Na última década, o país vem assistindo ao fecho de
escolas, uma após outra, num ritmo anestesiante, gerador de uma atitude de
quase rendição perante o fatalismo com que tal é apresentado. São de excluir
deste ritmo os anos de eleições, os únicos em que essas escolas parecem não
ser, segundo os decisores políticos, prejudiciais para os alunos que as
frequentam. Contudo, é urgente refletir sobre o que tal decisão comporta e o
que a justifica.
Para clarificar a posição que assumirei, importa
afirmar que se trata de uma decisão com custos certos e benefícios muito
duvidosos, seja no que respeita ao processo como tudo tem sido conduzido, seja
quanto aos resultados que dela se colhem.
Os que sustentam a bondade da decisão apontam,
fundamentalmente, duas ordens de razão: a primeira, do âmbito da gestão dos
recursos. A escassez dos recursos financeiros existentes parece, segundo eles,
ser motivo suficiente para aglomerar em pouco espaço o maior número possível de
alunos, com o menor custo em assistentes operacionais (os já designados
«contínuos» e «auxiliares da ação educativa») e professores. A segunda, de
ordem psicopedagógica, socorre-se da teoria educativa mais difundida, segundo a
qual será, certamente, benéfica a continuidade de todos os ciclos de ensino num
só espaço geográfico, por diminuir os efeitos da mudança, nas crianças.
Contudo, esta teoria, sendo, de facto, a mais difundida entre os pedagogos que
suportam as decisões políticas, esbarra com o reconhecimento de que as mudanças
de ciclo acompanhadas de mudança geográfica são positivas, em particular quando
o ciclo em conclusão foi marcado por algum insucesso. A mudança geográfica
permite que a pessoa se reconfigure diante do novo cenário e, como vulgarmente
se designa, permite «começar de novo». Mesmo nós, adultos, sabemos como é
importante, por vezes, a mudança de situação geográfica e física, para
reencontrar a serenidade e nos sentirmos de novo apreciados. Aplicando à
educação, é fácil perceber a pertinência desta última teoria para compreender
muito do insucesso que acompanha os alunos para quem o espaço concreto de
determinada escola - que sabem ter de frequentar durante doze anos - está
associado ao fracasso. Mudar, na transição de ciclos, teria sido uma
oportunidade, que este modelo de escolas fundidas não favorece. Ora, estes são,
resumidamente, os dois grandes argumentos utilizados para o encerramento de
escolas e a aglomeração das crianças em espaços multitudinários, isto é, de
multidão.
Bem certo que, em 2010 e 2011, as decisões tomadas
pelo governo de então defendiam que só se encerrariam as escolas com menos de
21 alunos, matéria, aliás, pouco consensual, como pode constatar-se lendo a
recomendação 4/2011, formulada pelo Conselho Nacional de Educação que afirma,
textualmente, que o fecho de escolas com menos de 21 alunos é um «assunto que
não tem sido pacífico». Esse já não é, porém, o cenário com que a sociedade
portuguesa se deparou, no passado dia 23 de junho. Nesse dia, foi anunciado o
encerramento de 311 escolas, entre as quais se contam muitas com mais do que
esse número de alunos.
Socorro-me, como ilustração do que acabo de
afirmar, a experiência concreta que venho acompanhando, e que respeita a três
escolas do concelho onde vivo e tenho o meu filho mais velho a frequentar o 1º
ciclo: Estarreja. Trata-se de um concelho que não vira nenhuma escola incluída
numa primeira lista, dita provisória, tornada pública ainda em Maio, e na qual
se referiam 439 escolas que preenchiam o acima referido critério dos 21 alunos,
mas que veio a verificar que 3 das suas escolas foram incluídas na lista de 311
destinadas a fechar. Em qualquer uma das três escolas que encerrarão, neste
concelho (Terra do Monte - Fermelã, Póvoa e Santo Amaro), o número de alunos
matriculados supera o da meia centena, sendo escolas em que existem todas as
condições materiais ditas ‘ideais’ (biblioteca, computadores, quadro
interativos, etc.), com uma enorme virtualidade que as torna insubstituíveis: a
proximidade das comunidades, o que tem permitido desenvolver estratégias de
voluntariado que não acontecem nas escolas multitudinárias. Mais ainda, são
escolas nas quais o sucesso é visível, bastando analisar os próprios resultados
académicos: numa delas, nenhum dos alunos que concluiu o 4º ano ficou retido,
tendo a grande maioria terminado exames nacionais com nível 4 e 5 (níveis mais
elevados). Já para não falar do que não se pode medir, que são as garantias de
uma educação esmerada porque feita com base na pessoalidade, na humanidade, que
a proximidade assegura. Ora, no caso deste concelho, como terá, certamente,
ocorrido em outros, as comunidades não foram ouvidas para a tomada de decisão,
ao arrepio do que referia a recomendação do Conselho Nacional de Educação acima
mencionada: «no processo de encerramento de escolas do 1º ciclo […] deve ser
considerado o eventual interesse das autarquias e ou de interesses económicos,
sociais ou culturais locais.» Tal facto, a saber, a falta de envolvimento das
comunidades na tomada de decisão, soma, ao erro quanto ao conteúdo da decisão,
um erro quanto à forma de a tomar, contribuindo para o agudizar do mal-estar em
relação à nobre atividade política. Num dos casos que aponto, o fecho da
escola, que constitui o último polo agregador da comunidade, significará a
morte da própria comunidade e do seu centro social paroquial que serve as
famílias que têm as suas crianças na escola e que, com elas, ali confiam os
seus bebés. No dia em que os irmãos mais velhos saírem para uma escola de
centro do concelho, os mais pequenos partirão com eles.
Este facto que acabo de narrar ilustra as
consequências graves desta decisão que se afigura estranha num governo que se
diz defensor da família, da natalidade e da maternidade. O fecho de escolas,
que já não são apenas as que têm menos de 21 alunos, é um decreto de diminuição
da confiança no futuro. Os frutos efetivos desta decisão só se saberão no amanhã,
quando olharmos para o país e o virmos desertificado.
Chegados aqui, mais do que continuar a enunciar
razões que justificam a convicção de que se trata de uma decisão errada, vale a
pena deixar interrogações cuja resposta suporta o nosso ponto de partida: será
aglomerando os alunos em comunidades de multidão que se combatem a
indisciplina, a violência escolar, o insucesso? Será distanciando as escolas,
que deveriam ser entendidas como comunidades, em grandes centros anónimos, que
se garante a salvaguarda da identidade das comunidades de origem? Será
desvinculando o crescimento das crianças do meio onde vivem as suas famílias
que se assegura a criação de uma real cultura nacional? Será considerando os
alunos como um número que estaremos a construir uma sociedade humanizada e
respeitadora da pessoa? Que modelo de sociedade se pretende edificar se a
escola já não for o lugar da construção da identidade pessoal em estreita
unidade com a construção da identidade social? Poderá construir-se a identidade
pessoal ao arrepio da construção da identidade social e comunitária? Será este,
em definitivo, um caminho sem retorno? Este não é o caminho que se vem
trilhando pela Europa fora, onde as comunidades vêm apostando nas escolas de
proximidade, com projetos educativos reais e efetivos e não simulacros de
projetos educativos. Ainda vamos a tempo de arrepiar caminho, se quisermos que
a escola seja o lugar do futuro e não um passado que não quereremos lembrar.