Tertúlia com o Professor Doutor Walter Osswald
CUFC, 15 de fevereiro de 2017
Apresentação do professor Walter Osswald
Professor
Walter, estive muito indeciso sobre como deveria apresentá-lo. Descrever o seu
extenso currículo seria insensato, por estarmos a dizer o que de todos é
conhecido. Seria, ainda, indelicado! Não apresentamos quem bem conhecemos e que
sentimos como um de nós, com afeto, orgulho e singular consideração!
Optei,
por isso, por apresentar-lhe a si mesmo quem é para nós.
O
professor Walter é, antes de mais, um sábio. Um dos gigantes da bioética, em
Portugal, com um reconhecimento que excede os limites da nação. Atestam-no o
reconhecimento com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada (4 de novembro
2008) atribuída pelo sr. Presidente da República, Prof. Aníbal Cavado Silva, na
gloriosa companhia de outros gigantes: Prof. Daniel Serrão, Dr. Jorge Biscaia e
Prof. Luís Archer; com a Comenda da Ordem de São Gregório Magno, atribuída pela
Santa Sé, com doutoramento Honoris Causa, pela Universidade de Coimbra, ou,
mais recentemente, com o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, pelo Secretariado
Nacional da Pastoral da Cultura, em 2016.
Devemos-lhe
a criação do Instituto de Bioética da Universidade Católica (de que sou um
muito grato beneficiário de um Mestrado de singular qualidade, concluído em
2007) correspondendo à vanguardista iniciativa de criação de Institutos de
Bioética de matriz personalista, o registo e paradigma em que se situa e cuja
salvaguarda muito lhe devemos nestes tempos tão marcados por uma diluição da
consciência da específica dignidade humana.
Reconhecemos-lhe,
também, o mérito de ser um erudito cultor da língua portuguesa e dotado de um
inteligente humor fino. Confesso-lhe que tenho, no final de alguns dos seus
livros, destaques onde registo aquilo a que chamo «Humor de Osswald» (como
aquela passagem em que recorda que, segundo a sua avó, o senso comum tem uma
designação errada, por ser, afinal, incomum». Subtilezas de um germânico com
influências latinas!) Perdoar-me-á esta familiaridade.
Vemos
em si, ainda, a autoridade. A verdadeira autoridade, aquela que deriva de «augere»,
«fazer crescer», «aumentar». Crescemos quando o ouvimos, quando o lemos, quando
beneficiamos das suas decisões… A sua autoridade é a que vem da força do
argumento e nunca do argumento da força. Aliás, a sua foi sempre uma palavra de
cuidado para com a fragilidade e a vulnerabilidade.
E
é por isto tudo que esta noite é singular. Tê-lo connosco é estar a realizar
história, é ser privilegiado.
Como
costumo recordar a propósito do meu encontro, em 2002, com o Papa João Paulo
II, quando me perguntam «Viste o Papa?».
Costumo
dizer «Isso não é novidade. Vemo-lo muitas vezes. Novidade é que o Papa me
tenha visto a mim e eu possa ter passado pela sua vida uns demorados segundos!»
Novidade
é que, por estarmos aqui, diante de si (parafraseando o título de um dos
últimos livros do Professor Daniel Serrão, que também assim homenageamos),
possamos ser brindados com a honra de, por breves momentos, nos cruzarmos com a
sua história. Depois desta noite, saberemos que estivemos diante de um gigante
que nos levou aos ombros.
E
bem precisamos de quem nos alargue os horizontes, pois, ao longo dos últimos 10
anos, os horizontes andaram estreitos e rasos.
A problemática da tertúlia
No
passado dia 11 de fevereiro, cumpriram-se 10 anos sobre o segundo referendo ao
abortamento voluntário (vulgarmente designado como «aborto» e eufemisticamente
referido como «interrupção voluntária da gravidez»). O anterior referendo tinha
ocorrido em 28 de junho de 1998. Em ambos os casos, a elevada abstenção
redundou na verificação do caráter não vinculativo das consultas.
O
legislador decidiu, porém, vincular-se ao resultado minoritário do segundo
referendo. Aliás, tudo fazia crer que, se, mais uma vez, não se deliberasse no
sentido do que pretendiam os defensores do sim, haveria de se insistir até que
o cansaço das populações as levasse a baixar os braços.
Decorridos
dez anos sobre esses tempos de combate, já poucos se recordarão dos argumentos
que então se invocaram para a legalização da prática que passou a ser sem
quaisquer condições, até às dez semanas, já que, desde 1984 se praticava, a
coberto da lei, o abortamento em circunstâncias e prazos definidos como a
malformação, o perigo de vida para a mãe e o atentado contra a autodeterminação
individual. Recordar esses argumentos seria interessante, até para se constatar
como já não se está no ponto inicial.
Não
será a enunciação desse argumentário que nos traz aqui, mas sim
confrontarmo-nos com uma interrogação de fundo: 145 mil abortos praticados a
coberto da mudança de 2007 não deveriam inquietar-nos? Não estaremos perante um
real problema de saúde pública ou, no limite, de crise de sensibilidade ética,
nesta sociedade líquida, marcada por uma espécie de cegueira moral, para
invocar os alertas deixados pelo pensador polaco Zigmunt Bauman?
Antes
de passar a palavra ao Professor Walter, não poderei deixar de recordar uma
mudança do âmbito da jurisprudência europeia que veio dar outra força e
legitimidade aos que sempre defenderam que o aborto é um atentado contra a vida
humana.
Recordo-me
bem de, em numerosos debates em que participei, quer em 1998, quer em 2007, ter
ouvido defender que a legitimidade da legalização do aborto decorria de um
hipotético direito da mulher a abortar, que parecia suportar-se na declaração
universal dos direitos humanos. Ora, o que é certo é que, após ter-se
combatido, durante cerca de uma década (entre 1998 e 2007), a dura luta da
defesa da vida humana no ventre materno, o Tribunal Europeu dos Direitos
humanos deliberou, sem possibilidade de recurso, em 16 de dezembro de 2010, com
11 votos a favor e 6 contra, que o aborto não é um direito humano e, por isso,
é legítimo que os Estados o penalizem.
É
aqui que estamos:
-169
mil abortos depois,
-
perante um aparente silêncio comprometido ou já inconsciente da imprensa e da
comunidade em geral,
-
perante as 29% de interrupções repetidas realizadas em 2015 ( de um total de
cerca de 16 mil – 15873),
-
face a um Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que vem reconhecer que o aborto
não é um direito e
-
perante o efeito de plano inclinado que começa na suposta compaixão e acaba na
insensibilidade ou até na perseguição de quem ainda protege a vida (vejam-se os
dois casos recentes ocorridos em França – em que se impediu a divulgação de um
filme que fazia o elogio da vida marcada pela deficiência ou a tentativa do
Parlamento francês de penalizar as instituições de defesa da vida),
Como
não reconhecer que estamos perante um problema grave de saúde pública?
Professor
Walter, é aos ombros de gigantes que os anões se tornam grandes. Estamos a
precisar dos seus ombros…