Há livros que transformam o nosso olhar sobre o
mundo e a nossa leitura dos mesmos factos que nos suscitaram dificuldade de
interpretação. Muitas vezes, tal não se deve a grandes teses ou teorias, à
complexidade da sua explicação, mas, pelo contrário, precisamente, à sua
simplicidade que nos faz reconhecer, humildemente: «como nunca tínhamos pensado
nisto?».
Acabo de ler a volumosa obra intitulada «porque
falham as nações», editada, em Portugal, pela Temas e Debates. Trata-se de uma
obra da autoria de Daron Acemoglu e James Robinson, dois reconhecidos
economistas norte-americanos, que, pela sua preciosa documentação e clareza de
tese, merece reflexão e reconhecimento dos desafios.
Em virtude da minha formação cristã de matriz
católica, sempre intuíra que o falhanço de alguns países, entre os quais se
inclui a dificuldade de Portugal em encontrar um rumo, se deveria, não a causa
fatalistas, associadas a um qualquer destino pré-traçado, mas a outra ordem de
razões que importava descobrir. De facto, a matriz católica sempre recusou uma
perspetiva predestinacionista da vida. A vida não está previamente traçada,
cabendo-nos apenas como que a função de cumprir o enredo já anteriormente
definido. Pelo contrário, a visão católica da vida coloca a existência
histórica na confluência entre o chamamento divino e a resposta livre da
criatura. A isto se deve a centralidade da ideia de liberdade na conceção
católica da história.
Ora, com este pressuposto, faltava-me, porém,
compreender porque não eram satisfatórias algumas teorias de matriz
determinista, isto é, teorias que atribuem o falhanço nacional a um destino
insondável que não vale a pena contrariar. Apesar de muito difundida e
vulgarizada entre os portugueses, tal teoria não tinha de ser, de facto,
correta. Este é, com efeito, o pressuposto destes dois autores. Logo no início,
são denunciadas e recusadas as teorias deterministas, entre as quais, as
conceções que atribuem o falhanço das nações a causas geográficas,
climatéricas, de cultura ou de teor semelhante. As tão difundidas ideias de que
o português é preguiçoso ou de que o subsaariano é desorganizado, por destino e
natureza, caem por terra.
Mas importa, então, identificar a causa do
insucesso das nações que se pretende que encaixem nestes estereótipos.
A tese destes autores é relativamente simples,
socorrendo-se, para a sua validação, da constatação de casos conhecidos em que a
simples existência de uma fronteira condiciona, tremendamente, o sucesso de uns
e o insucesso de outros. Ora, uma fronteira é um símbolo, uma determinação
mental, mas que separa, fisicamente, em duas, comunidades muito próximas.
Então, por que razão os de um lado são bem-sucedidos e os do outro não o são?
Assim acontece, por exemplo, com o caso de Nogales, uma localidade situada na
fronteira entre os Estados Unidos e o México, em que um lado é bem-sucedido e o
outro paupérrimo. Do mesmo modo, o Botsuana, um país encravado no enorme
território sul-africano, apresenta um sucesso surpreendente se comparado com o
dos países envolventes. O seu rendimento per capita é equiparável ao dos países
bálticos e muito superior ao de vizinhos como o Zimbabué ou Zâmbia.
A resposta por que aspiramos devemos encontrá-la no
tipo de instituições que compõem o tecido social, económico e político do país.
Os autores caracterizam estas instituições como sendo de dois tipos: as que
acumulam para si mesmas, «esterilizando» tudo em seu redor, designadas como
instituições extrativas – não confundir com «indústrias extrativas», pois o
termo tem, aqui, um teor ético [Estas podem ser o Estado concentracionista ou
os monopólios capitalistas]; e as que asseguram a convivência da diversidade e
da multiplicidade, promovendo as oportunidades que são designadas como
instituições inclusivas. Uma tese com semelhanças com a de David Landes, que,
no seu livro «a riqueza e a pobreza das nações» sustenta que é na capacidade de
assegurar a pluralidade que se criam as condições para o sucesso dos países,
atribuindo este autor o insucesso de Portugal à decisão manuelina de expulsar
os judeus que conduziu a uma uniformização de modelo, diminuindo o pluralismo
nacional.
Segundo os autores que vimos acompanhando, a adoção
de instituições extrativas ou inclusivas ocorre em momentos decisivos das
nações, designados como «conjunturas críticas», em que se tem de fazer
escolhas, perante a possibilidade de ter de proceder ao que eles designam como
«destruição criativa», isto é, a superação de determinadas opções mais
extrativas por outras mais inclusivas, o que pode comportar perdas, bem certo.
É o receio destas perdas que suscita medo da mudança. É particularmente
referido como exemplificativo deste momento o que ocorreu em Inglaterra, em
1688, quando a chamada revolução gloriosa retirou o poder absolutista ao rei,
conferindo-o ao parlamento, decisão que favoreceu a emergência da revolução
industrial naquele país e não em qualquer outro.
A clareza desta tese dificilmente poderia ser mais
oportuna para o caso português. Vivemos numa circunstância que poderíamos
designar como «conjuntura crítica». Uma oportunidade para transformar, mudar,
assegurar o pluralismo de oportunidades, em vez de concentrar em poucos (sejam
o Estado, sejam monopólios capitalistas) aquilo que deve ser benefício de
todos.
Sendo uma tese de base económica, os desafios
éticos são evidentes. O princípio do bem comum, central na doutrina social da
Igreja, complementado pelos de solidariedade e de subsidiariedade (que
reconhece à sociedade competências que não têm nem devem ser sempre asseguradas
por monopólios estatais ou privados) deverá ser recuperado para a centralidade
da discussão sobre os motivos das nossas escolhas.