sábado, janeiro 22, 2022

In Memoriam | Pe. Franclim – a morte levou um ímpar biblista. Fica, sempre, a Palavra!

 Luís Manuel Pereira da Silva

(Presidente da Comissão Diocesana da Cultura e amigo)

 


Hoje (18 de janeiro de 2022), faleceu o Pe. Franclim...

A fé que, do nosso lado ainda é esperança, mas, do seu, é já certeza, une-nos como sempre nos uniu nas longas horas passadas em viagens conversadas por um mundo feito de ‘hojes’ e de ‘ontens’ de sempre. Tivemos longas conversas sobre o eterno e o efémero, surpreendendo-me, sempre, a incrível memória bíblica e fina inteligência que não se perdia no que não importava, mas via nos detalhes o que mais ninguém encontrava.

Guardarei, para sempre, a consciência de uma dívida sem par pela incrível capacidade de trabalho que me fazia sempre crer que os seus dias tinham mais horas do que os meus.

Uma capacidade que o fez publicar numerosas traduções de alguns dos textos mais antigos da história da humanidade, muitos deles traduzidos, pela primeira vez, em português, e publicados no site da Comissão diocesana da Cultura onde, desde o início, foi um fiel colaborador.

Devemos-lhe todos tanto… (Portugal perdeu um eminente biblista!)

Devo-lhe tanto… 

Era surpreendente a humildade com que guardava a sua sábia visão sobre as coisas, não querendo, nunca, que a sua opinião fosse imposta, mas apresentada apenas se oportuna. Quando transmitida, percebia-se uma inteligência singular, rara e apenas conferida aos mais sábios de entre os homens.

Não posso deixar de aqui contar que a dívida que lhe temos é imensa, visível na histórica tradução da obra ‘Fracassos da Corte’.

Esta obra, escrita por Giovanni Maria Muti, em 1682, estivera perdida (não se sabia, aliás, da sua existência). Foi por uma providencial circunstância que, no ano de 2016, o diretor do Museu de Aveiro, Dr. José António Rebocho, descobriu, em investigações que fizera, esta peça que tem na figura de Santa Joana Princesa a sua protagonista.

Quando me chegou ao conhecimento a existência desta peça, escrita em toscano, conversei com o sr. D. António Moiteiro sobre como conseguir quem a traduzisse. O nome do Pe. Franclim logo surgiu como ‘tradutor oficial’ da Diocese, a quem enviei, em 7 de setembro, a peça original, a que faltavam algumas páginas que viemos a descobrir, poucos dias depois.

Em 1 de outubro, já a tradução estava pronta, iniciando-se preparativos, não só para a sua publicação, mas, também, para a sua encenação, pelo grupo de teatro da professora Teresa Grancho, ‘Oficina Capitão Grancho’. A peça foi levada à cena em 19 e 20 de maio de 2017.

A surpresa e o entusiasmo que tomaram conta de todos os envolvidos neste processo de descoberta são, hoje, substituídos por uma enorme dívida de gratidão.

Todos sabíamos que só a singular capacidade de trabalho do pe. Franclim pudera fazer sair dos escombros do tempo uma peça que a distância idiomática poderia ter votado a um renovado período de silêncio.

Essa capacidade é sobejamente ilustrada, também, pelas inúmeras traduções de documentos antigos que pudemos publicar, no site da Comissão da Cultura, nos últimos cinco anos, textos consultados por universidades nacionais e estrangeiras, em especial do Brasil, que, com regularidade, nos solicitavam a disponibilização dos referidos documentos.

Da sua mão saiu a tradução do livro do Apocalipse, em vias de ser editada pela Conferência Episcopal Portuguesa, assim como várias obras dedicadas aos evangelistas lidos na liturgia dos três anos litúrgicos. Depois de S. Marcos e S. Lucas, editado este em novembro passado, deixou pronta a edição de livro dedicado a S. Mateus, que se espera que veja a luz, logo que possível.

É imenso o legado da sua palavra, sempre fina, inteligente e capaz de descortinar as mais difíceis compreensões, tornando luminoso o que, para olhares distraídos, seria opaco. O que deixou escrito poderá ser sempre revisitado. Mas fica a certeza de que a sua palavra, aqui, diante de nós, é insubstituível. Não havia dúvida bíblica que não se desvanecesse, prontamente, e com uma segurança que nos fazia crer que o Pe. Franclim tivera o privilégio singular de ser o redator não denunciado a quem Deus segredara os seus motivos para o que sobre si disseram os autores bíblicos.

‘O que pensaria o Pe. Franclim sobre o que se afirma neste texto bíblico?’ – é a interrogação que continuaremos a fazer, aqueles que tivemos o privilégio de ser mais do que seus leitores, mas seus frequentes ouvintes.

Aguarde-me no Céu, Padre Franclim, pois quero, quando ‘aí’ chegar, ouvir as palavras com que sempre me atendia, com entusiasmo: ‘Então, juventude?!’.

 

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