sábado, dezembro 07, 2024

Sabes, leitor... | 12 | Marca de água do livro de Mariolina Ceriotti Migliarese, 'O casal imperfeito: e se também os defeitos fossem um ingrediente do amor?'

 

Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’** | Marca de água de livros que deixam marcas profundas
Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura

Luís Manuel Pereira da Silva*

O autor e a obra
Mariolina Ceriotti Migliarese, O casal imperfeito: e se também os defeitos fossem um ingrediente do amor?, Apelação, Paulus Editora, 2022.

Mariolina Ceriotti Migliarese conjuga dimensões raramente reunidas na mesma pessoa: o suporte científico (é médica, neuropsiquiatra infantil e psicoterapeuta de adultos e casais), o realismo de quem conhece o ‘barro de que somos feitos’ (é casada desde 1973 e mãe de seis filhos), uma consolidada base teórica de antropologia [refletida na sua prolífica obra publicada: em português, encontro edições de ‘O casal imperfeito’ e de ‘erótica e materna: viagem ao universo feminino’, mas contam-se, ainda, entre os seus títulos, ‘Querido médico. Respostas a famílias imperfeitas’ (2013), ‘Masculino. Força, eros, ternura’ (2017), ‘Casa comigo, novamente!’ (2020), ‘Alfabeto dos Afetos’ (2021), ‘Perfeitos imperfeitos’ (2022) e ‘Pais e Filhos’ (2023). É coautora dos livros ‘Apoiando a Paternidade’ (Franco Angeli, 2011), ‘Pré-adolescência’ (Franco Angeli, 2013), ‘Ser Mulher líder’ (SDA Bocconi, 2017)], e a atitude de sonho de quem não se rende ao já conquistado e adquirido (é crente!).

Conheci esta obra de Migliarese, que li entre os dias 6 e 16 de setembro de 2022, quando escrevia a unidade letiva dedicada a ‘o Amor e o Amar’, editada pela Fundação SNEC, e na qual fiz eco de ideias e citações. Revi-me e regozijei-me por ver, com a força de letra gravada em texto escrito, muitas das ideias que venho consolidando no meu pensamento e, inclusive, escrevendo.

Entre elas, a ideia estruturante de que devemos pensar-nos a partir da finitude e da fragilidade, como defendi, em 2008, em tese de mestrado e que repercuti no livro ‘bem-nascido… mal-nascido…’ (edição da Tempo Novo, 2019). Essa é uma das ideias-alicerces deste livro: somos imperfeitos e é a partir da imperfeição que devemos pensar-nos e pensar as nossas decisões. Muito do que hoje nos ‘deprime’ nasce da ilusão da perfeição já real.

Grande ponto de partida!

Marcas de água 

(o que fica depois de se deixar o livro)

 

