandade de pai.
Mais ainda. Tenha-se em conta que, por definição,
por natureza e de facto, a relação homossexual é infecunda. Sendo assim,
introduzir na discussão a possibilidade de filhos é acrescentar um elemento que
lhe é estranho e que, só por profundo desrespeito pela opção feita, poderá ser
chamado ao assunto. Se não bastassem todos os argumentos já invocados, valeria
recordar que a tentativa de acrescentar a possibilidade de filhos à opção
homossexual é desrespeito pela natureza da própria opção. Acrescenta-lhe um dado
que ela rejeita como opção, pois é uma escolha natural e voluntariamente
infecunda.
Contudo, ao arrepio da lógica, da verdade, da
honesta cientificidade, muitos querem gerar a ilusão de que não é assim e nada
há a fazer senão aceitar o que, afinal, não é mais do que ideologia pura a
passar como se se tratasse do reconhecimento de um direito. Antes, sim,
trata-se da confusão entre direitos e desejos. Ora, o direito não assenta sobre
desejos, mas sobre realidades efetivamente devidas. A não ser assim e se o
critério for que qualquer motivo individual possa ser aceite, então poderemos
sempre perguntar-nos por que motivo deveremos discriminar outras orientações
sexuais e ficarmo-nos pela homossexual. Pois há outras orientações que poderão
reivindicar os mesmos direitos. E, no limite, se se aceitar que qualquer opção
individual é admissível, poderá, sempre, perguntar-se se ainda tem sentido
haver leis de família. Se não se respeitar o critério objetivo referido na
declaração dos direitos humanos e na convenção dos direitos da criança, só de
forma arbitrária e discricionária se ficará por estas orientações o
reconhecimento do direito de adotar. Quando o direito deveria ser, sim, a ser
adotado por uma família, no respeito pelo seu superior interesse e não pelo
suposto legítimo direito de ver satisfeito um determinado desejo. A criança não
é um objeto do desejo humano. É-lhe superior e transcendente, porque é
portadora de uma dignidade inviolável, enquanto pessoa.