Migliarese resiste, neste livro, àquela que considero ser a ‘grande tentação’, a que chamarei ‘sedução’, do nosso tempo… Entre as grandes ‘seduções’ dos discursos contemporâneos está a presunção da descoberta d’a’ resposta numa dimensão por si absolutizada e elevada à condição de ‘resposta definitiva’. O Homem ou é ‘corpo’, ou é ‘espírito, pensamento; o Homem ou é o agora (a emoção, o sentimento), ou é a sua história (o que foi, o seu passado) ou o que há-de ser (o seu futuro, o projeto). OU… Ou…
Talvez a esta condição contemporânea se deva a tão acentuada clivagem dos discursos. Valerá a pena recordar o que a história do cristianismo de matriz católica sempre evidenciou perante esses discursos. Viu-os como ‘escolha’, mas, como ‘escolha’ que absolutizava uma só dimensão, não reconhecendo neles o mérito de ‘ortodoxia’, ‘opinião correta, acertada’. Olhou-os por isso como ‘haeresis’, isto é, escolhas, opções, mas com os limites próprios dessas escolhas de apenas partes. Era preciso olhar o todo.
Migliarese olha o todo.
Não olha para o ser humano apenas em parte de si. Não escolhe o ‘espírito’ contra a carne (a corporeidade) ou a carne contra o espírito, sedutoras tentações de todos os tempos e hoje revisitadas como transumanismo e outros poderosos movimentos antropológicos, essencialmente desencarnados, ou como monismos materialistas que reduzem o humano à horizontalidade do visível.
Antes, vê o Homem como um todo, projetado para além de si, mas também essencialmente imperfeito.
Não o olha só enquanto presente… ou enquanto apenas passado… ou, ainda, como apenas futuro!
O humano de MIgliarese reside na tensão entre os três vetores do tempo. É memória, atualizada na decisão que se repercute, necessariamente, em consequências. Donde, a responsabilidade!
E é por isso que o texto de Migliarese nos contagia e prende.
Vemos, nas histórias que conta, as mil e uma histórias de reais mil e uma noites de luz e treva que domiciliam as nossas existências. Histórias em que o realismo de nos sabermos finitos, frágeis, débeis, imperfeitos, poderia ser a resposta perante as ilusões e idealizações em que o ‘sonho’ redundou em pesadelo. Aceitarmo-nos imperfeitos e, por isso, carentes do real perdão que deve fazer parte das histórias que se querem para sempre, é condição para que se construam histórias perfectíveis e, por isso, nunca suficientemente perfeitas.
É particularmente belo o que diz sobre o perdão, que não é ‘esquecimento’ (denunciando mitos tantas vezes difundidos e responsáveis por tantos fracassos), nem minimização, nem um regressar ao ponto anterior, mas reconhecimento da gravidade da ofensa como condição para que o mal feito não continue a fazer-nos mal.
Neste livro, mora dois pressupostos que tenho vindo a repercutir em muito do que escrevo (e, por isso, tanto me revi nestas páginas): que a liberdade não é um exercício de legitimação do que pretende a vontade, mas a determinação de transcender o que se quer e que o amor é muito mais do que um sentimento, mas o envolvimento da pessoa toda, compreendida como inteligência, vontade e afeto, em que amar é a decisão profunda de acolher o outro e o pretender fazer feliz, sendo feliz nessa decisão.
Este livro, porque fala de casamento e da constituição da família, é, como seria de esperar, um convite. Não o convite para um momento efémero e fugaz, mas um convite a transcender a efemeridade de uma hora, sabendo que é na revisitação da decisão primeira, alimentada em cada dia, que se assegura a verdade do amor para toda a vida e de toda a vida.

 

Na mesma página que o autor (citações)

‘Quando nos apaixonamos, todos fazemos a experiência de que o amor pede um horizonte de eternidade: disso são sinais simples todas as poesias de amor e todas as canções, forma hodierna de poesia, que ontem como hoje nos acompanham sem mudanças substanciais, apesar do tempo que passa. Hoje, como no passado, canções e poesias falam do desejo de um amor que desafia o tempo, que nos faça sentir acolhidos por aquilo que somos, que vá além das aparências; falam do sofrimento profundo de quem é deixado, falam da aspiração profunda de um coração abandonado, mas confiante no outro.

Porque é que então é tão difícil mover-se no sulco deste desejo? Porque é que os casamentos não duram e se rompem tão facilmente? Mais ainda: porque é que nos estamos a encaminhar para um mundo em que as pessoas até renunciam ao casamento, preferindo fazer apenas investimentos modestos em pequenas histórias, em que cada um está muito atento em não se entregar demasiadamente ao outro para não ser ferido no futuro?

O casamento parece ter perdido o seu forte significado de promessa e de novidade e é visto pela maioria das pessoas como algo superado, inútil, se não mesmo falso e prejudicial para o amor entre duas pessoas. Considera-se que só em pouquíssimos casos particularmente afortunados seja possível continuar a amar-se durante toda a vida e que depois de um certo número de anos o mais provável que pode acontecer a duas pessoas casadas é manterem-se juntas «apenas por causa dos filhos», ou «porque se habituaram», cultivando uma estranheza progressiva em que cada um dos dois procura noutro lugar a verdadeira resposta aos seus desejos. Nesta lógica, parece que as pessoas mais honestas são as que não fazem promessas ventureiras de amor eterno, porque, se foram tão temerárias em se casar, tiveram depois «a coragem de se separar» assim que o sentimento se enfraqueceu ou se apagou.

Este livro nasceu do desejo de fornecer reflexões para se voltar a entender o sentido pleno de uma «relação para sempre» que o casamento deveria representar, e que infelizmente se perdeu: creio, com efeito, que não existe aventura humana mais profunda, envolvente e apaixonante do que a que se pode desenvolver na vida de duas pessoas que decidem seriamente unir-se até à morte.’ (pp. 14-15)

‘Hoje, o verdadeiro risco é o desaparecimento de todo o sentido da profundidade das coisas, privilegiando a quantidade das experiências em prejuízo da sua intensidade, e esta falta de espessura da experiência torna tudo mais aborrecido e frágil.’ (p. 16)

‘A vulnerabilidade das coisas, bem como das pessoas, é parte integrante da sua preciosidade e deveria levar-nos a procurar multiplicar as nossas capacidades para amá-las e delas cuidar. O medo, pelo contrário, leva-nos a afastar o olhar do que é frágil, a esconder o que é imperfeito em nós e a evitá-lo quando o reconhecemos presente no outro.’ (p. 16)

‘Nada daquilo que é complexo pode encontrar uma solução adequada se não aprendermos primeiro a alargar o olhar além do imediato e do contingente, para orientar os nossos passos para uma meta.’ (p. 19)

‘Encontrei uma frase perfeita para sintetizar o que é o coração do desafio que o casamento representa: unir, no quotidiano, os aspetos mais práticos e prosaicos da nossa vida com os mais elevados e espirituais. Não será este um desafio especial?’ (p. 22)

‘Hoje, como no passado, os filhos continuam a ter necessidade de que os adultos saibam tomar posição sobre questões importantes, não para homologar-se a eles, mas para ter um ponto de partida e de referência para poder amadurecer de modo adulto o seu pensamento. Os filhos devem conhecer os nossos valores e por que razão os consideramos importantes: isto permitirá evitar eventuais contestações, e obriga-los a pensar em vez de seguir simplesmente o que está na moda.’ (p. 28)

‘[…] nos últimos decénios modificámos as nossas imagens mentais e o nosso modo de «sentir» sobre muitos argumentos cruciais, e muitas das nossas opiniões sobre casamento, família, identidade sexual, valor do corpo e do sexo, valor da vida e da pessoas, se foram formando mais por sugestões progressivas do que através de uma verdadeira e aprofundada reflexão, capaz de nos levar a convicções realmente motivadas.’ (p. 33)

‘A carne liga-nos e determina-nos, mas também nos manifesta. Nós somos mais do que a nossa carne, mas também não podemos existir sem ela. O conhecimento que os outros têm de nós é sobretudo conhecimento da nossa carne, entendida como o que de nós aparece e se põe sensivelmente em contacto com o outro, com os seus lados agradáveis, mas também com os menos agradáveis.’ (p. 38)

‘O corpo que desejamos deveria ser inodoro, incolor e insípido: o corpo verdadeiro resulta embaraçante, e causa-nos preocupação pela sua neutralização para não termos que dele nos envergonhar. Usamo-lo como se fosse uma vestimenta, em vez de o habitar e o viver. […] «Somos» o nosso corpo ou «temos» o nosso corpo?’’ (p. 39)

‘[…] na vida das pessoas cada decisão e cada gesto colocam-se sempre dentro de uma história: nada se faz que não tenha em si o gérmen das suas consequências. Entre as coisas que se podem fazer, há gestos com consequências reversíveis, e há gestos definitivos, em que não se pode voltar atrás. A relação sexual é, por essência, um destes: o que acontece nunca mais pode ser cancelado, aquilo que dei nunca mais pode ser retirado. Se a relação com o outro fosse interrompida, o desconforto de ter entregado a minha intimidade a alguém que será conotado como um estranho permaneceria em mim.’ (p. 48)

‘A nossa cultura […] não gosta do que é definitivo e que empenha, e define como aborrecido e pesado tudo o que cria ligações e parece dificultar a mudança; é por isso que progressivamente se trabalhou para separar o sexo de qualquer possível consequência, para que seja possível vivê-lo como um ato reversível, não definitivo, nem empenhativo, e por isso mesmo «ligeiro» e divertido, com valências de tipo exclusivamente expressivas e lúdicas.’ (p. 49)

‘[…] a afirmação tão cativante e à primeira vista convincente segundo a qual devemos «ser livres de seguir o instinto» contém em si uma contradição terminológica: como era bem evidente às grandes culturas que nos precederam, não é na verdade necessária nenhuma capacidade particular nem exercício de liberdade para seguir os próprios instintos, que são biologicamente determinados e que biologicamente nos determinam. O instinto sexual, o instinto de conservação ou o de sobrevivência possuem uma força intrínseca tal que segui-los não exige nenhum exercício de liberdade.

O verdadeiro e difícil exercício reside no desenvolver a capacidade de dominar os instintos, para se ser, então sim, realmente livres de os seguir quando e como considerarmos uma coisa boa fazê-lo.’ (p. 53)

‘Aquilo a que somos chamados a aceitar responsabilidades diz respeito àquilo que voluntariamente fazemos como resposta a estas solicitações e a estes desejos: este é o verdadeiro campo no qual exercer de modo inteligente a nossa liberdade.’ (p. 54)

‘O homem e a mulher são muito diferentes até mesmo na sua expressividade sexual, no modo de experimentar o desejo e no modo de experimentar o prazer.’ (p. 56)

‘«Promessa» é uma palavra de grandíssimo valor na civilização ocidental: sobre esta palavra baseia-se toda a civilização judaico-cristã e o modelo antropológico que dela deriva, que se construíram nos séculos precisamente a partir de uma Promessa e da esperança confiante da sua realização. […] Com a perda progressiva do consenso à volta do modelo de antropologia cristã, também o valor das promessas, da confiança recíproca, do vínculo constituído pela palavra dada e recebida foram-se extinguindo e perdendo peso: o valor da promessa (ligado à partilha de uma posição ética que vê a pessoa no centro de toda a relação) foi sendo substituído pelo valor do contrato (que põe no centro não já a pessoa, mas o valor de um bem), e o sentido de culpabilidade por ter infringido uma promessa (punição «interna» que nós mesmos nos infligimos quando faltamos a um dever que sabemos ser objetivamente importante) muitas vezes não parece já necessário, porque se considera suficiente, perante a quebra de um contrato, pagar ao outro com recompensas de natureza económica.

Mas poderá uma compensação económica pagar real e plenamente a quem é vítima da quebra unilateral de um acordo importante?’ (pp. 70-71)

‘[…] escolher é o que nos faz livres, mas escolher é algo muito mais envolvente e complexo do que seguir um impulso, porque compreende em si sentimento, inteligência e vontade.’ (p. 98)

‘De um ponto de vista psicológico, a escolha de assinalar com um rito publicamente partilhado a passagem a um «nós» reveste uma importância crucial, porque comporta uma mudança decisiva do centro afetivo da relação: enquanto a relação entre o eu e o tu do casal permanecer confinada à esfera privada, de facto, todo o acento é posto sobre cada um individualmente e joga-se à volta de identidades individuais; a escolha de torna pública a ligação e de exigir um reconhecimento social coloca o acento sobre a nova e pequena comunidade, marcando o nascimento de um novo sujeito que é, ao mesmo tempo, social e afetivo.’ (p. 106)

‘[…] entre as muitíssimas mudanças da nossa época há uma fundamental, sobre a qual nem sempre se refletiu bastante: trata-se da revolução copernicana constituída pela difusão exponencial de instrumentos contracetivos e de como isto modificou radicalmente o nosso modo de aproximação ao tema do amor e ao tema da procriação.’ (p. 117)

‘Desde sempre […] o início de uma gravidez é acompanhado de vivências ambivalente, sobretudo pela mãe, que, por um lado, é quem mais sente a inexorabilidade da união e sente o risco de ser sonegada pelo seu filho, e, por outro, poder ter sofrimentos inevitáveis numa futura separação.

Mas como estabelecer se e quando dar espaço a um filho na nossa vida?

A própria possibilidade de fazer esta escolha, pelo facto de nos parecer tão totalmente em nossas mãos, expõe-nos a dificuldades psicológicas novas e imprevistas, porque lança sobre nós uma responsabilidade difícil de aguentar e desconhecida pelas gerações precedentes, que podiam muitas vezes contar, por vezes com alívio, com a chegada de filhos quase por acaso.’ (p. 119)

‘Poderemos dizer que existem duas diferentes modalidades psicológicas em relação a um novo nascimento, projetado ou não: há as crianças «acolhidas» e as crianças «pretextos», e estes dois modos diferentes dão lutar a duas modalidades diferentes de encontro entre pai e filho. A criança «pretexto» é a que foi trazida ao mundo para completar a vida dos seus pais, como algo que foi acrescentado no momento oportuno a todos os outros objetivos que nos propusemos atingir. É uma criança que corresponde à realização de um nosso projeto, e enquanto tal o seu êxito ou o seu falhanço serão inevitavelmente um sinal do nosso êxito ou do nosso falhanço. Mas precisamente por este motivo, trata-se normalmente de crianças que suscitam em nós uma ânsia maior e com quem a relação educativa é mais difícil desde o início, porque tendemos a carrega-las de expectativas demasiado grandes.

Muito diferente é o encontro que se verifica com o novo rebento se a vivência dos seus pais for de acolhimento da vida como dom precioso e imerecido: embora com todas as naturais e inevitáveis expectativas, prevalecerá nos confrontos deste filho curiosidade e abertura, e será possível fazer prevalecer neste caso uma atitude mais serena.’ (pp. 122-123)

‘[…] o matrimónio, se quiser ser realmente um casamento, é por sua necessidade «indissolúvel», e deve definir-se como uma aliança pronta a bater-se a todo o custo para resistir a tudo o que o quiser dissolver e desagregar, minando o acordo de confiança entre as pessoas que o contraíram.’ (p. 137)

‘A família […] constitui um sujeito específico dotado de uma identidade própria; ao mesmo tempo, porém, podemos defini-la, também como um sistema complexo, formado por pessoas dotadas, cada uma, de uma identidade pessoal e que se influenciam reciprocamente de maneira circular: cada componente interage com os outros com uma força diferente em relação ao grau de união. Este sistema complexo desenvolver-se à volta de dois eixos principais, que podemos imaginar dispostos em sentido espacial: o primeiro é um eixo horizontal, constituído pela relação do casal; o segundo é um eixo que se cruza com o primeiro de modo vertical, e é constituído por ligações que o casal tece com outras pessoas que no tempo o precedem (os pais) e que o seguem (os filhos). Para que uma família, e nela cada um dos seus membros, se desenvolva e cresça de modo psicologicamente saudável, é indispensável que entre os dois eixos se estabeleça um equilíbrio válido, em que o eixo horizontal constitua o ponto de união estável do eixo vertical. O casal, se e quando sabe construir e desenvolver a sua relação no tempo, pode tornar-se capaz de cuidar de modo preciso tanto da geração que o precede como da geração que dele toma origem e que o continua no tempo.’ (p. 139)

‘Da psicologia aprendemos que há algumas regras fundamentais para garantir aos filhos um bom crescimento e saúde mental: entre estas são cruciais a capacidade de respeitar o seu limite psicofísico e a capacidade de manter em relação a eles uma distância relacional correta, colocando-os na posição justa no interior das relações familiares. Isto significa, em primeiro lugar, ter o conhecimento claro de que um filho não nos pertence, mas é-nos simplesmente confiado pela vida para que cuidemos dele e o acompanhemos com respeito e se impulsividade em relação ao seu futuro.’ (p. 140)

‘Ainda há uma coisa que é sempre possível fazer na nossa vida, e é aprender a aproveitar tudo o que nos aconteça, até mesmo uma coisa negativa e dolorosa. Ser traídos, receber verdadeiras ofensas, sentir-se pouco apreciados, são evidentemente coisas muito negativas e à primeira vista inaceitáveis. No entanto, se o quisermos, até mesmo coisas como estas podem tornar-se para nós ocasião de crescimento, de desenvolvimento, de afinamento da personalidade. […] ninguém fora de nós pode encontrar a chave de sermos felizes, tal como ninguém pode realmente tornar-nos felizes s enão não lho permitirmos.’ (p. 165)

‘[…] como pude aprender com um jovem colega psiquiatra que estava para se casar, «não existe a pessoa certa, existe só a pessoa que escolhi». E a pessoa que escolhi é sempre única.’ (p. 168)

‘Quando nos apaixonamos por alguém, fazemos a experiência especial de intuir algo do seu Eu: intuímos que o outro é único, mas também o que pode vir a ser, o que nele se pode vir a desenvolver. É uma perceção sintética, difícil de dizer por palavras, mas muito importante: é parecida com a capacidade de rêverie dos pais sobre os filhos, quando intuem no filho a presença in nuce do homem ou da mulher que podem vir a ser.’ (p. 169)


**(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)

*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de 'Ensaios de liberdade', 'Bem-nascido... Mal-nascido... Do 'filho perfeito" ao filho humano' e de 'Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg'

 

Sabes, leitor... | 15 | Marca de água do livro de Enrique Rojas, 'O homem light'

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